Eis Vladivostok, a “São Francisco” da Rússia. O fim de linha da gigante Ferrovia Trans-Siberiana, de mais de 9.200Km. Um lugar que alguns amigos brasileiros achavam que só existia no jogo de tabuleiro WAR, mas que é uma cidade de verdade — e elegante.
Eu cheguei a Vladivostok numa manhã nublada, úmida e quente, após um trem noturno desde Khabarovsk. Com a cara de quem dormiu no trem, uma mochila na frente e outra atrás, eu me apressei a tirar uma foto com o marco do fim da ferrovia. É uma foto para se guardar. (Vários asiáticos num grupo tiveram a mesma ideia.)


Vladivostok já tem uma atmosfera muito diferente do interiorzão da Rússia. Se em lugares remotos da Sibéria como Irkutsk ou Ulan Ude eu tinha a sensação de estar isolado do mundo, longe das coisas que aconteciam, aqui em Vladivostok eu tive a sensação de já estar quase na costa oeste dos Estados Unidos. O Pacífico faz parecer que você já não está mais tão longe assim das coisas. Na verdade, a Coreia do Norte está a apenas 100Km daqui.

Vladivostok significa “governante do leste” em russo. A região tinha indígenas que foram conquistados e mesclaram-se aos chineses da Manchúria ao longo de séculos, até que em 1860 o Tratado de Pequim cedeu estas terras à Coroa Russa. (Foi o mesmo tratado desigual no qual a China perdeu as terras ao norte do Rio Amur onde hoje é Blagoveshchensk. Tudo na base da “diplomacia do canhão”, quando a China foi coagida a assinar cessões de territórios a potências ocidentais no século XIX.) Hoje a China não tem saída pra o mar aqui; a Rússia conecta-se diretamente à Coreia do Norte. É a propósito.
Hoje, estamos numa cidade de 600 mil habitantes, elegância e o porto onde fica a esquadra de guerra russa do Oceano Pacífico. Você caminha pela praça e avista os navios de aço ancorados.
Eu cheguei e me instalei, ainda no início daquela manhã, num albergue alternativo. Paredes grafitadas, jeito urbano meio decrépito-chique, e um saguão principal atapetado onde russos jovens na recepção assistiam a clipes de música do YouTube numa tela grande. Um ambiente muito mais “MTV” que o que eu havia encontrado nas cidades anteriores do interior russo. Como eu disse: parece haver uma influência internacional mais forte aqui, e a minha impressão é que os Vladivostoquenses (?) gostam disso.



Era nada menos que curioso e engraçado passar por ruas repletas de casario da Europa Central em pleno leste asiático, às margens do Oceano Pacífico. Se você acordasse aqui de repente, poderia ser perdoado por pensar que está em Novi Sad, na Sérvia, ou em algum bairro de Viena ou mesmo de São Petersburgo, a 10 mil Km daqui.

Eu diria que os dois dias que passei em Vladivostok foram mais que suficientes. A cidade tem um centrinho pequeno, gostoso de andar; algumas estátuas e marcos por ver nas praças; os destróieres da marinha de guerra russa; algumas belas igrejas ortodoxas, pois ainda estamos na Rússia; e uns pontos mais afastados e de beleza cênica, como a Ilha Russa (Rusky Island) e o Farol Tokarevskiy. Você vai entender por que apelidam Vladivostok de a “São Francisco” da Rússia.

Uma coisa que você logo descobre sobre Vladivostok é o quanto ela é cheia de sobes e desces. Há colinas por toda parte; o centro, onde fica a estação de trem, parece ser a única área realmente plana da cidade. Se por um lado cansa, por outro dá direito a essas belas vistas do alto.
Se você não quiser subir a pé, pode tomar um funicular (plano inclinado) até o alto. Foi o que eu fiz, de onde pude observar todo o visual da baía, que aqui recebe o nome de Chifre Dourado (Golden Horn), à imagem do braço de mar na antiga Constantinopla, atual Istambul. Como eu sempre digo: os russos inspiram-se muito no Império Romano do Oriente cristão ortodoxo e, de certa forma, veem-se como herdeiros dele.





Na parte baixa da cidade, à margem do mar, mais algumas belezas.








Se você quer uma palhinha das músicas tradicionais tocadas na rua pela orquestra, confira o vídeo que fiz abaixo. Eles tocam primeiro a clássica Katyusha, uma canção popular dos tempos da guerra sobre uma garota cujo par romântico teria ido aos campos de batalha; e depois a não menos clássica Kalinka. Pode ser que você conheça as melodias ainda que não reconheça os nomes. (Pode cruzar os braços e fazer aquela dança alternando as pernas aí na sala de casa.)
Eu, como disse, também fiz dois passeios mais longos aqui de Vladivostok, pra os quais foi preciso transporte. O primeiro foi à Ilha Russa (Rusky Island), uma parte mais afastada da cidade onde fica o campus da principal universidade daqui, a Universidade Federal do Leste Distante. (Falando assim, parece até coisa do Brasil.)
A ela eu fui ainda no dia nublado em que cheguei, com uma carona de Olga e sua família — mais uns amigos de minha amiga Irina. Tais quais os brasileiros, se você entra no círculo de amizade, os russos são muito de facilmente enturmar você.
O principal chamariz de ir à Ilha Russa é, verdade seja dita, passar pela elegante ponte que a conecta ao centro da cidade.





O engraçado nesse dia foi que ninguém da família falava nada de inglês. Olga me começou com um “Irina me disse que você fala um pouco de russo“. Oh, os exageros que as pessoas fazem. Suei como nunca dantes para conseguir me comunicar com eles. O marido de Olga me puxava conversa e olhávamos um pro outro como dois perdidos tentando se entender. Acho que usei todas as palavras de russo que sabia, mas no fim das contas passamos algumas horas divertidas. (Por sorte, pra se brincar com criança não é muito necessário saber falar o idioma.)
No dia seguinte, quando o sol deu as caras, eu além de ir ter as vistas da cidade que já mostrei acima, eu fui de ônibus ao Farol Tokarevskiy (às vezes também chamado de Egersheld). O farol foi construído em 1876, como resultado da nova presença russa nestas terras outrora imperiais chinesas. Ele em si é simples e básico; o bonito é a paisagem ao redor com as águas do Pacífico.







Depois de passar uns dias aqui, eu reparei que Vladivostok, sob o seu ar internacional, não foge às características gerais do país onde se encontra. Magneticamente, ela ainda parece voltada à Ásia Central (dos muitos imigrantes centro-asiáticos que vêm parar aqui), com algo de intercâmbio humano (mas não cultural) com a China, e culturalmente conectada à vasta Rússia que vai até Moscou. Embora o Japão esteja muito perto, você mal percebe. O mesmo vale para as Coreias. Se você não olhar o mapa, nem se dará conta de que elas estão a mera 1h de viagem daqui. Acho que vi muito mais da Coreia (gente coreana, restaurantes coreanos, coisas escritas em coreano) lá em Ulaanbaatar, na Mongólia, que aqui.


Na madrugada seguinte, o sol ainda não havia nascido quando um táxi tranquilamente me esperava à entrada no meu albergue. O motorista do carro que eu ainda reservado comia um sanduíche e ouvia o rádio sozinho, na quietude escura da madrugada. Perguntou-me se aquela era mesmo a rua tal.
Apresentei-me, e logo seguimos ao aeroporto de Vladivostok. Fazer todo o percurso da Ferrovia Trans-Siberiana é épico, mas é preciso pensar no que fazer para ir embora após completá-la. Eu não tinha apetite para tomar mais outros dias de trem fazendo o caminho inverso, então um voo veio a calhar. (Aviso aos navegantes: é muito mais barato voar a Ocidente dentro da Rússia que tentar ir daqui à Coreia do Sul ou à China para ir embora de lá, a menos que você queira muito aproveitar para visitar aqueles países na mesma viagem.)
O taxista era um homem simples. Não falava inglês, e exigiu todo o meu russo. Foi conversando como fazem taxistas em todo o mundo. “Essa ponte que você está vendo“, disse ele apontando com a mão enquanto passávamos, “Putin que construiu. Tem poucos anos”, completou ele em tom orgulhoso e satisfeito. “Essa rodovia aqui também. A velha ia lá por longe, levava um tempo grande pra chegar ao aeroporto. Agora, não.”. Parecia que eu estava escutando o povo no Brasil elogiar obra de político X ou Y. A mentalidade humana às vezes muda muito de uma cultura para outra; outras vezes, não.
O aeroporto de Vladivostok é simples e bonito, desses pré-montados que parecem uma caixa gradeada gigante de metal e vidro. Foi o tempo de tomar um café, e rumar a outras terras.
Uaauu final de jornada!…. ora ora…curioso o estar do lado de cá achando caracteristicas do lado de la. hahah. Genial. Muito interessante essa variação de ‘clima’ da cidade em relação às outras da Russia. Deve ser efeito da presença do Pacifico, do ser final de ferrovia, de país etc e tal. Parece ser mais cosmopolita mesmo.Que belo marco. Interessante a historia da tomada de terras pela Russia.
Muito bonitas a ponte assim como o arco histórico e as majestosas igrejas ortodoxas. É mesmo fantástica essa arquitetura com influencia bizantina. É a cara da Russia. Belos tons e maravilhoso interior. Acho essas iluminuras belíssimas.
O Pacifico ai é muito bonito. Bem mais que na costa peruana, mas as praias, são uns horrores, para quem conhece as praias do /Brasil, em particular as esplendorosas praias do lindo litoral do NE brasileiro, das mais belas do planeta, ao meu ver.
Muito bonito o aeroporto. Gostei da praticidade do retorno aereo hahah
Quanto ao evocar a antiga CCCP que nos acostumamos a ver vencer varias olimpíadas(1960 e……) e outras competições, creio que ha dois componentes: nostalgia e emprenho em ressuscita-la. Um pouco difícil, a meu ver.
Bela cidade. As flores dão um toque especial.
Prazer em conhece-la dona Rússia. Bela e histórica viagem, meu jovem amigo viajante. É isso ai. Parabéns. Gostei muito. Nada sabia sobre esse grande belo e desconhecido país
Obrigado: você me deu a oportunidade de saber um pouco mais sobre a Rússia.