A culinária russa não é mundialmente famosa. É difícil encontrar um restaurante russo em outro país, e duvido que muitos brasileiros — ou ocidentais em geral — conheçam muitos pratos russos além de strogonoff. (Inclusive, acho que o strogonoff hoje em dia é muito mais comum no Brasil que na Rússia. Só pra constar.)
Se há uma razão para a pouca fama da comida russa, eu suspeito que sejam sua simplicidade e despretensão. A gastronomia russa tem aquela cara de “comida de todo dia”, o que talvez tenha sido particularmente reforçado durante os 70 anos de existência da União Soviética com o seu mantra comunista de que o que é bom é a coisa simples do trabalhador, e que refinamento demais é coisa de aristocrata. Dificilmente os pratos russos fazem o tipo fotogênico de capa de revista.
Dito isso, se você vier à Rússia, naturalmente será exposto a toda a tradição culinária russa. Ainda que hoje seja possível encontrar comidas asiáticas, italiana, e inclusive restaurantes finos nas grandes cidades, o que domina aqui ainda são os pratos russos — sobretudo se você quiser economizar, pois restaurantes estrangeiros na Rússia são quase sempre (bem) mais caros.
O melhor, se você quiser ter a experiência autêntica, ou se quiser controlar o orçamento, é fazer refeições nas cantinas, que são as herdeiras dos antigos bandejões soviéticos. Estas cantinas estão para a Rússia assim como as trattorias estão para a Itália e os finos restaurantes gourmet estão para a França. Ou seja, são parte da experiência gastronômica e cultural.
Não se intimide; não se trata de um refeitório de fábrica. É simplesmente um sistema no qual você pega uma bandeja e entra na fila, como num buffet brasileiro, mas em vez de se servir, você aponta (ou fala, se souber russo) os pratos que quer e alguém atrás do balcão lhe serve as porções. Alguns itens como bebidas, saladas e sobremesas você pega diretamente no caminho até o caixa. Todos eles aceitam cartões brasileiros, e às vezes sai mais em conta que comer fora no Brasil.


E o que há, afinal, para comer?
Vamos lá. Os russos adoram sopa. (Verdade seja dita, todo o Leste Europeu costuma gostar de sopa.) Aqui, borsh, uma sopa de beterraba com pedaços de carne e — se você quiser — creme (smetana) dentro, é talvez a rainha de todas elas. Quase toda cantina a oferece todos os dias, como arroz e feijão no Brasil.
Como em quase tudo, os russos gostam de salpicar ervas por cima, especialmente raminhos de endro (ukrop em russo, dill em inglês). (Aliás, se você lê inglês, eu recomendo este curiosíssimo depoimento de um jornalista britânico sobre a obsessão dos russos de pôr endro em tudo. Aqui ele vai na pizza, no sushi, onde for.)
Já se você prefere uma coisa diferente, Uxa (lê-se Urra) é uma sopa de peixe também muito típica.


Quase todos os buffets aqui começam pelas opções de sopa (em geral, duas), mas não é obrigatório pegar delas. Você pode preferir um arroz temperado originário da Ásia Central (plôv), ou um macarrão estilo yakissoba (que eles aqui chamam de sôba), ou um dos moooooitos tipos de bolinho de massa com recheio de algo. Estes, como as sopas, são do que de mais típico há na culinária russa.
Pelmeni são bolinhos pequenos, cujo recheio varia (em geral carne, peixe, ou vegetais), servidos costumeiramente com creme por cima, como na foto inicial. E pra não dizer que não falei dos fungos, sim, os russos muitas vezes usam recheios de cogumelos temperados também. São saborosos. Vareniky são bolinhos maiores, mas muito parecidos, às vezes servidos com creme ou com manteiga. Ou ainda, se você for à Sibéria (ou à vizinha Mongólia), certamente irá se deparar com pôzê, uns bolinhos redondos com recheio de carne moída.
Os russos adoram esses bolinhos de massa, mas a qualidade varia. Alguns tem aquele gosto ordinário de coisa descongelada; já outros são saborosíssimos e dá pena comer o último.



Já se você prefere algo de maior “sustança”, saiba que não vai passar necessidade.
Nas cantinas, como nos demais restaurantes russos, há sempre opções de bife, frango ou peixe. (Peixe é especialmente comum aqui, penso que mais que no Brasil.) Só que não é aquela coisa de encher os olhos; normalmente, é pedaço de frango assado, ou pedaços de carne com batatas e maionese, ou filé de peixe com queijo e maionese (eles aqui amam maionese). Como eu disse, comida com cara de coisa do dia-dia.

Eu não entendi exatamente por que, mas a amiga canadense que viajou comigo, depois de um tempo enjoou dessa “comida russa”. Eu como essas coisas por meses sem reclamar, acho que tem uma certa diversidade embora alguns sabores se repitam, mas depois de algumas semanas ela já não quis mais, e tivemos que ir atrás de pizza, essas coisas.
Relato isso porque, sim, pode ser que você enjoe das repetições. Cada cultura está habituada a repetições diferentes. Eu mesmo não entendo como os holandeses conseguem comer pão com queijo todos os dias da semana, e nunca vi brasileiro reclamar de comer arroz e feijão todos os dias (mas estrangeiros em geral, não habituados, reclamam já ao segundo ou terceiro dia).
Chegando “aos finalmentes”, mas sem me esquecer das bebidas, lanches e coisas doces, preciso mencionar bliny (blíni), uns crepes muito comuns que os russos servem tanto salgados quanto doces. (Há, inclusive, creperias — blinierias? — especializadas, como a rede Teremok, muito comum em São Petersburgo e Moscou, com listas e listas de sabores e combinações diferentes.) É comum aqui que eles sejam um dos itens do almoço, ou como sobremesa com geleia.
E tão comuns quanto coxinha e pastel no Brasil são os pirozhki e os chebureki na Rússia. Chebureki são basicamente pastéis, fritos como os brasileiros, mas geralmente maiores e mais escassos de recheio — às vezes não tem gosto absolutamente de nada. Pirozhki às vezes têm mais gosto, mas são tão oleosos quanto. Os recheios mais comuns são repolho (kapusta) ou batata (kartoshka), quando não carne. (Sim, estes lanches aqui na Rússia são meio “assim”, não despertam muito tesão, mas são o que você encontrará pelo caminho ao viajar aqui.)

Não deixe de experimentar kvass, a bebida ligeiramente fermentada feita de pão e vendida mais barato que água pelas ruas (tem um breve gosto de refrigerante, doce e com gás); e não deixe de beber kompot, uma tradição do leste europeu de servir refrescos de calda de doce (de compota), o que lembra um suco adocicado. Há em todas as cantinas já no copo pra você pegar e pôr na bandeja.
Pra terminar, e o café da manhã? Na Rússia, se toma mais chá preto (chai) que café (kofe). O café, em geral, é ordinário, tipo Nescafé. Às vezes é só o que tem. No mais, o mais traditional são mingaus, conhecidos aqui como kasha, e servidos geralmente com uma colher de manteiga derretida por cima. (Tudo é gosto.)

Pronto, agora você está pronto(a) (ou não?) a vir comer na Rússia.
Gostei das comilanças.
Não é que deu fome? Existe aqui em Lisboa 1 restaurante russo maravilhoso, acho que vou lá mais vezes para me ir habituando até à minha viagem