A minha jornada trans-siberiana havia se completado em Vladivostok, no extremo oriente da Rússia, mas no caminho de volta o meu voo ainda me traria a mais uma cidade russa.
Eis uma cidade que você talvez nem soubesse que existia, mas Novosibirsk é nada menos que a terceira maior cidade da Rússia, com mais de 1,5 milhão de pessoas em plena Sibéria — e famosa por ser, diz a lenda, aquela com as mais belas mulheres do país.
Não fiz análise estatística para comparar, mas é claro que me deparei com cada pedaço de mau caminho maior que o outro pelas ruas. Várias vezes me vi girar o pescoço quase 360º feito a menina do Exorcista na rua, e quase que me deu vontade de perder o voo de conexão de saída da Rússia.

Quando eu cheguei ao aeroporto Tolmachevo, era ainda cedo de manhã. O meu voo desde Vladivostok havia sido um daqueles de leste a oeste que trazem você ao destino quase na mesma hora em que saiu, devido à diferença de fusos horários. Neste caso, 6h de viagem no ar se transformaram em 3h de diferença. Eu saí às seis da manhã de Vladivostok, após comer uma bobagem, e cheguei a Novosibirsk ainda a tempo de tomar um segundo café.
Do aeroporto, um ônibus público leva você até a estação de trem, um dos muitos prédios barrocos coloridos tão característicos das cidades russas. A bagagem havia ficado com a companhia aérea, despachada até o destino final, e eu aqui tinha 24h de tempo de conexão. É claro que fui à cidade conhecer tudo o que pudesse, e dormir numa cama digna.



Novosibirsk não é uma cidade particularmente pitoresca, não vou mentir. Porém, é uma cidade aconchegante à sua maneira, talvez um emblema da típica cidade russa, com seus prédios repetidos mas aqui e ali algumas preciosidades em termos de arquitetura clássica (um museu, um teatro, um prédio público) e as igrejas ortodoxas de reluzentes domos dourados tão características. Além disso, largas avenidas, bem cuidadas praças com flores, gente bonita passeando pelas ruas, e um caldo cultural centro-asiático muito exótico para nós do Ocidente.

O meu caminho até o albergue que havia reservado foi de 3Km por avenidas não-turísticas e camelôs representativos do multiculturalismo atual russo. Quando eu me detive para tomar o segundo café da manhã de que falei, foi com uma senhora do Quirguistão. O jeito que a gente no Brasil imagina esses países da Ásia Central é como se eles nem estivessem no planeta Terra, tamanho o seu exotismo e o nosso desconhecimento sobre eles. O Quirguistão é um país do tamanho do Paraná espremido entre o Cazaquistão e a China, naquele “buraco negro” do mapa onde a gente não sabe bem o que existe. Eles falam uma língua da família do turco, mas como fizeram parte da União Soviética até 1991, em geral também sabem russo.
Atendeu-me a senhora quirguiz, branca, de olhos puxados e maçãs do rosto pronunciadas, como característico da Ásia Central. Falou-me, numa mistura de russo com inglês, que já havia visto novelas brasileiras na televisão — e não só aqui na Rússia, como também no Quirguistão. Era professora, mas trabalhava aqui em Novosibirsk vendendo fast food. A economia lá estava ruim. Como ela havia muitas outras na rua, algumas em seus vestidos bonitos e coloridos no Mercado Central, com xales pela cabeça que não são véus, mas lindos enfeites de tecido sobre o cabelo.




Na entrada do albergue, levou eras até alguém abrir a porta. Eu já começava a cogitar algum plano B, quando finalmente um tio folgado com ar descansado e que não falava uma única palavra de inglês me abriu a porta e convidou a entrar. O albergue era limpo e arrumado, mas um desses lugares pouco interessantes onde basta passar uma noite. Logo saí para ver o que pudesse da cidade.
Novosibirsk pode não ser como um todo pitoresca, mas tem, sim, lugares lindos onde dar com os olhos. No passear pelas ruas, vi o prédio do belo teatro de ópera e da filarmônica local, agradáveis praças, monumentos soviéticos e igrejas. Suas belezas são cotidianas aqui, e fazem parte do “normal” de uma cidade russa.










Uma cidade russa normal, com suas belezas aqui normais.
Circulei, sentei-me numa praça, e ali eu mais uma vez — após Ulan Ude — fui tomado pela sensação de que, quem sabe, pudesse morar na Rússia. Certamente me faltavam o conhecimento do que é a realidade de morar aqui — os costumes, talvez as dificuldades burocráticas, as questões econômicas, etc. Mas, em falando de ambiente, me senti aqui tranquilo, numa vida pacata e culturalmente rica.
Na manhã seguinte, novamente em Tomalchevo, ganhei da oficial de imigração (normalmente muda) o meu Do Cvidanja (“Da Svidânia”, até a próxima) antes de partir. Chegava eu ao final desta longa viagem, longa estadia na Rússia em que tanto conheci e aprendi. E me fui. Aguardavam-se outras paragens.
Adoro seus relatos e os lugares ímpares q vc nos apresenta. Estou encantada com o roteiro.
Pretendo me dedicar melhor, pra analisar a viabilidade dessa viagem.
Parabéns pelo ineditismo, ousadia e a forma leve e instigante q nos apresenta esse mundo.
Muito interessante essa cidade” normal” russa, com sua tranquilidade, seus monumentos, suas misturas culturais coabitando pacificamente, enquanto o tempo corre entre os dedos.
Lindas igrejas, belas construções, natureza bonita e gente simples e pelo visto agradável ao contato. Os diversos estilos arquitetônicos enchem os olhos.
Ainda bem que o pescoço ficou no lugar hahah. Muito bom apreciar as guapas moçoilas.
Tenho gostado muito dessas cidades russas mostradas nessa serie de postagens, meu caro jovem viajante. Surpreendentemente belas, espaçosas, floridas, bem conservadas e tranquilas. Parabéns pela serie. Rica e agradável. Aprendi bastante sobre uma região que sequer sabia ser tao bela e interessante. Valeu.