Muito antes de os turcos chegarem às terras que hoje chamamos de “Turquia”, elas atendiam por nomes diferentes. Em 330 a.C., quando Alexandre o Grande faz a sua grande marcha para o oriente que levaria os seus exércitos até à Índia, adotam-se os nomes — adaptados das línguas e povos já presentes, como os persas — como viriam a ser conhecidos no mundo antigo greco-romano: Capadócia, Lycia, Lydia, entre outros. (Nome de muita gente no Brasil que nem sabe a origem do nome.)

Toda essa massa de terra a oriente do Mar Egeu ficou conhecida dos gregos antigos como Anatolé, que significa o mesmo que “Levante”, ou a terra onde o sol nasce — pois está a oriente de onde viviam os gregos. Daí o nome latino Anatolia, usado até hoje.
Mesmo depois que o Império Romano conquista o que era dos gregos e se converte ao cristianismo (no século IV d.C.), as populações daqui continuam usando o grego como língua corrente. Quando cai Roma em 476 d.C. e Constantinopla (atual Istambul) emerge como capital única do império, fica o Império Romano do Oriente — que hoje em dia se convencionou chamar de “Bizantino”, já que Constantinopla antes se chamava Bizâncio.
Esses romanos gregos bizantinos cristãos habitariam a Anatólia por muitos séculos, até a perderem para os chegados turcos em 1071 na Batalha de Manzikert. Ainda assim, as populações viveriam misturadas — gregos cristãos e turcos islâmicos, assim como gente de várias outras nacionalidades e religiões, vivendo sob o governo de um sultão turco.
Às vezes havia vilas de maioria de um tipo, tipo o que ainda ocorre hoje no Sul do Brasil. Um dos lugares de maioria grega foi Sille, um vilarejo perto de Konya. Um lugar interessante a visitar se você gosta de arte cristã ortodoxa, aqui preservada do tempo dos gregos.

Chegar a Sille não é difícil. Um ônibus simples, desses que levam de uma cidade a distritos próximos, traz você de Konya até aqui.
Era uma manhã cinzenta de abril, daquelas em que a primavera aqui do hemisfério norte ainda custava a entrar. A minha amiga turca e eu nos alinhávamos detrás de mulheres turcas com véu, notadamente mais conservadoras que ela de Istambul, e aguardávamos o ônibus à beira da rua.
Ali mais à frente, senhoras pesadas cobertas de véu, parecendo que vieram da feira, e que não falam nem olham pra você mas que não têm a menor cerimônia em lhe dar encontrões e empurrar-lhe pra fora do caminho na carreira delas até a porta do ônibus. Não fique aí na ilusão de que se tratam de senhoras que, porque são recatadas, necessariamente têm bons modos.

No caminho, o ônibus saiu pegando estudantes naqueles povoados à beira da pista, e que pareciam estar voltando da escola. Sentado mais atrás, assisti a um garoto gordinho, de seus 11 anos, dizer bismillahi rahmani rahim (“Em nome de Deus, o mais gracioso, o mais misericordioso”) enquanto tentava se equilibrar em pé entrando no ônibus que já tocava pra frente. É habitual entre os turcos — e outros muçulmanos — mais religiosos soltar essas palavras quando iniciam qualquer coisa, até subir no ônibus.
E dali a meia hora chegávamos ao pacato vilarejo de Sille.




Perto dali — pois aqui tudo é perto —, a igreja do tempo dos bizantinos. Embora a edificação que você hoje encontra resulte de uma reforma feita no século XIX, dizem que aqui há uma igreja desde o ano 327. Nessa data, a Imperatriz Helena, mãe do Imperador Constantino (o que converteu os romanos ao cristianismo), teria passado por aqui numa peregrinação a Jerusalém, e ordenado a construção de um templo cristão para a comunidade local.
Ela viria a ser santificada depois, e a igreja às vezes é conhecida como Agia Eleni (Santa Helena), embora seja dedicada a Miguel Arcanjo. Os gregos a mantiveram até 1924, quando ao fim da Guerra Greco-Turca (1919-1922) a que me referi no post de Izmir houve a troca de populações, e os gregos da Anatólia — que ainda falavam o dialeto grego da Capadócia — foram enviados daqui para a Grécia, assim como os turcos de lá tiveram que emigrar.
Diz a lenda que Rumi, o respeitado poeta sufi de Konya, teria presenciado aqui um milagre, num mosteiro ortodoxo, e requerido aos turcos que se mantivessem em paz com os gregos cristãos.







É um passeio curto, pois num instante você visita o interior da igreja e os seus arredores. Buscamos em seguida um lugar onde comer.
O povo em geral tem aquele jeito que minha avó descreveria como escabriado, aquele jeito meio fechado e taciturno do pessoal da roça quanto encontra uma pessoa estranha, olhando você de restrevela. Mas sem aquela abertura e aquela “confiança” que muitas vezes têm os brasileiros do interior.
Homens fumando narguilé no interior de bares escuros, quietude no ambiente… tudo me lembrava Winter Sleep, o filme turco que recomendei acima, e que eu havia assistido alguns meses antes.
Embora eu passe por turco, nunca haviam me visto, e as pessoas me olhavam, forasteiro, com aquela cara suspeitosa. Não é dizer que sejam rudes quando você lhes dirige a palavra, mas mantêm aquela atitude de reserva e do tipo “não o conheço”, de quem não o deixa chegar muito perto, muito diferente do povo do interior no Brasil que às vezes já vai abraçando, falando dos problemas de casa, e chamando pra almoçar.

Foi bom ver o interiorzão turco, mas agora era hora de retornar a Istambul para rever a maior cidade da Turquia na primavera.
Muito interessante a cidadezinha. Belo interior. Gosto muito das iluminuras. Vale a pena enfrentar o bus, curiosa essa deseducação nas senhoras.
Com todo o respeito a todas as religiões, acho horríveis essas burcas ou o que sejam, onde as mulheres passam um sufoco com aqueles mantos pretos. Horriveis. Enfim. Fazer o quê. Lamentar. Coitadas.