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Vaticano

Visitando o Vaticano e vendo o Papa Francisco em Roma

Visitar o Vaticano é algo que passa pela cabeça da maior parte dos cristãos. Independente de qual for a sua fé (se alguma), o coração de Roma é um lugar de relevância histórica inquestionável, e um dos destinos mais visitados do mundo.

Aqui estão nada menos que algumas das maiores obras do Renascimento italiano, como a Basílica de São Pedro, a Pietà, a Capela Sistina com seu teto pintado por Michelangelo, dentre outros tesouros religiosos e artísticos que têm do melhor da cultura e História italianas. Estamos na gema da Itália, só que fora dela. Como se seu coração fosse soberano do restante.

O Vaticano oficialmente é o menor país soberano do planeta. São em torno de mil pessoas vivendo numa área de 0,44Km², menor que qualquer bairro da sua cidade. Tecnicamente, a entidade soberana não é nem a Cidade do Vaticano, mas a Santa Sé, a diocese de Roma — a qual controla também as outras propriedades da Igreja Católica na cidade, incluso mas não limitado ao Vaticano.

Visitar essa milenar instituição e seus tesouros requer certo esforço e paciência, mas é recompensador.

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A imponente Basílica de São Pedro, terminada em 1626.

Eu chegava a Roma direto da Grécia, de um pólo da antiguidade clássica a outro. A primavera deixava a capital italiana fresquinha e ensolarada, ainda sem aquelas imensas hordas de turistas que tomam conta do país no verão. Ainda assim, a Itália tem turistas o ano inteiro.

Instalei-me num aconchegante apartamento perto do Vaticano. Ele pertencia a uma simpática jovem italiana, Anna, gordinha e sorridente, dessas prendadas com as arrumações de casa, e casada com um membro da guarda do Vaticano. Não aquela guarda suíça empedernida, de cerimonial, mas a polícia verdadeira. Não cheguei a conhecê-lo, exceto pelos muitos porta-retratos dos dois pela mobília da casa.

Daqui eu estava bem posicionado. Andar é a melhor forma de se deslocar em Roma. Numa cidade de trânsito pesado e transporte público limitado — para o alto padrão europeu, onde as cidades em geral têm bondes elétricos, ciclovias, e calçadões pedestrianizados além do habitual dueto ônibus & metrô, comum mundo afora —, eu quis ficar numa distância que desse pra ir a pé às principais atrações da cidade. 

Eu começaria pelo Vaticano, com a espetacular Basílica de São Pedro, o não menos espetacular Museu do Vaticano, e — aproveitando que o dia seguinte à minha chegada era uma quarta-feira, dia da audiência papal — ver pessoalmente o senhor Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco. Afinal, não dava pra vir a Roma e não ver o papa.

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Aglomeração na Praça de São Pedro numa quarta de manhã sob a primavera italiana.

Sempre que está na cidade, o papa realiza uma “audiência pública” às 10h da manhã das quartas-feiras, na Praça de São Pedro. Não é bem uma missa, mas um passeio por entre os presentes para abençoar itens, bebês, e fazer uma homilia, um discurso sobre algum tema de relevância social. Ele o faz em italiano, mas há tradução em vários idiomas.

Não é necessário entrada ou ingresso de nenhum tipo. Basta chegar cedo e aproximar-se da grade, e o papa estará por ali a poucos metros de você passando naquele carrinho. Se você quiser sentar, aí sim é preciso obter um ingresso antecipadamente, que você obtém gratuitamente fazendo uma solicitação via fax e vindo coletar no dia anterior ou no princípio da manhã.

Na prática, faz muito pouca diferença, exceto pela cadeira e pelo trabalho extra que dá

O site oficial do Vaticano é este. Muito importante olhar primeiro a agenda do papa para saber se ele estará presente. E se você quiser mesmo solicitar entradas para ficar sentado no centro da praça, aqui estão as instruções oficiais e contato em português.

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O papa passando ali perto, naquela manhã de quarta.
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Pertinho assim.
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A pomposa guarda suíça, com seus trajes do Cirque du Soleil.
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E é assim que fica a Praça de São Pedro às manhãs de quarta. Aquelas pessoas no meio solicitaram ingresso antecipadamente, as daqui da esquerda da foto, onde eu estava, não. Mas o papa passa perto do mesmo jeito. Caso você não aconteça de estar aqui numa quarta, a outra opção é a prece Ângelus, rezada da janelinha ao meio-dia de domingo.

Perto de mim na multidão, uma senhora brasileira conversava com a filha pouco antes de o papa aparecer. “O padre já veio duas vezes e me disse que o papa passa bem aqui“. De fato, passou.

Geralmente eu puxo conversa quando encontro compatriotas no exterior, mas às vezes me dá preguiça, aí eu brinco de brasileiro escondido e fico só escutando. A filha, uma morena bonita com ar de viajante independente, ainda teve tempo de comentar sobre como prefere ficar em hotel do que albergue, por já ter o seu “esquema de banheiro” (expressão que adotei desde então), e consolou a mãe quando esta chorou de emoção ao ver o papa passar.

Eu dali tentaria visitar o Museu do Vaticano e o interior da Basílica de São Pedro, duas missões hercúleas pelas filas quilométricas que se formam — o que não é ajudado pelo número grande de italianos malandros e outros turistas que as furam na cara dura. Não há divisor de fluxos, e a imensa fila é constantemente reposicionada pelos guardas, então é um prato cheio pra quem quer se aproveitar.

A coisa é tão perniciosa e crônica que eu tive que lidar com uma guia italiana destemperada que achou que eu tinha furado a fila e entrado na surdina “atrás dessa senhora” — que acontecia de ser a minha mãe.

Depois de 1h30min numa fila e 1h45min na outra, entramos. Já aviso que tentar visitar os dois lugares num mesmo dia é uma tarefa dura. É factível, mas toma o dia quase todo. A Basílica de São Pedro me pareceu mais fácil de ser visitada à tarde, pois todo mundo parecia ter a mesma ideia de “chegar cedo para entrar na Basílica antes dos grupos turistas chegarem”, só que todos os turistas têm a mesma ideia e às 9 da manhã há uma multidão de pessoas já à espera (talvez seja o pior horário).

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O caminho da fila para o Museu do Vaticano, cuja entrada fica na lateral à direita de quem vê a basílica de frente.
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Fila para o museu. Esta foto panorâmica é da Wikimedia. É pedreira.

Antes de sair das filas e passar às artes do museu, meus ouvidos ainda foram brindados com a sábia observação de um grupo de jovens norte-americanos atrás de mim, comentando entre si sobre os custos e conversões de dólar pra euro, e notando — cheios daquela confiança que lhes é característica — que um destino barato mesmo é certamente a Noruega, onde 1 dólar vale 8 da moeda de lá. A gente tenta superar o estereótipo do norte-americano jeca, aí se depara com essas.

(O problema não é não saber, mas posar de que muito sabe e dizer bobagem. Os rapazes terão um choque quando forem a Oslo e se derem conta de que uma cerveja lá custa o equivalente a 10 dólares. A Noruega provavelmente é o país mais caro do mundo.)

Mas passemos das pérolas às artes. O Museu do Vaticano — ou, para ser mais exato, os museus do Vaticano, pois são vários em um — formam um dos maiores e mais ricos tesouros artísticos do mundo. São 70.000 obras, 20.000 delas em exposição. Aí temos a inigualável Capela Sistina, pintada por Michelangelo, e mais um tanto de pinturas e esculturas. Nunca dá pra ver tudo, mas é fundamental vir com tempo (no mínimo, o equivalente ao que você gastou na fila para entrar).

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O contexto no interior é mais ou menos esse: muita gente por entre as obras de arte, especialmente em algumas seções, mas muita lindeza.
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Portais por entre as salas de pinturas, as mais concorridas.
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E não é sem razão que vem tanta gente. Um dos tetos decorados.
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E aqui o teto mais famoso do mundo, o da Capela Sistina, pintada por Michelangelo. Já lhes aviso que há uma tropa de guardas mui atentos assegurando que ninguém filme ou tire fotos. Esta é da Wikimedia.
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A Escola de Atenas, de 1511, quadro mais famoso do pintor renascentista Rafael, está aqui. Nele temos, no centro, os filósofos Platão (de vermelho) e seu discípulo Aristóteles (de azul) no centro, com o primeiro a apontar para cima, refletindo sua filosofia do mundo das ideias, e Artistóteles para baixo, para a terra, a ilustrar seu foco maior nas coisas deste mundo. Esta e outras obras de Rafael estão numa seção do museu chamada de Stanze di Raffaello, ou “Salas de Rafael”.
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Pátio interno, no museu.
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Os jardins do Vaticano.
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Sala com obras da antiguidade, como os mosaicos romanos no piso e as esculturas clássicas em seus nichos na parede.
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Longo corredor com esculturas clássicas originais. (Esta área de antiguidades é menos compacta que a de pinturas renascentistas.)
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Escultura de mármore que me parece da época do Egito ptolemaico, em que motivos helênicos clássicos e egípcios antigos se misturaram, nos idos de 300 a.C. até Cleópatra perto da época de Cristo.
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Múmia egípcia preservada em exibição.
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Caminho para a Pinacoteca e a Capela Sistina.
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E a Escadaria de Bramante, em espiral. A original datava de 1515, já esta, moderna, é de 1932.
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Pura elegância.
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No final, há também alguns artigos futebolísticos doados ao Papa Francisco, como essa camisa autografada por Pelé.
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… e uma camisa 10 da Argentina autografada por Diego Maradona para o seu compatriota, o papa, com “Francisco” na camisa.

Os museus do Vaticano são o que há de mais rico a se ver nesta micro-cidade, e o que toma mais tempo, mas ainda resta a Basílica de São Pedro a quem tiver gás (daí eu ter dito que ver ambos num mesmo dia requer esforço).

Mais uma maçada de espera em fila, mas no interior lhe aguardam outras obras do mais alto calibre, como o túmulo de São Pedro e a Pietà de Michelangelo.          

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A quilométrica fila para entrar na Basílica de São Pedro.
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A frente da entrada da basílica. Você passa por um detector de metais ao fim da fila ainda no lado de fora, e depois segue para entrar.

Eu diria que em 30-60 minutos você vê todo o interior (o que certamente será menos do que você gastou na fila para entrar, mas c’est la vie).

Embora tenha havido aqui um templo cristão, sede do Bispo de Roma (também conhecido como Papa) desde ao menos o século IV, quando o imperador romano Constantino legalizou o Cristianismo e o tornou religião oficial do império, a basílica que você visita hoje é um produto do Renascimento italiano. Esse movimento artístico e intelectual, que retomou obras, valores e pensamentos da antiguidade clássica, produziu alguns dos mais famosos gênios da humanidade, como Leonardo Da Vinci e Michelangelo Buonarroti.

(Caso você esteja a se perguntar sobre a Mona Lisa, obra mais famosa de Da Vinci, ela está no Museu do Louvre em Paris. E sobre a Última Ceia, a original se encontra no refeitório do convento de Santa Maria delle Grazie em Milão, no norte do país.)

A temática de muitas daquelas obras renascentistas foi religiosa, e muitas ficaram com a própria Igreja, várias delas aqui no Vaticano. A Pietà, uma das mais famosas esculturas de Michelangelo, está no interior da Basílica de São Pedro e mostra Maria com Jesus morto nos braços.

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Pietà, uma das mais famosas esculturas de Michelangelo, que também pintou o teto da Capela Sistina. Terminada em 1499, esta escultura que mostra Maria com Jesus morto nos braços foi encomendada por um cardeal francês para decorar o seu próprio túmulo quando morresse.

Agora pasme e prepare o babador para saber que Michelangelo tinha apenas 24 anos quando terminou essa escultura. *Silêncio*

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O magnífico interior da basílica. O lugar é tão imenso que aquela estrutura de bronze que você vê no centro tem quase 30m de altura. O teto do domo chega a 137m de altura.
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Vista pelo outro lado.
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Essa estrutura de bronze, chamada de baldaquino, foi completada pelo famoso escultor Gian Lorenzo Bernini em 1633.
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Sob ela, supostamente está o túmulo de São Pedro. A crença católica é que o apóstolo Pedro teria vindo pregar em Roma, e aqui morrido crucificado de cabeça pra baixo. Não se sabe se isso realmente aconteceu, mas Constantino, o imperador romano que se converteu ao cristianismo, deu ordens de construir a basílica original no lugar onde à época se dizia estar o túmulo de Pedro.
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O teto, sob o domo.
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Vista por sob o baldaquino.

E, apesar de todo esse esplendor, eu talvez vos choque ao informar que a Basílica de São Pedro não é a sede oficial do bispo de Roma (ou seja, do papa), e portanto não é uma catedral. Ele mora aqui, mas sua sede histórica oficial é a Catedral de San Giovanni Laterano, noutra parte da cidade.

No post seguinte eu retorno com a visita a outros pontos-chave de Roma, a cidade eterna.    

Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

3 thoughts on “Visitando o Vaticano e vendo o Papa Francisco em Roma

  1. Maravilhosa, épica, essa visita à cidade eterna. Linda Roma, Lindo o Vaticano, Maravilhoso esse Papa Francisco, humano e divino; que à semelhança do Pobrezinho de Assis tenta dar um rumo mais cristão à Santa Sé. Difícil tarefa ja que a Igreja de Roma é tradicionalmente Conservadora e pouco dada à mudanças nas suas ações, posturas e convicções. Boa sorte Papa Francisco. Torcemos pelo senhor e pelo Cristianismo. Que ele se volte para os pobres e excluídos.
    Belíssimo esse Museu do Vaticano. Obras ímpares e de uma riqueza de detalhes e significação impressionante.
    A Basílica é um espetáculo à parte. Belíssima. Valem a pena a fila e a espera. Magnifica, histórica, extraordinária na sua arquitetura , beleza, significação, riqueza de detalhes e decoração. La Piètá é maravilhosa. Parece viva. Linda postagem. Belo destino de viagem. Imperdível. Valeu, viajante. Maravilha.

  2. Oi Mairon. Feliz 2020. Eu fico na posição de querer que você viaje muito para escrever mais a respeito. Parabéns. Você devia pensar num livro.

    Conheci Roma no inverno de 2007. Foi uma viagem mágica. Peguei filas, mas poucas. E alguns dias foram ensolarados. Ah, as massas…

    1. Oi Daniel,
      Obrigado, e perdoe a minha demora em responder — eu lhe confesso que fiquei um tempo matutando o que diria a respeito do livro. Pois fique certo de que ele virá 🙂

      Que o ano esteja se desenrolando bem pra você, e que venham bons meses aí pela frente. Quem sabe até um reencontro com as massas na Itália no horizonte, após o pânico de saúde passar.

      Obrigado pelos desejos de apoio às continuadas viagens! Virá mesmo ainda bastante por aí.

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