Esse cavaleiro aí que você desconhece é David de Sassoun, ou como os armênios o chamam, Sasuntsi Davit, o lendário herói armênio que — segundo os contos populares — teria liderado a resistência contra os invasores árabes no século VIII. (É praticamente o El Cid da Armênia.) Coisa antiga, passada de geração em geração, e finalmente publicada em livro no século XIX. Prazer em conhecê-lo.
Chegava a hora de eu me despedir da Armênia. O país me cativou sobremaneira, mas era hora de partir. O destino? A Geórgia, este outro país caucasiano muito pouco conhecido no Ocidente (a maioria das pessoas nem sabe que ele existe). Como se tratam de países pequenos, uma breve jornada de 5-6h de carro são o bastante para ir da capital armênia Erevan à capital georgiana Tbilisi.
O trajeto se faz numas vans assim, como essas abaixo. (Eles às vezes chamam de mini-bus, mas é uma van.) Motoristas ficam no aguardo por passageiros e fazem o trajeto espontaneamente, na mais completa informalidade. É a forma mais prática. Em vez de ir à Rodoviária Kilikia, é melhor tomar um metrô à Praça Sasuntsi David, onde fica a estação de trens, e de lá tomar uma dessas vans que saem todos os dias. Não é necessário reservar nada anteriormente; basta chegar, localizar um motorista indo a Tbilisi, e aguardar. (Paciência será necessário, pois eles em geral só saem quando o veículo enche.)

No dia seguinte à minha ida ao Mosteiro de Tatev, acabei reencontrando no Museu do Genocídio alguns companheiros de viagem do dia anterior. Um quarteto de jovens alemães, dentre os quais uma moça que era fluente em português porque já morou na Bahia. Eita mundo pequeno.
Foi ali que demos um rolê na cidade, tomamos café no Starbus (sósia improvisado do Starbucks dentro de um ônibus na rua), e fomos nos esbaldar com comida armênia antes de irmos embora do país.




Na manhã do dia da partida, dei de cara com a filipina que restou no albergue. A que havia chamado os cafés da manhã europeus de “sobremesa” havia partido no dia anterior, despedindo-se de mim com um “God bless!” (Deus abençoe) que estou muito pouco habituado a ouvir em inglês, já que os meus amigos europeus tendem a ser muito pouco afiliados a religião, ao contrário dos filipinos.
A filipina que restou era uma moça fresquíssima, desse tipo de “menina de apartamento” excessivamente paparicada que você tanto encontra pela América Latina (e pelo visto também nas Filipinas). “Eu não como nada disso“, declarou-me ela ao belo café da manhã, quando lhe perguntei se ela comeria o outro ovo. “Eu só como ovo com arroz“, explicou-me com o olhar de quem buscava empatia. (Não sei que cara eu fiz.) Ela falava horas com o namorado pelo Skype, passeando pelo apartamento em face ao celular enquanto caminhava, depois tomando sorvete como café da manhã com o pote diante de si na mesa, e bolinhos de chocolate pra acompanhar. Me ofereceu do sorvete, que pegava lânguida com a colher para a boca, devagar.
Fui embora. Desembarcando do metrô na praça do cavaleiro David, os motoristas de ônibus já me gritavam, vendo-me como passageiro em potencial. Quando lhes disse aonde queria ir, contudo, fizeram cara de “Ah… não.” “Pra Tbilisi é lá do outro lado“, e faziam com mão indicando que eu contornasse o prédio. Estes iam a destinos domésticos, dentro da Armênia.
Do outro lado, encontrei as vans. Um jovem cidadão beiçudo, com cabelo de cuia e camisa vermelha, manejava a coisa. Tomava o dinheiro mas não era ele próprio o motorista. “Not driver.” O driver só apareceu depois, um moreno magro de cara meio atrapalhada e de quem não já fazia a barba grisalha há uma semana. Juntaram-se a nós uma daquelas famílias-quarteto (pai, mãe, filho e filha) de turistas e uma senhora armênia pesada, que se despediu efusivamente da filha antes de se instalar ao meu lado no banco de trás. Mas o motorista ainda esperava mais gente.
Naquela manhã quente de verão que já começava a se aproximar do meio-dia, arrisquei-me ainda a ir beber uma água num dos bebedouros públicos da praça, quando então fui abordado por duas Testemunhas de Jeová. Eram duas senhoras gentis que puxaram conversa (disfarçadas, sem aquele típico estande de cartilhas). Primeiro em Armênio (que nada compreendi) e depois em russo (que compreendi um pouco), quiseram saber de onde eu era. Quando eu lhes disse “Brasil”, suas faces iluminaram-se com o típico sorriso animado dos armênios. Supondo-me cristão, foram logo explicando que Jeová era pai de Jesus — mas tive que encerrar a conversa com um sorriso apontando pra o relógio e retornar ao carro.
Eram quase 11:30 quando uma outra mulher armênia se juntou a nós e o motorista finalmente resolveu partir.




Vendo-me tirar fotografias e se dando conta de que eu não era dali, a senhora pesada que ia no banco dos fundos ao meu lado tentou puxar conversa. Primeiro tentou em russo, mas meu russo é muito básico. Ela era daquelas pessoas ansiosas por conversar, daquelas senhoras claramente habituadas a ter sempre gente por perto e que, quando se veem sozinhas, começam a caçar estranhos com quem cruzar o olhar e puxar conversa.
Disse-me (em russo) que não falava inglês, ao que lamentei (mentira). Até que, incansável, ela me perguntou em francês se francês eu não falava. Ops, me pegou. Não tive coração para mentir, ao que felicíssima ela iniciou a conversar comigo em francês.
Contou-me que sua filha morava na França e que ela ia lá visitar de vez em quando. Era armênia, mas morava na Geórgia e vinha às vezes visitar os parentes na Armênia. Os armênios são globais. A conversa se seguiria pelas próximas cinco horas. De vez em quando (várias vezes), ela me perguntava se o francês dela era compreensível. “Por que é que minha filha então fica dizendo que meu francês é ruim?“, indagava-se ela num ar interrogativo e sorridente, também ansioso pra já passar ao próximo assunto.
Contou-me que os cidadãos que víamos com os braços abertos à beira da estrada eram vendedores de peixe avisando aos motoristas que havia mercadoria. Falou-me também dos tempos de União Soviética em que falar armênio na Armênia era proibido, e que as revistas e jornais eram todos em russo.
Era uma senhora gentil, dessas generosas, que dá vontade de ir visitar para um almoço de fim de semana e se acabar na boa mesa.
A fronteira entre a Armênia e a Geórgia fica a 2/3 do caminho entre Erevan e Tbilisi. Todos precisam descer do veículo e atravessar a pé; só o motorista é que permanece no carro, que pode ser inspecionado. É quase uma espécie de pequeno shopping com lojas e, na surdina, cambistas oferecendo conversão de moedas, mas a cotação aqui é ruim.
O oficial de imigração desta vez, ao contrário do que me atendeu na chegada ao país, foi bem simpático. O cara se empolgou com “Braaasil! Rio? São Paulo? Neymar?” Estampou tranquilo o meu passaporte, e me liberou.


Uma coisa quase miraculosa que acontece quando você passa ao lado georgiano da fronteira é que, de repente, a paisagem se esverdeia. Como se chovesse apenas deste lado. Como estamos rumando para este norte menos árido do Cáucaso, as árvores aparecem, e a grama amarela e marrom da Armênia dá lugar ao capim verde da Geórgia. Dá lugar às grandes montanhas de picos gelados do norte do Cáucaso também, mas isso eu veria depois.
Era hora de chegar a Tbilisi no fim de tarde, despedir-me da senhora pesada e procurar o meu hotel.
Ora ora, que viagem movimentada e interessante. Essas personagens são muito comuns, inclusive no Brasil. Perdoem-me as irmãs testemunhas de Jeová e seus simpatizantes, mas são muito inconvenientes. Novamente peço desculpas aos simpatizantes e adeptos, mas aqui no Brasil são conhecidas como ”queima panelas” pois chegam sem avisar e sem voce esperar, tomam toda a sua atenção, demoram e não o deixam fazer mais nada,. Um horror.
O que mais gostei foi o belíssimo lago de lindíssimas águas azuis e as paisagens do magnifico Cáucaso.
Curiosa para conhecer Tbilisi de tao mimoso nome. Vamos la.