Bem vindos à Geórgia, um país que a maior parte do mundo nem sabe que existe. É capaz de mais gente saber do estado norte-americano homônimo que do país independente e soberano com esse nome.

Estamos no Cáucaso, a mesma região onde fica a Armênia, no extremo leste da Europa, naquela rugosa faixa de terra entre a Rússia e o Oriente Médio, por entre o Mar Negro e o Mar Cáspio. (Eu já comentei em outro lugar a discussão sobre os países do Cáucaso serem Europa ou não, mas a convenção mais aceita diz que sim.)
Trata-se de um país do tamanho da Paraíba, com 3,7 milhões de habitantes e que fez parte da União Soviética até 1991. Você pode achar que não, mas certamente já ouviu falar de pelo menos um georgiano famoso: o senhor Ioseb Jughashvili (1878-1953), mais conhecido na História pelo seu apelido de “homem de aço” entre os amigos. Ou em russo, Stálin. (Bom dia pra você que também não sabia que “Stálin” era apelido, ou que ele não era russo.)
Calma que nem todos os georgianos são stalinistas. A Geórgia é um país de cultura milenar, com sua própria língua, seu próprio alfabeto, e sua própria igreja (das mais antigas do Cristianismo). É um país de fascinante paisagem, com as belas e altas Montanhas do Cáucaso com seus picos nevados; uma senhora culinária; e cidades charmosas de centros tradicionais simpáticos que hoje atraem gente de todo o mundo. Bem vindos a uma das encruzilhadas mais fascinantes que eu já descobri.

Todo o mundo está vindo à Geórgia. Sua fama breve aumentará no Brasil. Com uma política de dispensa de vistos pra quase todos (inclusos aí brasileiros e portugueses), você avista gente de todas as cores e vestimentas pelas ruas da capital Tbilisi. Aqui os grupos de mochileiros europeus misturam-se aos visitantes asiáticos, aos russos, aos árabes e suas mulheres de mantos pretos pelas ruas, a persas, afegãos e africanos. É um caleidoscópio, que reflete um pouco também da formação cultural georgiana.
Eu — é claro — não podia ficar de fora, e vim da Armênia para cá conhecer também a Geórgia. Cheguei de van desde Erevan, numa viagem que já foi narrada aqui. Era um fim de tarde e, com uma mochila na frente e outra atrás, tratei de buscar logo um lugar onde trocar algum dinheiro georgiano (o GEL, também conhecido por lári. Você escuta os dois termos. A abreviação se refere a “Georgian Lari”.)
Depois darei as dicas práticas, mas não recomendo trocar dinheiro perto da estação de trens — troquei somente por necessidade e porque ainda não sabia que, mais à frente, encontraria cotações melhores. Meu rumo era a Av. Davit Aghmashenebeli, uma das melhores de Tbilisi. (Eu não tinha um aplicativo de mapas comigo nessa ocasião, agora imagine-me perguntando aos georgianos na rua por esse nome enorme.)

Fui andando, perdi-me, encontrei-me, e lá pela altura do escurecer eu finalmente cheguei ao hotel — um hotelzinho simples, mas aconchegante e próximo a essa badalada avenida de nome comprido. Ela se revelaria um dos dois núcleos turísticos de Tbilisi.
Eu mostro a vocês o que é um pouco das ruas comuns da capital georgiana, antes de chegar à dita avenida.






Se você nunca veio aqui provavelmente ainda não sabe, mas Tbilisi é uma delícia.


Acompanhem-me, porque esta é uma cidade culturalmente rica e há muito a conhecer.
Eu naquele dia me instalei, quando saí do hotel já era noite, e jantei ali mesmo pela avenida. No dia seguinte eu veria as principais atrações da cidade. São ruelas cheias de charme, lugares agradáveis, igrejas belíssimas, um museu nacional interessante, e muitas vistas.
Tbilisi não é enorme, mas é uma cidade de porte médio com 1,5 milhão de habitantes. Então se prepare para andar e para usar o bom metrô da cidade quando necessário. Para ver tudo num só dia você precisará passar sebo nas canelas; em dois dias você o faz mais confortavelmente.
Eu passei sebo nas canelas. (Tinha outros planos para o dia seguinte.) Logo de manhã cedo me dirigi ao outro lado do Rio Kura, que corta Tbilisi. Embora a elegante avenida e eu estivéssemos na sua margem oriental, é a oeste do rio que ficam maioria das outras áreas de interesse.

Fui ter na outra margem com a Avenida Shota Rustaveli, a principal artéria daquele lado, uma elegante avenida (esta bem mais ampla e comercial que a Davit Aghmashenebeli) em homenagem a um poeta georgiano medieval.
Ali estão o bom Museu Nacional da Geórgia, que prontamente visitei, o Parlamento Georgiano, e uma singela Igreja de São Jorge, que começaria a me dar uma noção da riqueza de beleza sacra que há aqui. (Discute-se se o nome “Geórgia” vem do santo cristão, mas falo disso mais a seguir.)







Em 2008, portanto recentemente, havia tanques russos nestas ruas. A Abkazhia e a Ossétia do Sul são regiões separatistas que obtiveram independência sob defesa da Rússia, mas que a Geórgia ainda reclama como suas. Então o desafeto não é só pela subjugação da Geórgia nos tempos de União Soviética, é também por animosidade recente.
A Rússia vai a louca com a insistência da Geórgia em deixar de ser um satélite seu e mover-se para integrar a União Europeia e a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte, aliança militar encabeçada pelos EUA).




A Geórgia teve sua “era dourada” sob a Rainha Tamar entre os séculos XII e XIII. Aqui eram pequenos reinos distintos na Antiguidade, que reuniram-se sob o Cristianismo a partir do século IV d.C. Seu alfabeto foi criado no século V, adaptado do grego e em grande parte para trazer a Bíblia às línguas locais. Depois de serem invadidos pelos mongóis no século XIII, os georgianos labutariam para manter sua identidade nacional nesta região de fronteira entre três grandes impérios: o russo a norte, o turco otomano a sudoeste, e o persa a sudeste. Acabou passando de mão em mão ao longo dos séculos, e sofreu influências culturais dos três.
A religião, junto com o idioma, acabou sendo a grande goma que juntou os georgianos mesmo em área tão turbulenta — como ocorreu com os armênios. Aqui, mantém-se até hoje a Igreja Apostólica, Ortodoxa e Autocéfala Georgiana. (Esse nome engraçado, “autocéfalo”, quer dizer que tem cabeça própria; ou seja, se governa, sem estar sob a jurisdição eclesiástica de ninguém mais.)
Em 1801, quando a Rússia começava a levar a melhor contra os impérios islâmicos (persa e turco) mais a sul, ela aproveitou para abocanhar a Geórgia pra si. Não a largou desde então — ou “malmente”, desde que a União Soviética se desmantelou e a Geórgia ficou independente em 1991. (Houve apenas um breve período de soberania entre a queda do império czarina com a Revolução Russa em 1917 e a retomada pelos russos, agora soviéticos, em 1921.)





Ia sendo uma manhã intensa de coisas naquele dia de verão em Tbilisi. Eu preciso ser honesto com vocês e dizer que almocei antes de entrar no museu. O meu café da manhã havia sido apenas uma bobagem de padaria, e eu fico de mau humor quando passo fome. (“Hangry“, como se brinca em inglês, uma fusão de hungry com angry.) Vale a pena eu aproveitar pra mostrar a saborosa — e marcante — gastronomia da Geórgia.
Pra começo de conversa, aqui tudo é muito. A ideia era ter apenas um reforço do café no final da manhã, mas acabou sendo um almoço. Prepare-se para abundância, e também para bastante pão. Há toda uma cultura de padaria aqui, com quitutes de variados formatos e recheios com nomes diferentes que pouco aprendi. Faz parte da identidade georgiana.
Entrei numa bodega com jeito de adega, de salão subterrâneo, onde funcionárias risonhas conversavam entre si, e fui o único cliente a se apresentar antes do meio-dia naquela manhã. Me esbaldei.




Pronto, eu estava reenergizado para mais. Aqui, já me aproximando do coração mais turístico de Tbilisi, estava a Praça da Liberdade, elegante e com sua notável estátua dourada de São Jorge no topo de uma coluna.

Aqui ficavam as antigas muralhas da cidade. Tbilisi já tem 1500 anos de história, mas pouco restou dos tempos mais antigos. A maioria do que você vê data dos séculos mais recentes. Há ainda um resíduo da muralha, no que hoje é um restaurante, e pelas muitas ruelas desta vizinhança você encontra casas do século XIX pra cá. O que há de realmente bem mais antigo que isso ainda preservado são as igrejas que você encontra aqui. O lugar é cheio de charme.







São tantas as igrejas antigas no centro histórico de Tbilisi que é difícil especificar qual é qual. Por via das dúvidas, visite todas. São todas muito autênticas. (Só lembre de ter os joelhos e ombros cobertos. Eles aqui na Geórgia são rígidos com isso e, caso contrário, não permitem a entrada. As mulheres tradicionalmente cobrem a cabeça, mas isso nem sempre é exigido, e às vezes eles próprios fornecem um lenço pra você usar.)




Mas nem só de igrejas antigas se faz o centro da capital georgiana. Há bares, bazares, tapetes, doces e artesanias. Como eu disse, estando aqui nessa encruzilhada de civilizações, Tbilisi se fez uma cidade culturalmente muito rica. Não faltam espaços belos, simpáticos e cheios de charme.




Eu caminhava debaixo do sol quente naquela tarde e sentia falta dos bebedouros públicos com que me acostumei em Erevan, na Armênia. Acabei bebendo água de qualquer fonte que achei. (Má ideia. Crianças, não façam isso por aí.)
Era hora de atravessar o Rio Kura novamente, desta vez pela elegante e moderna Ponte da Paz, para me dirigir ao impressionante santuário da Catedral da Santíssima Trindade, a maior da Geórgia, um lugar monumental.
Lá fui eu.






O sol já queria se pôr, mas o dia ainda não havia terminado. Pelo contrário, era a hora perfeita para sair daqui e ir à Praça da Europa tomar o bondinho até a Fortaleza de Narikala, no alto da cidade, sob a luz do pôr-do-sol.


Esse bondinho você toma com o mesmo cartão usado no metrô. É super prático e não tem muita fila. Lá de cima, pude ver ao longe a imensa catedral, a Ponte da Paz com sua estrutura vidro sobre o rio, as ruínas da Fortaleza de Narikala ali ao lado, e — o que mais chama a atenção — a grande estátua prata da “Mãe Geórgia”, com uma cuia de vinho (para os amigos) numa mão e a espada na outra. Em Tbilisi você acha que já viu tudo, aí descobre que tem mais.




Foi a esta altura do campeonato que, recordo-me com infeliz clareza, ter bebido água abundante de fonte de rua começou surtir efeitos. A água me deu um “piriri” desgraçado, daquelas vontades imperiosas que vêm acompanhadas de calafrios. Desci pelas escadas o caminho lá do alto até o centro histórico de Tbilisi em cuidadosos passos curtos. Às vezes era preciso parar por completo e respirar fundo — eu não podia permitir que um final inglório estragasse este dia.
Mantive-me sereno até encontrar uma sorveteria com banheiro. Acabei-me, e placidamente retornei a uma agência de viagens ali na Rua Kote Apkhazi, ao lado da Praça da Liberdade, uma rua repleta de agências de turismo. (É onde eu recomendo que você compare preços de tours.) Fiquei onde as funcionárias eram as mais simpáticas, uma inclusive uma garota brincalhona do Afeganistão (pra quem acha que lá só tem Talibã).
Era hora de retornar (cansado mas satisfeito) ao hotel e preparar-me para no dia seguinte embarcar num tour bate-e-volta às altas Montanhas do Cáucaso, no norte do país. Estão apresentados à capital georgiana de Tbilisi. (PS: Água de fonte de rua nunca mais.)
Bom dia. Tenho um casal de amigos que moram na Geórgia. Eu moro em Teresópolis estado do Rio, Brasil. A Romênia e a Geórgia, depois de ler tudo que vc nos compartilha, está aqui na minha lista de sonhos. Obrigada por essa aventura virtual.
Muito legal saber mais sobre esse país, que até então, para mim era desconhecido.
Eu estou planejando uma viagem depois de anos de trabalho, e Geórgia/Tbilisi entrou no radar.
Mairon pelo mundo está nos favoritos, e logo vou fuxicar mais lugares.
Parabéns!
Muito obrigado, Paulo! Eu fico contente em tê-lo inspirado sobre Tbilisi. Seja muito bem-vindo!