Tbilisi tem atraído um número crescente de turistas à Geórgia, junto com as Montanhas do Cáucaso e suas paisagens. Não é pra menos: as vistas montanhosas são lindas, e a capital georgiana é charmosa como poucas, cheia de atrações, boa gastronomia, e em conta.
Já Kutaisi é uma história diferente. Nesta que é a segunda maior cidade da Geórgia, o turismo pouco chegou. As pessoas a têm basicamente como ponto de passagem, seja rumo às montanhas deste oeste do país, ou por aqui ser o aeroporto mais usado pelas aerolinhas de baixo custo voando para a Europa (tomem nota).
Eu vim a Kutaisi por uma questão orçamentária, por haver voos baratos e diretos à minha querida Budapeste, e também para conhecer algo do que é a Geórgia fora do seu núcleo turístico. Acompanhem este meu final de estadia aqui.



Esta é a Geórgia “normal”, do dia-dia, que a propaganda turística não mostra, mas que você inevitavelmente encontrará se vier aqui.
Para se ir de Tbilisi a Kutaisi, um trajeto de 3,5h, a forma mais simples é tomar uma van (marshrutka, o nome russo que eles usam aqui, caso você precise perguntar). Não há reservas antecipadas, e tudo é em dinheiro. O preço habitual são 10 lari (GEL).
Na Geórgia impera a informalidade, um tanto como na Armênia. Se você acha o Brasil muito informal, precisa recalibrar seus parâmetros aqui. Aqui até sinal de trânsito é corriqueiramente visto como mera sugestão, quiçá um burocracia excessiva, então cuidado ao atravessar as ruas.
Paguei ao motorista e fui comer um kebab numa birosca próxima, onde um ventilador de chão descapado, só na hélice, rodava enquanto dois homens azeris (do Azerbaijão) fritavam coisas. Como de costume aqui no Cáucaso, mais uma vez acharam que eu era iraniano. Era daquelas biroscas de periferia onde o suor pelo calor parece que vai pingar na comida. Despedi-me dos camaradas e fui relocalizar minha van.




Kutaisi tem duas áreas bem distintas. Uma é o centro histórico, pequeno mas com algum charme e atmosfera de cidade do interior. A outra são as vizinhanças da rodoviária, a uns 4Km do centro, com eixo na Av. Chavchavadze e atmosfera de subúrbio. Foi nesta última que eu me instalei.
O meu era um das dezenas de albergues baratos que há na Geórgia. O cidadão que tem uma casa vazia compra umas camas, um ventilador de chão, e pronto, abre o albergue. Por 4 euros você passa uma noite em dormitório aqui — mais barato até que no Sudeste Asiático. Mas, claro, não espere grande coisa.
Meu anfitrião foi um sujeito esquisito, com ar de Quasímodo, aquela cara meio torta do Corcunda de Notre-Dame. Fumava dentro do albergue apesar do aviso de não fumar que ele próprio colocou, e não parava de (tentar) jogar charme pra cima de uma garota russa — que, confesso, era perturbadoramente atraente — no meu dormitório de 10 camas. Ficava da porta sorrindo e puxando conversa, que ela respondia com voz de boneca.
Os homens georgianos são meio turrões, os coroas com aquela pose de papai-sabe-tudo e os jovens com aquele pavoneio habitual dos homens tradicionais mui machos desta região, com suas camisas de botões e de mangas compridas bem justas ao corpo. Já as mulheres georgianas têm um breve (e saudável) descaramento picante no olhar. Tudo aqui é muito raiz.


Kutaisi parece uma cidade do interior no Brasil, só que sem o ocasional shopping de médio porte ou hipermercado. Em vez disso, tem o centro histórico melhor preservado que a maioria dos brasileiros. Eu, no dia seguinte à minha chegada, caminharia até lá.
Passei por vendedores de verduras na calçada, por casas com jardins de flores, por outras precisando de uma reforma, e por praças arborizadas como as brasileiras — só que com menos mendigos e ladrões —, e por camelôs vendendo produtos chineses, como no Brasil. Já no centro histórico, com suas casas neoclássicas, você lembra que está na Europa.




Essa parte mais histórica de Kutaisi é bem pequena, você a vê em 1h, mas tem sua elegância. Há praças com monumentos, prédios belos assim burgueses, e praças tranquilas e bem arborizadas (como eram as do Brasil antes de estas terem se metamorfoseado em pontos de ônibus).





A maioria das pessoas que vêm à Kutaisi não o fazem por Kutaisi, mas para visitar alguns dos mosteiros ou cataratas próximas — ou simplesmente de passagem para o aeroporto daqui. Na cidade propriamente dita, afora esse breve centrinho simpático, acho que o ponto mais bonito é a Catedral de Bagrati, um pouquinho afastada mas que vale a caminhada de 30 min do centro até lá.

Essa catedral foi originalmente construída no século XI pelo rei georgiano Bagrat III, daí seu nome. Ela, no entanto, foi destruída e reconstruída ao longo dos séculos, sobretudo após ser explodida pelos turcos otomanos quando estes invadiram e conquistaram a Geórgia em 1692. A presente restauração se concluiu em 2012.





E assim, nesse bordejo simples, passou o meu dia em Kutaisi. O almoço foram uns legumes temperados no creme de leite na venda de umas tias tranquilas; comprei um vinho georgiano pra dar de presente a uns amigos; e o jantar eu nem me lembro o que foi. As atrações fora da cidade ficaram para uma outra futura visita à Geórgia. Era hora de singrar outros mares.
Retornando ao albergue, conheci ainda um quarteto de checos. As duas moças, Sara e Karolína, aconteciam de ter o mesmo voo que eu na madrugada do dia seguinte, e às 3:30h da manhã estávamos lá os três de mochilas na avenida vazia a esperar o transporte para o aeroporto. As dicas práticas vêm a seguir. Por ora, até a próxima, Geórgia. Até a próxima, Cáucaso.