Está aí algo que — eu tenho certeza — provavelmente nem os que mais gostam de viajar na imaginação se detiveram para imaginar: comida butanesa.
Eu, quando vim ao Butão, imaginava encontrar uma culinária asiática genérica: arroz com legumes fervidos, talvez com algum tempero inspirado na China ou na vizinha Índia… Juro que não esperei as excentricidades curiosas com que me deparei. Claro que “excentricidade” do meu ponto de vista, pois aos butaneses esse é o normal de cada dia.
Experimentei tanta coisa sui generis aqui no Butão que resolvi fazer um post dedicado ao tema. Na capital Thimpu, que vos mostrei no post anterior, um passeio pelo mercadão já deveria revelar-lhe o que encontraria sobre a mesa, não fosse o temor dos hotéis e restaurantes turísticos de que os visitantes não apreciariam — ou não aguentariam — a culinária local. (Falta-lhes o que eu chamo, com a sua permissão para o meu uso do francês, de “colhões culturais”, coisa que no Brasil nós temos, como os indianos e chineses também têm, mas que muitas vezes faltam a países pequenos ou mais pobres, que temem desagradar o turista.)
Precisei pedir a Thinley, o meu guia, que começasse a me levar a lugares de comida autêntica butanesa, e não mais daquela coisa genérica e culturalmente insípida dos hotéis. Eis o que encontrei:



Comecemos pelo começo. Os butaneses bebem muito chá, e não apenas chá preto ou verde, mas também chá de amla (Phyllanthus emblica), conhecida às vezes como “groselha indiana” e que está caindo nas graças dos ocidentais por suas propriedades medicinais ayurvédicas.

Mas o que é normalmente servido no início das refeições é o chá de manteiga (butter tea), uma bebida curiosa, salgada e com gosto de manteiga de pipoca. Eu disse a Thinley, o meu guia, que parecia mais uma sopa. Ele riu.
Usa-se uma folha escura (que no caso do Butão, segundo me disseram aqui, é de outra planta que não a habitual de chá), tradicionalmente manteiga de iaque (aqueles bovinos peludos que vivem nas montanhas aqui da Ásia), e sal. Não vou dizer que é ruim, mas também não é o tipo de coisa que eu tomaria todo dia. Valeu pela experiência.

Para a refeição propriamente dita, é comum que haja arroz (estamos na Ásia), comumente o “arroz vermelho”, legumes, cogumelos, e muita coisa refogada com queijo derretido: batatas com queijo, ovos com queijo, até o prato mais característico do país, pimentas com queijo. Eu nunca imaginei encontrar tanto queijo numa culinária asiática.
Se você está a se perguntar “qual tipo de queijo”, saiba que a mesma pergunta me ocorreu. Ao que Thinley respondeu: “A gente usa aquele queijo do pacote“. Obrigado, Thinley. O sabor é daquele queijo processado que vêm nos envelopes plásticos e muito usado em sanduíches de redes fast food, às vezes sob o nome de “queijo suíço” (embora não o seja). É um gosto genérico de pipoca microondas “sabor queijo”.

É gostoso? É. Fica uma delícia. Deu vontade de fazer igual em casa. (Agora, se você tiver alguma intolerância à lactose, prepare-se para as consequências.)
O carro-chefe da culinária butanesa, portanto, não seria outro que não pimenta com queijo (chilli with cheese). Os loucos cozinham pimentas inteiras num molho de queijo. Não sei quem inventou isso aqui, já que as pimentas são nativas das Américas, mas sei que eles adotaram e comem isso com um gosto imenso. É muito saboroso, mas as pimentas são potentes, e eu recomendo apenas para os mais fortes.


As pimentas e o queijo estão em todas, para o assombro dos turistas europeus não-habituados ao ardor. Tomei também sopa de cogumelos da montanha, e pelo bafafá da outra mesa eu soube que há carne de porco e de frango bem gordurosas — peça por sua própria conta e risco. Só o que você jamais encontra é salada, pois na China e em algumas outras partes da Ásia, comer comida crua é há séculos considerado coisa de gente selvagem, incivilizada, que não cozinha antes de comer.
Para “rebater”, nada como uma pinga feita de arroz, semelhante ao sake japonês ou ao soju coreano, que me serviram na cumbuca no Museu de Herança Popular.

Para os entusiastas da alimentação, vale uma volta no mercadão de Thimpu (ou de alguma das outras cidades butanesas). Este da capital tem dois andares: um inteiramente dedicado aos produtos locais, do próprio Butão, e outro para produtos importados (quase sempre importados da Índia). Ainda que haja às vezes das mesmas coisas, é proibido misturá-las. Uma forma de permitir às pessoas escolher os produtos da própria região.





Para ir terminando, vamos ao curioso “viagra dos Himalaias” — mais inusitado que quaisquer das coisas acima referidas. Chama-se yarsagumba, e literalmente vale mais que ouro no mercado.
Trata-se de um fungo parasita que cresce numa larva de mariposa, somente acima dos 3.000m de altitude. Ele cresce na cabeça da larva e toma o controle, levando-a do subterrâneo à superfície, onde o fungo pode então crescer e se reproduzir. É bizarro — especialmente que façam o pó disso e que 100g custem mais de 10.000 dólares, devido aos seus efeitos afrodisíacos e, dizem, comparáveis aos do viagra.


A febre por esse produto, sobretudo dos chineses agora endinheirados e fissurados por medicina tradicional, tem levado a uma coleta excessiva nas comunidades himalaias, que junto com os efeitos da mudança climática (mais forte nas altitudes elevadas) podem fazer as espécies desaparecerem por completo num futuro próximo.
Pois bem, não experimentei disso aí, mas o Butão seguiu me fascinando com suas curiosidades, inclusas as gastronômicas.
Quando achei que já tinha visto de tudo, numa noite na simpática cidade de Paro, ainda experimentei mingau de arroz com gengibre e pimenta de Sichuan, vendido em carrinhos na rua. Delicioso! Adorável também a cidadezinha de Paro, aonde eu iria após a capital Thimpu. Mas eu aí eu ainda conto a vocês o que eu vi até chegar lá.

Misericórdia….que horror, pimentas a roldo, larvas de mariposa, fungos caréssimos haha Jesus.Deus me livre. hahaha Dai só gostei do arroz, batatas, queijo ovos e berinjelas. .e com pouca pimenta. Achei interessante o arroz torrado de tira-gosto;
Gostei da mesa, dos tons fortes, das belas almofadas e da tigela de madeira. Interessante. O chá de manteiga pode ser gostoso.