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Equador

Um mês em Quito, Equador: Vivências e lugares no primeiro centro histórico do mundo tombado pela UNESCO

Feo es morir sin haber amado

Eu não quero morrer jovem“, disse eu, jocoso, quando estávamos prestes a cruzar uma ponte bem elevada na longa estrada do aeroporto até Quito, no Equador. “Feio é morrer sem ter amado“, respondeu-me tranquilo o meu poético taxista. Esse não seria mais o meu caso, felizmente.

De todo modo, a ponte nos sustentou, e depois de 1h de estradas e engarrafamentos nós chegamos a Quito, talvez a mais singela das capitais sul-americanas.

Quito foi o primeiro patrimônio cultural a ser identificado e tombado pela UNESCO em todo o mundo, em 1978. Seu belíssimo centro histórico colonial é o número 002 no registro geral dessa organização, após apenas Galápagos, um patrimônio natural, ilhas que hoje pertencem ao Equador.

Deixem-me mostrar algo dele a vocês antes de prosseguir.

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A Plaza de La Independencia de Quito, sua praça principal no centro histórico. Também conhecida como Plaza Grande. Como habitual na América Latina, ela tem de um lado catedral e do outro o Palácio de Governo.
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Uma das muitas igrejas coloniais no bem conservado centro histórico de Quito.
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La Ronda, uma comprida e estreita rua que era o limite do centro histórico de Quito nos tempos de colônia, onde a guarda da cidade fazia a ronda.

Me encanta

Isso me disse certa vez Sandra, ainda com a cara de sono, sobre o seu hábito de dormir até tarde. Simpática e pequena moça de seus trinta e poucos anos, ela era a dona principal do hostel onde me hospedei. Sua sócia, a outra dona, era Mishelle (com S mesmo, pois che em espanhol tem som de Che Guevara). Com elas eu ficaria por um mês em Quito.

Quito é uma das poucas cidades do mundo onde eu moraria por mais tempo. A 2.850m de altitude, estamos falando de um ar rarefeito, mas limpo. Seu entorno é de montanhas da Cordilheira dos Andes, com o vulcão (ativo) Pichincha logo ali e outros mais adiante. Apesar disso, é um lugar encantador. Seu clima é ameno, de montanha, e nunca faz muito calor apesar de estarmos bem na linha do equador — como o nome do país indica.

Eu ao longo da minha estadia — a trabalho — visitaria suas igrejas coloniais, museus históricos públicos e gratuitos, e conhecia algo da simpática cultura andina e sua gente.

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Esta é a Igreja de São Francisco, terminada em 1680. Já havia aqui um convento, no entanto, desde 1537 com a colonização espanhola do lugar. (O nome completo desta cidade é San Francisco de Quito.)
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O belo interior da Igreja de São Francisco em Quito.
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Eu não sei porque insistiam em consagrar São Francisco, um homem que abraçou a pobreza e humildade, com tanto ouro. Mas é esplendoroso como poucas igrejas que eu vi.
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Havia um casamento sendo preparando nesta igreja quando eu a visitei.
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Esta é a chamada Iglesia de La Compañía, uma igreja jesuíta com ainda mais ouro que a de São Francisco (mas fotografar no interior é proibido). Os jesuítas chegaram a estas terras em 1568 (algo depois da chegada deles ao Brasil, em 1549 com a fundação de Salvador). O principal dessa obra aqui em Quito é dos idos de 1600.
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A Basilica de Nuestra Señora de La Merced, de 1747.
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O Palácio de Governo, na praça principal (a Plaza de la Independencia).
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Na casa colonial que hoje é o (gratuito, mas requer mostrar seu passaporte) Museo Casa de Sucre. Nesta casa viveu o marechal venezuelano Antonio José de Sucre, um dos heróis das guerras de independência sul-americanas contra a Espanha. Mais jovem, ele era um dos aliados do líder independentista Simón Bolívar. A independência nestas terras foi obtida em 1822 como Gran Colombia, um país que incluía o que são hoje Colômbia, Venezuela, Panamá, Equador, e parte do Peru. O Equador se se separou do restante em 1830.
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Na casa do Seu Sucre. Perceba seu estilo colonial, com seu jardim interno com uma fonte e o avarandado ao redor, estilo inspirado no casario árabe-mouro da Idade Média, que por sua vez foi inspirado nos átrios romanos do Mediterrâneo antigo.
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Casarão colonial na Plaza de la Independencia, hoje transformado em galeria comercial com muitas lojas de souvenirs, restaurantes e praça de alimentação.
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Tomando um café e comendo higos con queso [figos com queijo] na Plaza de la Independencia. Essa é uma iguaria equatoriana que eu recomendo. Pode parecer a princípio uma combinação estranha, mas é uma delícia!
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A Igreja El Sagrario, do século XVII, a parte escura, aderida à catedral, a parte branca.
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No interior, diante de um altar a N.S. de Guadalupe. Ela é bastante venerada em toda a América Latina que fala espanhol, embora seja mexicana. (Eu relatei a minha visita à sua basílica no México aqui.)

Usted también es inca

Certa vez, caminhando por essas estreitas ruas do histórico centro de Quito, presenciei um protesto — não me lembro se de professores ou qual categoria — contra o governo. Embora tenha feito avanços em desenvolvimento econômico e n’algumas políticas sociais importantes, o governo tem desagradado a muitos equatorianos, inclusos profissionais de educação e grupos indígenas.

Os protestos de rua no Equador são notórios por seus confrontos. A polícia já carrega escudos semi-transparentes com os dizeres: “Sou policial, e pai“, “Sou policial, e filho“, e coisas assim para sensibilizar quem estiver do outro lado (embora às vezes esqueçam que quem está do outro lado também muitas vezes é pai ou filho — sem escudo — e desçam a pancada.) Na verdade, a polícia equatoriana, ostensiva, por vezes prendeu até fotógrafos estrangeiros. Eu, sabendo disso, fiquei atento.

Foi aí que vi um indigente bêbado chegar a uma brigada policial e vociferar “Você também é inca!” na cara de um policial, em queixa à conhecida repressão aos movimentos sociais e indígenas no Equador. O guarda, quase impassível, disse ao bêbado que saísse dali. 

Na minha opinião, uma das maiores falácias do nosso tempo é dizer que todos os latino-americanos são preguiçosos e não se importam com cidadania. Gente descomprometida há em todo lugar, mas não se há de generalizar. (Em plena Holanda, esse lugar desenvolvido no seio da Europa, eu certa vez vi uma mesma praça dividindo espaço entre um minúsculo grupo fazendo um protesto civil e um outro grupo enorme, que não estava aí nem estava chegando, num evento de “guerra de travesseiro”, no qual eu estava. Prioridades.)

O que ocorre é que a Europa tem em maior medida instituições justas e que funcionam. A América Latina, não. A América Latina tem dos maiores e mais engajados movimentos civis do mundo, mas acontece que somos muito mal representados. As nossas instituições estão capturadas — desde os tempos de colônia — por indivíduos e pequenos grupos que levam uma vida nababesca e só querem saber do próprio bolso. Enquanto empresários e políticos fazem a farra lá em cima, a maioria das pessoas pouco participa das riquezas do continente.

No caso do Equador, a grande maioria da população, de pele morena e feições indígenas, segue na parte de baixo da escala econômica desde que os incas foram subjugados — e, em grande medida, escravizados — pelo império espanhol. Você ainda os vê por toda parte; eles são efetivamente o grosso da população do Equador. Há até mesmo muitos que seguem falando quíchua, a principal língua dos incas. (Falei mais sobre os incas aqui e aqui, em viagem ao Peru, mas aqui no vizinho Equador a ascendência é praticamente a mesma.)

Quitu era precisamente o nome do povo que vivia aqui desde 500 d.C., e que mais tarde foram absorvidos pelos incas.

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Senhora com uma criança vendendo legumes numa esquina do centro de Quito.
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Garotinhas equatorianas ainda no uniforme da escola.
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Diante da Catedral de Quito num fim de tarde. (Veja as caras.)
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Nas ruelas cheias de sobes e desces no centro histórico de Quito. (Prepare as pernas.)
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Sim, estamos na América Latina, e há alguns bairros com ares de favela lá nos morros. É preciso ser cuidadoso, mas via de regra achei o Equador um pouco menos perigoso que o Brasil.
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Lá naquele alto está o Panecillo, com a que dizem ser a única virgem alada do mundo: uma mistura de Maria com anjo. Se subir a pé, fique atento pois o bairro lá não é dos mais seguros. Nada comparado às favelas do Rio de Janeiro; aqui eu conheci muita gente, incluso mulheres sozinhas, que subiram sem problemas, mas vale ficar de olho.

Aquí somos todos colombianos

Quito acontece de ser um lugar maravilhoso para quem é vegetariano, por alguma razão que eu desconheço. Um dos meus lugares favoritos aonde ir jantar era um dos restaurantes Hare Krishna da cidade, repleto de belas equatorianas de feições incas e nomes indianos.

Não utilizamos mais os nossos nomes civis“, explicou-me uma simpática enquanto me mirava. Eu havia virado freguês do lugar nestas noites equatorianas.

O líder era um senhor idoso, de filosofia indiana e humor latino, com uma trança de cabelos brancos e piadas prontas. Certa vez, quando já restávamos apenas eu e os Hare Krishna, chegou-nos à porta uma distinta senhora com o aspecto ilustre de uma personagem de novela mexicana. Buscava, ao que parecia, antigos donos daquele espaço, uns colombianos. Foi ao que o velho replicou que ali éramos todos colombianos, eu incluso.

A distinta senhora tomou um ar de ofendida e foi embora. Eu segui para fazer a ronda em La Ronda, que ganha vida à noite, e com a qual deixo vocês por ora. Eu volto com outros aspectos de Quito no post seguinte.

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A rua La Ronda, no centro histórico de Quito, à noite.
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Músicos de rua e muito movimento.

As experiências no Equador continuam.

Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

One thought on “Um mês em Quito, Equador: Vivências e lugares no primeiro centro histórico do mundo tombado pela UNESCO

  1. Ihhhhh; Lindinha a cidade. Gostei. Gosto muito das cidades da Cordilheira. Ela tem algo parecido com la Paz. Belo centro Histórico. Acho bem bonitas essas construções coloniais e barrocas, algumas. Lindas igrejas e Palácio. Tem algo a ver com Cusco também, no Peru. As ruelinhas são lindinhas. As ladeiras é que fazem medo. Em La Paz também são assim. Gosto também dos coloridos fortes das casas.
    O senhor está ótimo com café higos e quesos hahah
    Amo esses pátios internos. Muito bonitos e charmosos. Muito bonita a casa de Sucre. Bem conhecido na Independência dos países de Latinoamerica.
    Esse mal hábito de encher de ouro as igrejas é um horror e lembram a fase em que Roma mandava e desmandava no mundo ocidental e em particular nas terras conquistadas durante as grandes Navegações.
    Gostei da apresentação. Espero que a estada tenha sido boa.

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