Eis ali no seu cavalo, diante da Catedral de São Miguel Arcanjo, o rei húngaro Matthias Corvinus (1443-1490). Estamos hoje, todavia, na Romênia, numa das cidades de nome mais curioso aonde já fui, Cluj-Napoca — lê-se como se escreve.
Cluj, como é mais comumente chamada, foi a capital do Grande Principado da Transilvânia, uma entidade sob a coroa húngara e, mais tarde, austríaca. A cidade, como o restante da região, até hoje guardam aromas e vistas típicas da Europa Central, ainda que a Romênia não faça parte dessa região. Hoje, ela é a segunda maior cidade do país, após a capital Bucareste.




Nos velhos trens em que eu cruzava a Transilvânia, a lembrança de que a Romênia ainda é um país pobre — embora seja europeu e participe da União Europeia desde 2007. Ela permanece fora da Zona Schengen de fronteiras abertas, e continua a ser tratada como uma das “primas pobres” na Europa. Seus trens vão devagar, a 60Km/h em média, entrecortando pouco a pouco as colinas que caracterizam a alta elevação daqui.
É pitoresco, embora requeira paciência, como comentei no meu post anterior sobre trens na Romênia. Subindo e descendo o corredor na lateral dos vagões, ia um homem de braços musculosos e veias saltadas de carregar peso, levando consigo duas grandes sacolas de lanches à venda aos passageiros. Com seus chapéus estilo Francisco José imperador da Áustria, condutores passam a checar os passageiros pelos bilhetes de trem, num misto anacrônico de vestimentas tradicionais e pobrezas modernas.
Embora a Romênia não se considere mais “Europa Central”, suas regiões centrais — por entre as montanhas dos Cárpatos — pertenciam ao Império Austro-Húngaro. Ainda hoje há milhões de húngaros que vivem aqui, e cidades onde o húngaro é a língua corriqueira. O mesmo se dá com o alemão, trazido por imigrantes saxões na Idade Média trazidos pelos reis húngaros interessados nos artífices, ferreiros, e em outras profissões medievais que prosperavam nos principados germânicos mais a oeste.
As muitas bandeiras romenas defronte às casas hoje celebram os 100 anos da República da Romênia, fundada em 1918 no desfecho da Primeira Guerra Mundial (e com a aquisição destes territórios tomados do derrotado Império Austro-Húngaro). Sinais de nacionalismo — um aviso às minorias étnicas alemãs e húngaras de que elas agora estão na Romênia. Coisas controversas, numa terra onde as coisas nem sempre são o que parecem.

Na mesma linha férrea IR 1745 que tomei entre Brasov e Sighisoara, segui para Cluj. “Napoca“, nome de povoamento do tempo dos antigos romanos, foi adicionado somente em 1974 pelas autoridades comunistas num gesto nacionalista de reclamar para os romenos as origens de Cluj. Ela hoje tem fama de cidade estudantil vibrante aqui na Romênia. No trem, vi exatamente o mesmo vendedor que alguns dias antes circulava com suas veias saltadas e lanches à venda, que poucos ou ninguém parecia comprar.
O sol à tarde finalmente deu as caras após dias sem eu o ver, nas brumas de Sighisoara. Brilhou por um instante, alguns minutos, e logo escondeu-se por trás das colinas. Campos vastos parecendo em pousio estavam semi-cobertos de neve, partes brancas mescladas em mosaico com partes de um verde-escuro de capim molhado.

Sentados diante de mim, um jovem e simpático casal romeno de seus vinte e tantos anos acariciavam-se um ao outro. Mais adiante, um mudo empolgadíssimo — daquele jeito cheio de energia e gesticuloso que só os mudos conseguem ter — “conversava” animado com pessoas que tentavam adivinhar o que ele dizia com mímicas, como numa longa partida de Imagem & Ação.
Com a mesma técnica dos transportes coletivos brasileiros, um vendedor passava deixando mercadorias nos colos dos passageiros para recolher depois no caminho de volta ou vender a quem quisesse: capa de celular, caixinhas de Band-Aid, e até uma pequenina lâmpada de cabeceira. Tudo era prontamente recolhido na sacola quando ele retornava pegando tudo outra vez.
Conforme aproximávamos-nos de Cluj, as planícies me pareciam mais nevadas, mais brancas. As árvores secas do inverno bloqueavam-me a vista, plantadas à beira da ferrovia. Para além delas, algumas casas isoladas, de madeira, com ar pitoresco mas também algo pobre, precário, que evita que lhe desperte a vontade de morar ali.
Em Cluj eu acabei hospedado diante de um cemitério. Nada mais transilvânico, diriam alguns. Claudia, a loira mulher dona do estabelecimento familiar, fingiu que não mas tomou ofensa quando eu lhe perguntei se ela era alemã. Sua longa resposta descreveu como toda a família era romena há gerações, “exceto por um bisavô húngaro” que talvez explicasse seus olhos claros. Da próxima vez eu tomo mais cuidado com as perguntas.

Lá ao longe no meio da foto você pode divisar uma igreja. A religião é, ainda hoje, um marco de divisão entre os romenos-romenos e os romenos-húngaros ou romenos-germânicos. O primeiro é a cidadania no papel; o segundo, a língua que se fala em casa e identificação étnica da pessoa. Aqui na Europa as coisas são assim.
Enquanto que os húngaros e germânicos daqui tendem a ser católicos romanos, filiação religiosa do antigo Império Austro-Húngaro, os romenos costumam ser ortodoxos, a mesma religião dos russos, búlgaros, gregos, e dos outros povos do leste da Europa. Não se surpreenda se sempre encontrar duas catedrais nestas cidades, uma católica e outra, ortodoxa.
A Catedral de São Miguel Arcanjo, mostrada no início da postagem, é a católica romana. Fica na praça central da cidade, a Piata Unirii (“Praça da União”, para este mui unido país). Sua edificação gótica data do século XIV, quando esta cidade de Koloszvár era parte do Reino da Hungria. Já os germânicos chamam Cluj de Klausenburg. (Percebam como a base do nome, contudo, é sempre a mesma. A terminação burg indicando cidade em alemão, e vár indicando fortaleza em húngaro.)
No caminho, deparei-me também com a Igreja Franciscana, ainda mais antiga, esta originalmente do século XIII. Ela hoje está toda decorada com detalhes barrocos no interior. Fica na simpática Praça do Museu (Piata Muzeului), que recebe esse nome pela presença ali do Museu Histórico da Transilvânia. Cluj, e não outra, era a cidade mais importante e capital informal dessa histórica região.






A missa estava em húngaro. Quando entramos por entre as portas góticas, um padre no interior celebrava a meia igreja — o restante tomado por andaimes e obras. Eu nem lembrava que era domingo.
Como reza a boa tradição dominical em muito da Europa, depois dos louvores no domingo de manhã se vai a um bom café & prosa. Avistei dali, na mesma praça, uma “cofetaria” — que eu erroneamente julguei ser cafeteria, mas era confeitaria. Servia café assim mesmo, então valeu. Como o meu húngaro é melhor que o meu romeno, usei-o para pedir umas xícaras e bolo após ver a funcionária do caixa falar com uma cliente nesta que, segundo Chico Buarque no seu romance Budapeste, é a única língua do mundo que o diabo respeita. Que escolha mais dominical para depois da missa.
Funcionou. A simpática moça do caixa ainda sorriu para mim e me ajudou nas minhas palavras de húngaro quebrado. Két kávét kérek, duas xícaras de café por favor. As pessoas aqui parecem falar pouco inglês, e eu próprio gosto de usar as línguas locais sempre que possível. A esta altura, eu já perdi o medo de me constranger falando errado (um dos segredos pra aprender línguas).
O bolo estava horrível, mal-feito, açúcar puro, embora o café estivesse bom. De repente, naqueles embalos mansos de domingo de manhã quando eu saboreava o meu café em Cluj, começou a tocar relativamente alto na “cofetaria” La Bouche — Be my Lover, com aquele inconfundível início pausado: Larara-rirará-rará. E eu achei que a “cofetaria” fosse repentinamente se transformar numa versão transilvânica dos famosos “cafés con piernas” chilenos, onde dizem às vezes cerrarem as portas para exibições femininas mais ousadas aos clientes. Mas não: as senhoras húngaras continuavam a bebericar seus cafés com doce após a missa. Era simplesmente algum funcionário empolgado ou nostálgico com canções disco dos anos 80/90, que continuaram a tocar em alto e bom som para a aparente indiferença geral.
Levantei-me dali, a descer o belo bulevar relativamente vazio nesta Cluj estudantil em período de férias. Mais adiante, encontrei a praça da catedral ortodoxa, uma vasta praça retangular com o teatro barroco da cidade, monumentos, bandeiras, e a redonda catedral neobizantina. Os romenos, em sua maioria, são cristãos ortodoxos, que seguem a teologia cristã grega de Constantinopla, não a católica de Roma.



E assim eu experimentava algo da Transilvânia atual e histórica para além da sua mais conhecida faceta vampírica, que eu já abordei no post anterior em Sighisoara.
Só falta relatar que havia ainda uma feirinha de Natal na cidade. Embora a data já tivesse ficado para trás, o desejo de tomar vinho quente e comer coisas típicas, não. Na Romênia, as feirinhas em geral se estendem ao menos até o fim de dezembro, quando não até 6 de janeiro. Vale a pena levar isso em conta quando planejar suas viagens.





Faltava ainda um dia do ano, e a minha direção agora era Sibiu, talvez a mais popular de todas as cidades da Transilvânia. Ali eu havia escolhido passar o meu réveillon desta vez. A seguir.

Uaaauuu. Que cidade bonita e desenvolvida. Belíssima arquitetura. Apesar de antiga tem ares modernos, Belas e largas avenidas , arquitetura charmosa, tons agradáveis aos olhos, lindo calçadão, belas igrejas e essa fantástica Catedral ortodoxa, alem de rios e pontes. Parece ser bem movimentada durante a época das aulas. E as feirinhas de Natal são mesmo um encanto com suas luzes, produtos típicos, castanhas, quentão. Lindamente iluminadas as ruas, Uma beleza, Que maravilha essa Romênia. Uma surpresa a mais. Achava que a Romênia era pouca cidade e muita floresta e campos de criação.
Ótima postagem. Gostei dessa região. e desta cidade. Vamos que vamos. Conhecer é preciso.