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China

Visitando Macau e o legado português na China

Macau no mapa da China
Localização de Macau no sudeste chinês. Assim como Hong Kong, ela é uma das Regiões Administrativas Especiais da China.

O calçamento e as construções portuguesas aqui se misturam ao vermelho e à gente chinesa. Macau é um lugar único — a primeira e a última colônia europeia no leste asiático.

Estamos no sudeste da China, onde em 1513 aportou o português Jorge Álvares. Ele teria sido o primeiro europeu a chegar à China por via marítima, pelo que se tem registro. Em 1557, Portugal obteria da Dinastia Ming o direito de fixar um entreposto comercial permanente aqui na foz do Rio Pérola: Macau. Essa foi a primeira de todas as colônias europeias no leste asiático — séculos antes de Hong Kong, que só seria cedida aos britânicos em 1841 —, e também seria a última. Em 1999, dois anos após a devolução de Hong Kong, também Macau seria devolvida à China, após 442 anos de controle português.

E como é Macau hoje? Foi o que eu vim conhecer pessoalmente. Venham comigo.

Mapa de Macau nas rotas
Mapa das rotas de navegação portuguesa no século XVI.

Vir a Macau é simples, se você já estiver na região. No post anterior eu mostrei como vir facilmente de ferry de Hong Kong para cá. Além disso, o próprio aeroporto internacional de Macau tem recebido número crescente de voos. Brasileiros ou portugueses podem permanecer até 90 dias como turistas sem precisar de visto.

Quando eu cheguei, era época festiva do Ano Novo Chinês — muitos chineses de férias, o que significa muitos turistas. (Aliás, aqui na Ásia, esteja sempre preparado para largas quantidades de gente na rua.) Éramos muitos pisando naquelas calçadas de pedra portuguesa que em muito me lembravam o Brasil. Largo do Senado, Igreja da Sé, Paço Episcopal… são muitas as localidades em Macau que fazem você pensar que está em Portugal, ou no Brasil.

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A prefeitura de Macau, em claro estilo português, e enfeitada com lampiões vermelhos chineses.
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O mesmo vale para a Santa Casa da Misericórdia.
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O Largo do Senado, como seu típico casario e calçamento portugueses, é o coração do centro histórico de Macau. Aqui ele estava enfeitado para as festividades do Ano Novo Chinês.

Desembarcando com o ferry no Terminal Marítimo do Porto Exterior (Outer Harbour), você precisa tomar o ônibus n.3 e saltar em Almeida Ribeiro para chegar ao centro histórico — ou caminhar cerca de 1h.

Os macauenses falam português? Não. Não espere conversar com ninguém aqui em português, embora muitos o estudem na escola e arranhem umas palavrinhas. O estudo do português já não é mais obrigatório, e muito da população em Macau hoje vem de outras partes da China. Ainda assim, por lei você verá a língua de Camões escrita em todas as sinalizações, assim como nos anúncios de parada de ônibus. É engraçado ver, em plena China, ônibus indo para “Terminal/Barra” ou “Rotunda da Concórdia”.

Macau usa a sua própria moeda, a pataca (abreviada como MOP), fixada em 1 MOP = 0,97 HKD (dólar de Hong Kong). Na prática, todo mundo aqui aceita HKD e será cortês o bastante para retornar-lhe troco em HKD, se você lhes pagar nessa moeda (e se tiverem). Evite ir embora daqui com patacas no bolso, pois a recíproca não é verdadeira e você em Hong Kong terá que ir trocá-las em casa de câmbio. Qualquer ônibus aqui custa 6 patacas, e é naquele esquema em que você põe o dinheiro uma caixinha metálica e o motorista não lhe dá troco.

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Sinalização trilíngue em Macau. Alguns outros, porém, estão apenas em cantonês e português.

Quando desembarquei na Av. de Almeida Ribeiro, entre a prefeitura e o Largo do Senado, logo diante de mim vi um par de chinesas a vender pastéis de nata portugueses. Ou, como eles às vezes são chamados aqui: Macau egg tart. Tratei logo de comprar um, quentinho.

Os pastéis de nata aqui parecem mais um pudim de leite por cima da massa. São bonzinhos — melhores do que os que o Habib’s servia no Brasil e melhores que alguns encontráveis pelo aeroporto de Lisboa —, mas não se comparam aos de boas padarias portuguesas nem aos de Belém. (Você os encontra em Hong Kong também, mas por 20 HKD cada, enquanto que em Macau é 10 MOP em qualquer lugar.)

Daqui, agora brevemente abastecido, eu iria circular pelo centro a conhecer — como numa cidade portuguesa — o seu legado histórico e artístico em igrejas e prédios públicos de época.

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Chinesas a vender pastéis de nata em Macau.
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Os pastéis de nata de Macau quebram o galho. Não serão os melhores da sua vida, nem os piores. Como Portugal está longe, vale a pena experimentar pelo menos um para tentar matar a saudade.

Todo o entorno do Largo do Senado merece um belo bordejo.

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O Instituto para os Assuntos Municipais, que eu estou aqui informalmente chamando de prefeitura.
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Por detrás das decorações chinesas para o Ano do Porco, notem os azulejos portugueses neste interior do Instituto para os Assuntos Municipais em Macau.
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Acesso decorado para um simpático pátio dos fundos no prédio municipal.
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Pátio dos fundos, com arquitetura portuguesa e decorações de flores para o Ano Novo Chinês.
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Não longe dali, é possível encontrar diversas fontes públicas decoradas com azulejos, do tempo da colonização portuguesa.
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A praça da catedral, mais conhecida como Igreja da Sé. (Quer algo mais típico português que isso?). Essa igreja de pedra foi consagrada em 1850, substituindo uma igreja de madeira mais antiga dos idos de 1600.
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O interior da Igreja da Sé em Macau.

Após a vinda do explorador Jorge Álvares em 1513 e o estabelecimento de um entreposto comercial permanente negociado com os chineses da Dinastia Ming em 1557, Portugal logo tratou de estabelecer uma diocese em Macau. Essa se criou em 1576, seguida em 1583 de um conselho municipal — que Dom João VI em 1810 renomearia formalmente como “Leal Senado“, por eles não terem se dobrado aos espanhóis quando Portugal foi temporariamente anexado pela Espanha entre 1580 e 1640.

Daí o “Largo do Senado”. Embora a partir de 1623 houvesse um governador em Macau, era esse senado — composto por comerciantes portugueses aqui resididos — quem realmente dava as cartas. Isso gerou grande prosperidade, atraindo o olhar dos holandeses no século XVII, que já estavam em processo de tomar dos portugueses suas colônias comerciais na atual Indonésia e no Estreito de Malacca, local estratégico onde hoje está Singapura.

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Pharmacia Popular, hoje um estabelecimento comercial comum, no Largo do Senado.
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Largo da igreja e convento de São Domingos, em Macau.
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Este é o interior da Igreja de São Domingos. Há também um pequeno museu nos andares superiores, com objetos sacros dos últimos séculos.
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Mosaico de azulejos nas ruas de Macau mostrando a realidade daqui no século XIX. Note a curiosa mistura de uma arquitetura claramente portuguesa com a gente chinesa.

Quando você se afasta um pouco das multidões de asiáticos e das decorações chinesas, às vezes dá até para fingir que está em Portugal.

A apenas algumas quadras daquele centro histórico, se você subir a Calçada do Monte, chegará até a Fortaleza do Monte (formalmente, a Fortaleza de Nossa Senhora do Monte de São Paulo), de onde há belas vistas para a cidade e acesso ao bom Museu de Macau.

O museu conta muito bem, de forma bastante visual, o transcorrer desses quase 500 anos desde o estabelecimento dos portugueses aqui. Há reproduções de estabelecimentos comerciais e residências de colonos portugueses aqui, assim como detalhes das rotas de navegação comercial dos lusos. (Tenha em mente que é um museu bastante grande, mas vale a pena. Você pode se deter mais nas partes que mais o interessarem.)

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As chamadas “Rotas da Seda marítimas“, por onde por séculos ocorreu o comércio de especiarias e outros produtos entre o oriente e a Europa. Foi para buscar uma alternativa a essas rotas intermediadas por muçulmanos (árabes, persas e turcos) que os portugueses contornaram a África, para ir direto à fonte.
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A quem ficou curioso, estas eram as principais “Rotas da Seda” terrestres. (Estou enfatizando as aspas porque esse apelido gracioso é mera obra didática de um geógrafo alemão do século XIX. Na real, nem era uma rota só nem havia particular destaque para a seda nas caravanas.) Elas começavam na China, cruzavam a Ásia Central, a Pérsia, até chegar a grandes cidades como Damasco ou Constantinopla (atual Istambul). Dali, às vezes passando por Alexandria no Egito, a grande comerciante Veneza fazia a rota até a Europa. Não foi à toa que tantos genoveses, rivais históricos dos venezianos, empenharam-se em expedições de navegação a serviço das coroas portuguesa ou espanhola em busca de vias comerciais alternativas.
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Interior de uma casa de portugueses em Macau. Semelhante à decoração de casas coloniais no Brasil. Se eu dissesse que esta foto foi em Salvador ou Ouro Preto, qualquer um acreditaria.
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Há réplicas quase inteiras do que era o casario tradicional português, no Museu de Macau.
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Crianças chinesas averiguam o canhão de época português, na Fortaleza do Monte.
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O Museu de Macau com seus jardins externos.
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A vista lá da colina para a cidade de Macau hoje. O que você nota ali no meio, com uma parede, são as Ruínas de São Paulo.

As Ruínas de São Paulo são hoje um dos principais pontos de visitação da cidade e parte do complexo que configura Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO. Elas ilustram bem o fado macauense. Não a música, mas a sua sorte.

Aquelas são ruínas de uma grande igreja erigida pelos jesuítas entre 1602 e 1640, época de grande prosperidade comercial em Macau. Refugiados cristãos japoneses, convertidos pelos missionários portugueses a partir de seu entreposto comercial em Nagasaki, foram os autores de muitos dos intricados detalhes da fachada que permanece de pé. 

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Ruínas de São Paulo, em Macau. Permanece de pé apenas a fachada da antiga igreja jesuíta.
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Visto de frente.

Quando o Japão de Tokugawa — irritado com o missionarismo católico dos ibéricos — se fecha ao mundo estrangeiro em 1639, Macau sofre um duro golpe. Sua importância estratégica nunca foi apenas pelos negócios com a China, mas também como entreposto no comércio português com os japoneses. Os japoneses durante esse período permitiriam apenas aos holandeses, protestantes e desinteressados em conversão religiosa, fazer comércio com o Japão.

Em 1644, haveria também uma troca de dinastias governantes na China — após muito sangue. Os Ming foram substituídos pelos Qing, que adotaram uma outra política comercial. A principal diferença foi permitir (em 1685) a outros ocidentais também fazer trocas com a China pelo porto de Cantão, aqui ao lado. Isso acabou com os privilégios portugueses e também trouxe maior controle das autoridades chineses, inclusive cobrança de impostos.

Macau começou a decair conforme os portugueses em geral perdiam espaço na Ásia para os holandeses e, mais tarde, para os ingleses. (Foi também quando aos poucos o Brasil, que era até então uma colônia desimportante para os portugueses, começa a ganhar maior relevância.)

Em 1835, um tufão seguido de incêndio varreria a Igreja de São Paulo, deixando-lhe só a fachada. Era o sinal dos tempos. Menos de 10 anos depois, em 1842, os ingleses obteriam da China imperial a cessão de Hong Kong, que se tornaria um entreposto muito mais dinâmico. 

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Hoje os chineses (e o brasileiro) posam para foto com os antigos sinais da presença portuguesa em Macau.

Uma curiosidade é que, aqui na China, Portugal nunca chegou muito longe na sua atitude de miscigenação como ocorreu no Brasil, na Índia (onde há milhões com sangue português, sobretudo em Goa e outras partes do sul), ou posteriormente na África.

Deixaram, contudo, suas receitas. Fazia um calor digno de Brasil no verão, e eu procurava o que comer. Nas ruas, você verá muitas lojas oferecendo degustação grátis — e eu seguia à base delas, às vezes para o meu arrependimento.

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Biscoitinhos com amêndoas aqui em Macau. A maioria das comidas típicas macauenses têm um pé em Portugal.
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Este daqui eu achei que era doce, e acabou sendo um pãozinho com carne de porco. Esqueci que os ibéricos são obcecados por porco desde que quiseram se distinguir dos judeus e muçulmanos, que não comem o suíno. (Tipicíssimo aqui em Macau.)
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Padarias nas ruas de Macau.
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Há muita comida de rua, assim como restaurantes de inspiração portuguesa.
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Meu mui chinês almoço.

Eu preferi aguardar a minha próxima visita a Portugal, e fiquei mesmo com uns bolinhos de peixe no molho de curry (curry fish balls), algo mais chinês e ultra comum aqui. Afinal, lembre que hoje em dia os únicos portugueses em vista por aqui serão provavelmente turistas. A cidade é indubitavelmente chinesa.

Em 1999, Portugal devolveu Macau à China. Embora tenha se aproveitado da fraqueza chinesa diante dos europeus no século XIX para fincar pé aqui e expulsar os cobradores de impostos chineses de Macau, isso se reverteria após a revolução comunista em 1949 na China — Mao Tsé-Tung claramente declarou inválidos todos aqueles tratados desiguais feitos sob a mira dos canhões europeus.

Foi após a Revolução dos Cravos (1974), com o fim da ditadura de Salazar em Lisboa, que a atitude portuguesa mudaria para algo mais conciliatório. O novo governo se referiria a Macau a partir daí como “Uma cidade chinesa administrada por Portugal”. Nos anos 80, assim como faria o Reino Unido em relação a Hong Kong, a devolução à China seria acertada. Hong Kong seria devolvida em 1997, e Macau em dezembro de 1999 — a última colônia europeia no leste asiático.

Achei a visita interessante e fascinante, especialmente para alguém que também partilha desse legado colonial português.

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Pelas calçadas de pedras portuguesas no centro de Macau.
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Prédios coloniais portugueses que hoje se integram à cidade moderna em Macau.

Fiquem sabendo, porém, que não é o legado português que traz a grande maioria dos visitantes hoje a Macau. Já desde 2007, a ex-colônia portuguesa desbancou Las Vegas em movimentação de dinheiro nos cassinos. É em busca dos jogos de azar que vêm a maioria dos visitantes aqui, sobretudo os chineses fixados como são em jogos e apostas

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Lisboa, Hotel Lisboa, Grand Lisboa hoje são nomes de grandes hotéis-cassinos em Macau. Muitos deles oferecem transporte gratuito do porto ou do aeroporto até lá.
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Essas simpáticas moças já ficam à saída oferecendo-lhe traslado grátis.
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Cassinos reluzentes em Macau. A maioria fica na região de Taipa, mas há alguns aqui no centro da cidade também.
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Vista em Macau.
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Centro da cidade, bastante chinês apesar dos nomes de ruas e linhas de ônibus.
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Nas avenidas, não faltam lojas de jóias e de relógios caros para separá-lo do dinheiro recém-ganho nos cassinos.

Desinteressado por jogos de azar, era hora de encerrar minha breve visita a Macau. A cidade chinesa com raízes portuguesas está recomendada a todos. Era hora de eu zarpar.

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Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

2 thoughts on “Visitando Macau e o legado português na China

  1. Ihhhh!…. que maravilhosa surpresa encontrar uma bela cidade com características portuguesas em plena Ásia. Parece que você está em Salvador. Eu Ainda creio que os portugueses serão reconhecidos diante da grande conquista que fizeram em varias partes daquele mundo conhecido, e por sua bela cultura. Muito bom ver essa bela língua de Camões ai pela Ásia.
    Adoro essa arquitetura , esses motivos e essas construções portuguesas. Lindas.
    Nao sabia que ainda havia tanta cultura portuguesa nessas paragens, apesar de saber que os portugueses foram bem cedo ocupando essa região. Linda Macau. gostei muito. Maravilhosa arquitetura, linda cultura. Valeu viajante.

  2. Adoro ver estas fotos, aonde me faz recordar os dois anos em que estive ao serviço militar nos anos 71 /73, já lá vão 47 anos , aonde tudo mudou, embora se reconheça alguns edifícios, e algumas ruas ! Era umas das coisas que tanto adorava, era ver Macau dos dias de hoje , pk vejo que é uma cidade fantástica.

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