Muito tem o México em comum com o Brasil. Embora tenhamos muito pouca irmandade para com os outros latino-americanos (os brasileiros em geral preferem se afeiçoar da Europa, quando não com os Estados Unidos ou até mesmo a África antes de olhar para a própria vizinhança), há muito de parecido e de história compartida.
O barroco colonial é uma dessas manifestações mais evidentes das semelhanças latino-americanas. Barroco não é apenas arquitetura de igreja. (Música barroca existe, pra quem não sabe, embora esta seja um elemento bem mais europeu que americano.) O barroco foi uma época cultural da Europa com seus prolongamentos pelas colônias mundo afora, particularmente aqui na América Latina, e que deu toda a estética de época até fins do século XIX neste lado de cá do Atlântico.
Mas este post tampouco é apenas sobre barroco; é sobre Puebla, uma das cidades mexicanas mais encantadoras; com seu legado barroco, sim, mas também muito mais. Como dizia Chapolin Colorado em tom bem mexicano: sigam-me os bons.

Puebla foi fundada em 1531 pelos conquistadores espanhóis nestas terras astecas. Quando eu era pequeno, minha avó sempre se referia a alguém esperto como alguém que “sabe onde as cobras dormem”; pois aqui este lugar os astecas chamavam de “o lugar onde as cobras trocam de pele”, cuetlaxcoapan na língua náhuatl dos indígenas. (Minha avó teria sorrido com o significado — e ao mesmo tempo achado estranha essa “língua doida”.)
Puebla hoje é a quarta maior cidade do México, com mais de 3 milhões de pessoas. Excepcionalmente para as cidades mexicanas, não havia povoado indígena aqui quando os espanhóis chegaram. Eles queriam uma vila que servisse de entreposto entre a Cidade do México e o porto de Veracruz, de onde partiam Atlântico adentro os navios para a Espanha. Diz a lenda que o bispo, certa vez, teve um sonho com anjos desenhando a nova cidade e então solicitou à rainha de Espanha (Joana, a louca) a fundação de Puebla de los Ángeles.
Alguns historiadores mais tarde vieram a dizer que isso é folclore, e que na prática o nome se deveu a monges franciscanos devotos de Nossa Senhora dos Anjos e que iniciaram o povoamento aqui, mas a origem lendária já está no imaginário.
Eu viria aqui a partir da Cidade do México, a 2h de distância apenas. Os ônibus ADO, saindo do terminal la TAPO (que parece um aeroporto, com portão de embarque e tudo) na capital o trazem aqui sem problemas. Os ônibus são confortáveis. Devido às inseguranças típicas latino-americanas, me impressionei quando um funcionário passou com uma câmera filmando as caras de todos os passageiros no ônibus para que ficasse registrado caso algum mafioso estivesse ali. Viaje tranquilo, e preferencialmente durante o dia.

O tempo estava nublado e chuviscoso, na casa de seus 20 graus. Um pouco como o inverno em muito do Brasil. Embora naquele ambiente úmido, não me impediu de conhecer o que há de bonito na cidade.
Eu me instalei num hotel já cheio de charme, que bem me mostrou a estética colorida mexicana. (Não costumo fazer recomendações de hotéis, mas aqui vai: Hotel Boutique Casareyna. Só não presta o café, que como descreveu uma divertida senhora mineira que conheci aqui, era uma “água de batata”.) Essa estética colorida de herança indígena aqui no México se mistura com o barroco colonial.



Vamos ao que eu vi em Puebla, pois a lista não é pequena. Recomendo ficar aqui ao menos umas três noites.
O centro da cidade compreende talvez um raio de 1-2Km onde tudo se faz a pé. No centro do centro, temos o Zócalo (praça central) com a Catedral Basílica de Puebla. Ali perto, a linda Igreja de São Domingos (com sua douradíssima Capilla del Rosario). A charmosa Biblioteca Palafoxiana, a mais antiga das Américas. O Museu Amparo, o Convento de Santa Rosa (com sua cozinha árabe colonial de azulejos), além do Barrio del Artista, da Rua dos Doces (Calle de los Dulces) e da Ruela dos Sapos (Callejón de los Sapos). É bastante coisa, afora os tais doces e comidas típicas de Puebla a conhecer.

Caminhando por aquelas ruas estreitas e de casario colorido, minha primeira parada na verdade foi para reencontrar um amor antigo. As paletas mexicanas podem ter sido uma moda passageira no Brasil, mas não aqui no México. Aqui no México elas nunca foram “gourmetizadas”, e continuam a ter dezenas de sabores a mais que no Brasil (incluindo aí coisas criativas como Coca-Cola, arroz-doce, abacaxi com pimenta, etc. Os mexicanos são uma onda.)

O Zócalo estava repleto de gente, com num centro de cidade brasileira com seus transeuntes e vendedores ambulantes. É uma ampla praça bem arborizada onde se impõe a catedral, construída entre 1575 a 1647 e então dedicada pelo senhor bispo Juan de Palafox à Nossa Senhora da Imaculada Conceição.
Foi esse mesmo bispo, amante dos livros, quem em 1646 fundou a Biblioteca Palafoxiana, a primeira biblioteca pública do México colonial e — crê-se — da História das Américas. O lugar é lindo, de uma elegância algo renascentista com toques mais tardios de barroco.








Mais coisas de época eu veria na Casa do Decano (Casa del Deán), o cardeal principal. Sim, meus queridos, naquela época quase tudo que se fazia de artístico na sociedade colonial tinha a ver com a Igreja.
Lá há murais renascentistas de 1580 ainda preservados. Parece que você está na Roma Antiga, ou em algum recanto da Itália antes do surgimento do barroco. O barroco só aparece mais tarde, após os idos de 1600.



Por alguns momentos me esqueci de que estava no México. De fato, os europeus quando vieram pra cá trouxeram seus próprios imaginários e cultura. Isso não aconteceria apenas com a cultura renascentista, mas também a cultura ibérica já bastante marcada pelos árabes mouros àquela época. É o que se vê, por exemplo, no ex-Convento de Santa Rosa com sua “cozinha árabe” de azulejos.


Muito importante para a história cultural de Puebla é que foi nesse Convento de Santa Rosa que, dizem, surgiu seu mais famoso prato, o mole poblano.
Mole (do náhuatl milli, para molho) é como um massala indiano: um misturão quase indecifrável de temperos, pimentas, sabores e especiarias diversas. Dizem que em alguns entra até gafanhoto. Guacamole, por exemplo, é o mole de aguacate (abacate). Mole também é o tema da letra da música de Lila Downs que compartilhei no post anterior.
No mole poblano, o ingrediente especial nada-secreto é o chocolate, produto característico aqui da Mesoamérica. Para quem não sabia, ele foi inventado aqui séculos antes de os europeus aparecerem.
Permitam-me a pausa para o almoço antes de eu passar efetivamente ao barroco.




Sugiro a todos experimentar o mole poblano aqui de uma maneira ou outra. Embora provavelmente não seja o tipo de sabor que você quer todo dia, trate como um prato especial a conhecer.
De bucho cheio, passemos às artes barrocas que menciono no título, antes que vocês pensem que eu os enganei.
O barroco não surge de imediato com a colônia, ele passa a dominar apenas nos séculos seguintes, tanto no México como no Brasil. Aqui em Puebla, a Igreja de São Domingos, com sua Capela do Rosário, é talvez o mais belo exemplo dessa época. Poucas vezes vi tanto ouro na minha vida. Por mais que eu seja crítico dessa ostentação material que tanto contrasta com a mensagem cristã de humildade, o lugar é muito bonito.




A Igreja de São Domingos com sua Capela do Rosário são a principal atração barroca em Puebla, mas não a única. Tal como na Bahia ou nas cidades históricas mineiras, você aqui encontrará igrejas barrocas por toda parte. Eu não cheguei a visitar, mas você pode também conferir também o Museu Internacional do Barroco, inaugurado recentemente.



É interessante que, quando você sai daqueles recintos artísticos, retorna à muvuca da rua. De certa maneira, essa combinação sacro-popular é a cara de Puebla. Afinal, foi aqui que em 1979 se deu a Terceira Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano (seguindo a segunda, em 1968 em Medellin, ambas convocadas pelo Papa Paulo VI), onde se declarou formalmente uma “opção pelos pobres”. Foram eventos seminais para a Teologia da Libertação, e sobre os quais figuras brasileiras como Frei Betto e Leonardo Boff escrevem bastante.
Pobres, de fato, não faltam em Puebla. Você percebe que, apesar de todo o ouro e requinte artístico, as ruas hoje são repletas de vendedores ambulantes — uma gente simples com quem bastante me diverti. Não resisto em puxar uma conversa na rua.
As áreas turísticas na Calle de los Dulces, Callejón de los Sapos, e Barrio del Artista (onde há pintores de rua) estão repletas de senhoras vendendo quitutes caseiros. Algumas são danadas, cotando preço em dólar e tudo.
“Yo no gaño en dólar. No soy gringo”, disse eu a uma tia, que riu. Ele se deteve um minuto com aquele ar de vendedora que faz uma pausa e decide respirar um pouco. Ao seu lado, uma outra bem mais idosa diante de uma cestinha de doces ficava quieta. Tomando aquela liberdade jocosa dos latino-americanos, a tia voltou a falar. “Vamos fechar a rua aqui pra os seus 90 anos. Fazer um baile, juntar uma gente”. A velhinha, até então impassível à nossa conversa, de repente virou a cabeça ao ouvir a ideia, fez aquela cara de idoso matuto, e riu.
Deixo vocês por ora com algumas fotos do lado popular das ruas de Puebla, assim como do casario daquelas ruas turísticas onde as vendedoras ficam.






Uuauu, mais uma linda e colorida cidade, cheia de belas praças, ruelas e casario antigo com seus belos tons e linhas, encantadores aos olhos, com belíssima e pujante arquitetura, charmoso e movimentado Zócalo, nesse inigualável e histórico México.
Que lindos os tons das casas e outras construções, e que ruelinhas charmosas limpas agradáveis de andar e apreciar o movimento dos transeuntes e vendedores de petiscos. Adorei a rua dos doces, dos artistas e o convento.
Encantei-me com o barroco e suas belas manifestações. Um esplendor. Que riqueza de detalhes e de ouro em si . Coitado de Jesus. Pelo visto a própria Igreja não entendeu ou desvirtuou a Sua mensagem. Coisas do ser humano, frágil ao brilho do poder e das riquezas materiais. A catedral é estonteante em sua beleza, sobretudo interna. Lindíssima. Que bela arte!… A Igreja e suas influencias!…
A biblioteca é um verdadeiro show de beleza e arte. Parece que o senhor vai participar dos filme de Harry Potter, meu jovem amigo, hahah. Magnifcat. Um esplendor . Quantos livros e que bela disposição, Madeira linda.
Interessante o refeitório com influencia árabe.. Como viajam as influências hahah. Deveriam ser dadas a elas o crédito das origens. Lindos azulejos. Um encanto.
Belíssimos murais com motivos greco-romanos, pagãos hahaha.
Lindinha a cidade. Belo colorido e instigante cultura, como todo o México.
Coitado de Francisquinho no meio do auê das barracas e barraqueiros hahaha
Adorei a bodega hahah
Os camelôs dai pelo visto estão concorrendo em numero e furdunço com os de muitas cidades brasileiras hahah. Arrrre com o capitalismo e sua informalidade que deformam as cidades e depauperam os cidadãos.
Os docinhos e as demais comilanças parecem boas, apesar do nível e das cores das diversas e quentes pimentas hahah Deus nos livre destas hahah. Adoro as Paletas, pena que quase não se acham mais pelo cado de cá do Brasil.
Bela cidade e linda postagem, Adorei. Obrigada. Valeu viajante. Que venham mais.
Muito prazer em conhece-lo, Mairon. Vc é um espetáculo!
Que relato maravilhoso e bem-humorado!
Estou estudando meu roteiro e vou seguir suas dicas.
Ficarei apenas 8 dias na Cidade do México e fazer um bate-e-volta em Pueblo. Uma pergunta: há algum lugar especial pra encontrar artesanato mexicano de verdade, que não seja made in China?
Bem-vinda, Sarah! Você é que é gentil.
Fico contente que tenha gostado!
Acho que você irá adorar essa experiência mexicana. Com esse tempo, vai dar para você explorar várias partes da capital e ainda ir a Puebla (Se quiser dormir uma noite lá, pode ser interessante. Os mexicanos em geral são flexíveis e não se importariam de guardar sua bagagem de um dia para o outro. Mas aí você avalia.)
Essa pergunta sobre artesanato não é fácil. Há MUITA coisa de qualidade variável do próprio México, e que aí se mistura com os Made in China. Você verá abundância de pedra do sol (vulgo calendário) asteca em argila, por exemplo, além de uma traquitana de de coisas que não são lá de grande qualidade (uns quebraram fácil na minha bagagem) ainda que feitos no próprio México. Minha recomendação é segregar com base no material: na região da Cidade do México há, por exemplo, muita coisa em rocha obsidiana — o tal vidro vulcânico —, autêntica e de alta qualidade. Mostrei um pouco dela neste post em Teotihuacán, num tour que frequentemente inclui visita a um ateliê de trabalhos com essa pedra.
Já souvenirs religiosos multi-coloridos você verá em abundância e são mesmo, frequentemente, Made in China.
Os têxteis, por outro lado, costumam ser do próprio México, sobretudo se você os encontrar em padrões coloridos indígenas como vindos de Oaxaca ou de outras partes do sul do país. (Eles têm esta cara aqui, que cheguei a mostrar num post em Oaxaca, e na capital você pode encontrá-los no El Mercado Artesanal de Coyoacán, neste simpático bairro.) Alguns preços podem estar um pouco turísticos, já que Coyoacán é bem visitado. Outra alternativa, talvez menos turística, seria o Mercado de Artesanías La Ciudadela.
Resumo: Ou nesses dois mercados, ou nos ateliês aonde os tours a Teotihuacán a levam. Quase tudo com plástico ou cara de industrializado terá qualidade Made in China. Os artesanatos são mesmo quase todos mexicanos, mas a qualidade varia bastante, e será preciso avaliar. Não deixe de ver também meu post de dicas sobre o México, e se tiver mais alguma dúvida, não hesite 🙂