Praga é a metrópole medieval por excelência na Europa. Nenhuma outra capital ou cidade de porte no continente se compara a ela na qualidade ou estatura da sua bem-preservada herança do medievo. Até mesmo porque a maioria das capitais de hoje eram meras vilas ou nem existiam ainda naquela época, quando Praga já era assento imperial. Pontes de 1300, igrejas góticas, ruelas de longevas pedras, e castelos de época por entre as colinas e matas dos arredores.
Embora tenha recentemente já caído nas graças dos turistas (inclusos aí muitos brasileiros) e ficado algo lotada de visitar hoje em dia, Praga continua sendo um lugar relativamente econômico e singularmente bonito na Europa.
Não é puro medievo; a fila andou e Praga também se abarcou de muita arquitetura barroca e Art Nouveau.
Seu charme tem elementos comuns da Europa Central, mas também aspectos medievais que a tornam única. Não é puro medievo; a fila andou e Praga também se abarcou de muita arquitetura barroca e Art Nouveau. É uma visita quase obrigatória a quem se interessa por legado histórico e artístico na Europa.
Eu já vim aqui cinco vezes, o que deve contar algo. A primeira foi há mais de uma década, quando Praga ainda não era tão cotada para turismo quanto é hoje. Tentarei contar das minhas andanças e sensações da cidade ao mesmo tempo em que mostro as suas atrações principais.
Acompanhem-me.


Aos perdidos na geografia, Praga é a capital da atual Tchéquia, que já foi República Tcheca, Tchecoslováquia, e Reino da Boêmia antes disso. A mudança mais recente (oficializada em 2016) é mera questão de relações públicas, pois diziam que “República Tcheca” era muito comprido para caber nos souvenirs e peças promocionais (é sério).
Em verdade, se chamamos a Federação Russa de Rússia e a ex-irmã República Eslovaca de Eslováquia, entre outros, não há por que não fazer o mesmo à Tchéquia. Os próprios tchecos usam ambos no seu idioma, alternando entre Česko ou Česká Republika. (Já quem perdeu as aulas de História ou as teve antes de 1993, nesse ano Tchéquia e Eslováquia decidiram se separar pacificamente e formaram dois países distintos.)

Os brasileiros tendemos a achar que toda a Europa é rica e desenvolvida, mas não é esse o caso. O antigo “Leste Europeu” são outros quinhentos. Eu, que já havia viajado por vários países da Europa Ocidental e já morava na Holanda quando vim aqui a primeira vez, fiquei impressionado quando meu trem desde Amsterdã cruzou a fronteira — já aberta — entre Alemanha e Tchéquia. Era minha primeira vez em Praga e também no geral na antiga Europa comunista.
Carros lata-velha à beira da ferrovia combinavam com um casario algo acabado nas cidadezinhas do interior, como quando meu trem passou por Ústí nad Labem a caminho de Praga. Era uma manhã fria de inverno, após o Natal.
Eu visitava uma amiga minha, Karolína, minha primeira amizade estrangeira, feita alguns anos antes. Ela à época morava (e ainda mora) em Roztoky, uma cidadezinha-satélite de Praga. Foi uma imersão maravilhosa, se nem sempre agradável, naquele universo simples do ex “leste europeu” com seus quilates de história e pós-comunista.



Praga existe desde o ano 870 com a fundação do Castelo de Praga, numa colina próxima ao Rio Vltava. Esse castelo, notem, não é propriamente um castelo de conto-de-fadas do jeito comumente imaginado, mas sim uma cidadela fortificada numa colina onde viviam pessoas. Ele hoje é a sede do governo.


Os eslavos tchecos já andam por aqui desde os idos de 500 d.C., época de muitas migrações para oeste Europa adentro. Os tchecos são os eslavos mais a oeste de todos. Que fique claro, eles falam sua própria língua: o tcheco, quase idêntico ao eslovaco, e ambos parecidos com o polonês. Estas todas são línguas eslavas ocidentais, destes povos que se estabeleceram aqui ao passo que germânicos instalavam-se no que havia sido Império Romano.
Surge uma das histórias mais contadas nestas terras, a do duque Venceslau, o bom, assassinado pelo seu irmão Boleslau, o cruel, após um caruru de São Cosme.
Os tchecos se cristianizaram à mesma época da fundação de Praga, por volta de 870. No entanto, aqueles eram tempos bravios, e a nova religião levaria séculos para fincar raízes. Missionários bizantinos haviam convertido parte da nobreza, mas muita gente aderia à sua fé pré-cristã.
Aí é que surge uma das histórias mais contadas nestas terras, a do duque Venceslau, o bom, assassinado pelo seu irmão Boleslau, o cruel, após um caruru de São Cosme. Mentira, não havia caruru, mas já se celebravam os mártires Cosme e Damião em 27 de setembro desde muitos séculos a essa época. E foi à ocasião do festejo que o fratricídio se deu: no dia seguinte, 28 de setembro de 935.
Coisas da Idade Média.
Venceslau, o bom, virou santo, São Venceslau, padroeiro da Tchéquia. As hagiografias — como de costume — dizem que ele foi morto devido ao seu cristianismo, mas na verdade se sabe que havia mais divergências políticas que religiosas entre os irmãos.

Os duques da Boêmia, já cristãos, passariam a ser desde o ano 1002 vassalos do Sacro-Império Romano Germânico, cuja capital era itinerante, a depender de quem fosse o imperador. Após 1200, o ducado passaria a ser reconhecido como Reino da Boêmia pela nobreza europeia, pelo imperador, e pelo papa.

É aí que surge aquele que é talvez o mais famoso personagem da História tcheca: o imperador Carlos IV (1316-1378), que fez de Praga durante o seu reinado a capital do sacro-império.
É devido a ele que você tem, no coração de Praga, a chamada Ponte Carlos (Charles Bridge em inglês, ou Karluv Most em tcheco); que a principal universidade do país é conhecida como Charles University (Karlova Universita em tcheco, e traduzida ao português como Universidade Carolina, pois o nome “Carolina” é adjetivo de Carlos, caso você nunca tenha percebido), fundada pelo próprio em 1348, a primeira de toda a Europa Central; dentre tantas outras carolinas referências na cidade e pela Tchéquia afora.
Carlos IV foi um monarca desses de almanaque. Organizou as leis do império, assegurou as fronteiras, patrocinou as artes, e — ao contrário do seu ancestral São Venceslau — reinou por muitos anos.
A emblemática Ponte Carlos, sobre o Rio Vltava, começou a ser construída exatamente em 1357, dia 9/7 às 5:31 da manhã. Note a sequência de números.
Como próprio da época — desde a Antiguidade —, Carlos IV também era respeitoso da astrologia. Notem que, ao contrário dos tempos individualistas de hoje, em que as pessoas se ligam em astrologia para saber seu próprio horóscopo, mapa pessoal, etc., na História o interesse astrológico sempre foi mais para fins coletivos: identificar época auspiciosa para construir uma obra, quando declarar uma guerra, etc.
É por isso que a emblemática Ponte Carlos, sobre o Rio Vltava, começou a ser construída exatamente em 1357, dia 9/7 às 5:31 da manhã. Note a sequência de números (135797531.) O matemático da corte disse que seria a hora propícia, concordando com o astrólogo, para que a “ponte de pedra” fosse longeva e resistisse aos tempos.
De fato, essa que foi a primeira ponte de pedra do reino — pois as anteriores eram de madeira e se deterioravam com as enchentes do rio — sobrevive aos tempos e passou intacta até mesmo pelas duas guerras mundiais que arrasaram a Europa. Segue hoje sendo uma das principais atrações da cidade.
Só é difícil tirar foto sem uma multidão de gente nela, pois todo mundo quer ver.


Se você quer poucos turistas, precisa ser estratégico. As pessoas descobriram Praga, e como resultado ela virou uma certa Disneylândia medieval, especialmente abarrotada de gente entre maio e setembro, quando as temperaturas são mais amenas e os dias, mais ensolarados. (Você escolhe entre o frio ou multidões de turistas.)
Se vier em épocas povoadas, um truque dos nativos para ver sua cidade tranquila é visitar o centro tarde da noite ou de manhãzinha cedo, quando os turistas estão dormindo. Tenho amigos tchecos que adoram circular pelo centro de Praga na calada da noite preta às 4h da manhã após as festas. A cidade continua a exalar uma aura medieval por debaixo daquela fuzarca toda.



Tudo o que você vê para lá do rio, naquele lado do castelo e da catedral, era uma cidade diferente. Surgiu em 1257 como “A Nova Cidade sob o Castelo de Praga”, mas ganhou desde cedo o apelido de Lado Menor (Malá Strana em tcheco, traduzido imperfeitamente ao inglês como Lesser Town). O “menor” se deve ao relevo baixo naquele lado do rio.
Já do lado oposto, temos o centro histórico mais antigo com a praça principal. Staré Město (literalmente “Cidade Velha“). Essa praça principal não tem nome, é simplesmente conhecida como Praça da Cidade Velha (Staromětské Naměstí, ou Old Town Square). Ela tem um relógio astronômico que bate todas as horas e dá um show tipo cuco que atrai multidões ao meio-dia.
Para completar, Carlos IV em 1348 decretou a construção da Nova Cidade (Nové Město, ou New Town), adjacente à cidade velha. Hoje é um bairro vizinho. Portanto não se deixe enganar pelo nome “nova”: essa área tem quase 700 anos.




Essa avenida que você vê na foto, um belo boulevard margeado de árvores e casario de época, é a “rua chique” da cidade. Chamada de “Parisiense” (Pařížská em tcheco), ela é onde se encontram das belas lojas de grandes marcas famosas como Louis Vuitton, Prada e outras.
Ao fim da avenida fica o Bairro Judeu, que floresceu sobretudo a partir do século XVI com a expulsão dos judeus de Portugal e Espanha pelos reis católicos em 1492 (por Isabel de Castela e Fernando de Aragão) e 1496 (por Manuel I de Portugal). Muitos foram ter refúgio com os turcos otomanos, mais tolerantes, mas muitos também vieram Europa adentro a cidades como Amsterdã ou Praga.
Judeus famosos de Praga incluem o escritor Franz Kafka (1883-1924) e a ex Secretária de Estado dos EUA Madeleine Albright (1937-), tcheca nascida em Praga e cujo sobrenome de solteira era Korbel. Já Kafka não era propriamente tcheco, mas parte da comunidade judia-germânica falante de alemão que havia em Praga.





Como eu disse no começo: Praga é um passeio pela História, com estilos arquitetônicos vários dos últimos sete séculos.
Você se enfia pelas ruelas do centro histórico e não sabe onde vai sair. Vê um fluxo maior de pessoas e sabe que por ali se chega às ruas principais. Ou toma a direção oposta e se refugia da turba, ficando só você e as históricas pedras.
Os tchecos — a nação oficialmente a mais ateia da Europa, onde apenas 16% da população declara acreditar em Deus — são muito puxados pro lado do misticismo e de coisas alternativas meio New Age.
Escondidos nos becos do centro histórico de Praga, às vezes nos recantos mais inimagináveis, há restaurantes e “casas de chá” (čajovny), um hábito local. Fazem parte da cultura tcheca — especialmente em Praga — de curtir espaços alternativos, às vezes com uma pegada meio hippie, inspirada na Índia, na África ou outras terras não-ocidentais.
Você provavelmente não deduziria, mas os tchecos — a nação oficialmente a mais ateia da Europa, onde apenas 16% da população declara acreditar em Deus — são muito puxados pro lado do misticismo e de coisas alternativas meio New Age. Quase metade (44% da população) diz crer n’alguma força espiritual, apesar de rejeitarem afiliações religiosas, segundo o EuroBarômetro.

A comida tcheca tradicional é um tanto básica, bastante limitada a batatas e carnes como a comida tradicional alemã. Hoje inventam uns pratos criativos com ingredientes locais, tipo carne ao molho de cerveja (“Pilsen” é uma cidade tcheca onde se originou esse tipo de cerveja, aos desavisados). Porém, a coisa não vai tão longe.
É por isso que há restaurantes maravilhosos de culinária estrangeira na cidade, apreciados pelos próprios tchecos. Cheque especialmente comida indiana, ou restaurantes vegetarianos em geral — Praga com sua cultura alternativa tem dos melhores. O Maitrea está recomendadíssimo.

Para café os tchecos não ligam muito; é um pouco a pedra falsa das comilanças e beberanças aqui; mas você encontra as cafeterias-padrão como no restante da Europa.
O que eles fazem muito bem — na minha humilde opinião, o melhor do mundo — é chocolate quente. Tanto que em tcheco há dois termos distintos para caracterizar duas coisas diferentes: Kakao é aquele Nescau comum, um leite quente achocolatado. Já um horká čokolada é algo de mais respeito: um chocolate grosso, cremoso, que você toma até com a ajuda de uma colher. Delícia pura. Você nunca mais vai querer saber daqueles chocolates ralos da Kopenhagen no Brasil.


Vamos ao outro lado do rio, onde fica o castelo.
Sabe aquele dizer que de o que importa numa viagem não é o destino, mas o trajeto para chegar até lá? Eu não concordo integralmente com esse ditado, mas no caso do Castelo de Praga ele se aplica.
O Castelo em si não oferece muito; é um palácio de governo sem grandes encantos. O pitoresco, a meu ver, são as ladeiras e escadarias levando até lá o alto — e no fim, claro, a impressionante Catedral de São Vito.
Essa área toda, que inclui o complexo do chamado castelo, é conhecida pelos tchecos como Hradčany, ou “distrito do castelo”. Há caminhos, pátios, bares, restaurantes etc., como um bairro histórico.














Num post seguinte eu falo melhor sobre as inúmeras igrejas históricas na capital tcheca, inclusa aquela muito famosa pelos países latinos, ao Menino Jesus de Praga. Ela fica também neste lado de cá do rio, neste Lado Menor, embora fora da cidadela (Hradčany).




O incrível de Praga é que, embora tamanha seja a densidade de coisas a ver, você faz tudo ou quase tudo a pé. Só toma o transporte público quando as pernas lhe cansarem de andar. Você circula como que num mundo histórico encantado, repleto de beleza e arte. Não é à toa que tantos turistas venham aqui. Mais que qualquer atração específica, são o charme e a aura geral da cidade que encantam.
Praga acabou sendo uma daquelas cidades com quem eu desenvolvi um relacionamento próprio, um pouco como se ela fosse a mãe das minhas amizades aqui. Uma senhora observadora. É um pouco como o que os Red Hot Chilli Peppers cantaram para Los Angeles (leia a letra de Under the Bridge).
Voltar é sempre uma experiência familiar.
UUUUUuuuu !… espetacular. Uma maravilha de cidade. Parece que ja nasceu capital de rico Reino da lendária e famosa Boêmia, dos cristais famosos e dos âmbares magníficos Belissimos casarios com seus mimosos telhadinhos vermelhos à semelhança dos joguinhos de armar infantis antigos que faziam a alegria e diversão das crianças das classes abastadas no mundo inteiro e seus agregados e amigos. Maravilha. Belissima arquitetura, pujante e monumental mistura de estilos, com sabor de Idade Média. Um show de cultura e arte que encanta e prende quem a visita. Belas ruelinhas, belissimas igrejas, lindo e gostoso Vltava e charmosa cidadela. Tudo com sabor de sonho, de História e de beleza.
E que interessante o guardar um pouco do bucolismo antigo, da preservação da natureza, dos recantos mais simples e menos chiques, apesar do aporte cultural e do peso da sua estatura citadina.
Maravilhosa cidade, linda postagem. Adorei, amigo viajante. e pelo visto o senhor também gostou da cidade pois há varias visitas da sua pessoa em tempos diversos. Data vênia, gostei muito das fotos do senhor ao longo do tempo.
Obrigada por nos mostrar essa bela região. Essa bela capital. Amei.
Esse chocolate parece estar delicioso.
Essa igreja de San Vito tem traços da Sagrada Família em Barcelona.
E haja escadas. Alta essa parte da cidade.
Belíssimos arcos góticos e Igreja . Adoro
Uma fofura a cidade.
A ponte é um monumento. Magnifica e secular. Muito bonita.
Esta vista com o Vltava e a cidadela de Praga é maravilhosa. Encantadora.
Belíssimo Museu Nacional. Linda arquitetura. A Casa municipal., o relógio com seu Cuco, enfim, uma cidade encantadora e inesquecível.
Verdade, meu jovem amigo viajante, verdade, como o senhor bem diz: ” Parece que você circula num mundo histórico encantado de cultura e arte”. Valeu.