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Alsácia França

Conhecendo Estrasburgo, a capital da Alsácia (França)

A França não é só Paris. Está longe de ser só Paris, e tem uma diversidade notável de regiões. 

Cada região francesa lembra um pouco o vizinho mais próximo. Em Nice, às vezes nos sentimos já na Itália. Toulouse lembra a Catalunha, e sua língua regional occitana parece o catalão. Lille, no norte, já lembra muito a Bélgica, enquanto que a Bretanha no noroeste tem semelhanças com o Reino Unido e a Irlanda. Aí temos esta aqui, onde fica a bela cidade de Estrasburgo.

A Alsácia, na fronteira com a Alemanha — que está a uma breve caminhada daqui —, é uma das mais pitorescas regiões francesas, e também das mais curiosas. Por ter sido um território historicamente disputado entre franceses e alemães, ela trocou muitas vezes de mão. Ao fim de cada guerra, passava a ser francesa, depois alemã, depois francesa de novo. Acabou por criar uma cultura regional alsaciana muito típica e que mistura algo de ambos os países.

Talvez por essa sua natureza híbrida ela tenha sido escolhida para ser a sede do Parlamento Europeu.

Aqui hoje se fala francês, mas as casas todas têm a cara da Alemanha. Europeus de toda parte vêm cá conhecer os méritos da mistura.

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Canal com casario típico em Estrasburgo, a capital da Alsácia e 7a maior cidade francesa.

Essa área pitoresca é apelidada de Petite France (“Pequena França”), por razões que você nem faz ideia. Já já eu conto.

Eu já havia mostrado a magnífica decoração natalina em Estrasburgo, onde se considera haver talvez a mais bela Feirinha de Natal de toda a Europa. Porém, faltou-me ainda falar melhor da cidade, e mostrar o que ela tem.

  • A milenar Catedral de Estrasburgo, impressionante obra gótica iniciada no ano 1015.
  • O Palácio dos Rohan, família nobre da Bretanha que inspirou o nome do reino homônimo em O Senhor dos Anéis.
  • O Museu Alsaciano, com muito da história local e estruturas medievais remanescentes.

E todo o seu charme.  

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O centro histórico e medieval de Estrasburgo é puro aconchego.

Estrasburgo já existe há bastante tempo. Temos o Rio Reno passando bem aqui, e dividindo a França da Alemanha. Estas terras pertenciam aos celtas gauleses antes da chegada dos romanos. Na antiga Gália, a cidade era conhecida como Argantorati, ou “cidade fortificada da prata”, sugerindo que havia extração de metal precioso por aqui. Os romanos a chamariam de Argentoratum. Aqui se fazia vinho imperial.

A partir do século V, no entanto, com as migrações germânicas invadindo o império, a cidade mudaria de nome. Chamaria-se Estrasburgo, a “cidade das estradas” (Strasse, que significa “rua” em alemão, provém da palavra strata para “estrada” em latim. Burg é cidade nas línguas germânicas.) Isso foi pela sua histórica posição de encruzilhada, unindo as rotas terrestres de leste a oeste e o Rio Reno de sul a norte. 

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Escrita secular em alemão com a grafia gótica, em Estrasburgo.
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Varanda e casario do século XVIII, preservados no que é hoje o informativo Museu Alsaciano (Musée Alsacien em francês). Ela também mostra muito da vida sacra e campesina aqui antigamente.
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Estruturas góticas e imagens sacras, guardadas da catedral e hoje em exposição.

Estrasburgo trocaria de mãos entre francos e germanos já desde o fim da Idade Antiga, até estabelecer-se como uma cidade imperial livre no século XIII, dentro do Sacro-Império Romano Germânico.

Aqui quem mandava até então era o Arcebispo de Estrasburgo, numa época em que era comum a Igreja se confundir com nobreza e governar terras. (Muito das cisões que certos reinos europeus viriam a ter com a Igreja Católica foi com o pensamento de expropriar suas muitas terras.)

Ainda hoje, o arcebispo de Estrasburgo — embora não governe mais a cidade — recebe um tratamento especial de responder apenas diretamente ao Vaticano.

A catedral da cidade é um imenso esplendor de arquitetura gótica. Com seus 142m de altura, ela por mais de dois séculos (de 1647 a 1874) ela foi a mais elevada edificação do mundo. 

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A imensa igreja em meio às construções do centro histórico de Estrasburgo.
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Riqueza de detalhes góticos na entrada. A igreja foi construída entre 1015 e 1439, recebendo contínuas adições até se tornar a maior edificação do mundo em 1647. (Em 1874 o recorde seria tomado pela Catedral de São Nicolau em Hamburgo, Alemanha, 5m mais alta embora bem menos portentosa que esta aqui de Estrasburgo.)
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O interior da milenar Catedral Notre-Dame de Estrasburgo.
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Arte sacra e luz por seus vitrais góticos.
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A igreja à noite.

Em 1681, pouco após esta igreja se tornar o mais alto prédio do mundo, Luís XIV, o “rei sol”, invadiria Estrasburgo para fazê-la parte do Reino de França. 

Isso foi após muitos séculos sendo parte do Sacro-Império Romano Germânico. Os alemães ficaram ressentidos, mas eram à época um amalgamado de ducados e principados pequenos sob o imperador lá em Viena.

A França lhe trouxe de volta o Catolicismo romano, que havia sido substituído pelo protestantismo alemão no século XV. Foi aqui em Estrasburgo que viveu Johannes Gutenberg, cuja invenção — a imprensa de tipo móvel — viabilizou a popularização das Bíblias e a Reforma Protestante. (O chinês Bi Sheng já o havia feito em 1040, mas foi Gutenberg quem criou o primeiro modelo europeu.)

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Talvez em parte pelo histórico de Gutenberg, em outra parte para honrar sua tradição cultural germânica, você ainda encontra muita coisa com letra gótica no centro de Estrasburgo — juntamente com as casas de enxaimel (essas estruturas de madeira) típicas da Alemanha.
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Esta pitoresca área antiga no centro de Estrasburgo é conhecida como Petite France, mas não por razões lisonjeiras. Aqui era o sanatório onde acomodavam pacientes de sífilis, que os alemães à época chamavam de “a doença francesa”.
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Casario típico.
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Eu ali.   

Agora deem as boas-vindas à aristocracia francesa.

Após a tomada da Alsácia por Luís XIV, se fizeram algumas obras de porte na cidade. Das mais notáveis é a Barragem Vauban, que leva o nome do célebre arquiteto Sébastien Le Prestre de Vauban, o engenheiro militar do Rei Sol. (Não havia distinção entre engenheiros e arquitetos àquela época, muito menos rixa.

Como comentei, o Reno está aqui ao lado, e por Estrasburgo passa o Rio Ill, um de seus pequenos braços. O centro histórico fica numa pequena ilha circundada por canais e pontes.

A barragem de época é um dos símbolos da cidade, mas à ocasião tinha uma função muito prática: inundar os arredores da cidade para deter uma eventual invasão inimiga caso os germânicos quisessem conquistar Estrasburgo de volta

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A Barragem Vauban na primavera. (Foto de Claude Truong-Ngoc.)
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A Barragem Vauban iluminada à noite, e refletida nas águas frias de dezembro.
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De lá você tem uma maravilhosa vista para o centro de Estrasburgo, com suas pontes, torres, e a grande catedral lá atrás.

Nos idos de 1730, seria a vez do Palácio dos Rohan.

Eu poderia simplesmente mostrá-lo e vocês dizerem “Oh, que belo!”, mas fica mais interessante se eu lhe disser algo a respeito. Os Rohan, de onde J.R.R. Tolkien tirou o nome para os lordes cavaleiros em O Senhor dos Anéis, são uma família nobre que dizem se originar do lendário líder bretão Conan Meriadoc. Sim, os posteriores contos de Conan, o Bárbaro, também vêm daí.

Os Rohan da vida real, no entanto, fizeram carreira foi no clero. Assim, espalharam-se pela França e, apesar de sua origem bretã, vieram parar aqui, onde o cardeal manda-chuva de Estrasburgo Armand Gaston Maximilien de Rohan comissionou a construção de um palácio que viria a ser propriedade da sua família. (Vejam que mistura legal entre política, igreja, e patrimônio familiar. Aí eu tenho que aguentar brasileiro com complexo de vira-lata vir dizer que “patrimonialismo” é característica nacional, como se o resto do mundo fosse uma terra encantada.)

O palácio ficou pronto, onde moraria o pai do cardeal, e é de um esplendor tão grande que ali hoje há não um, mas três museus.

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A portentosa entrada.
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O Palácio Rohan foi devidamente confiscado durante a Revolução Francesa e transformado em prédio público.
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O palácio mantem o aspecto e a pompa da aristocracia francesa do século XVIII.
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Salão de jantar.
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Quarto, dos tempos em que esta era a morada da família do cardeal.
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Há um Museu de Arqueologia, um Museu de Belas Artes, e um Museu de Artes Decorativas aqui. Num deles, este vetusto livro impresso em 1496, após Gutenberg difundir a imprensa nestas terras.
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Quadro retratando o período da Revolução Francesa (1789).

Foi aqui em Estrasburgo que foi composto e cantado pela primeira vez o hino nacional francês, conhecido como Marselhesa. O autor é Rouget de l’Isle, que o fez a pedido do prefeito. Já a cantoria ficou a cabo das tropas revolucionárias que vinham do sul, de Marselha, daí seu apelido.

Comandou tropas aqui o marechal Jean-Baptiste Kléber (que em francês é sobrenome e se lê “KlêBÉR”, mas que no Brasil virou nome e as pessoas nem sabem de onde veio), natural de Estrasburgo e um dos comandantes de Napoleão. A praça principal da cidade hoje leva o seu nome (Place Kléber).

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A Praça Kléber, a principal do centro histórico de Estrasburgo, iluminada à noite e para o Natal.
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De outro ângulo. (A árvore ia mudando de cor.)

A cidade foi francesa até 1871, quando mais uma vez mudou de dono. A Alemanha recém-unificada, na prática sob controle da Prússia, retomaria a força estas terras que haviam sido germânicas na Idade Média.

A Barragem Vauban foi utilizada para repelir os invasores, mas não mudou o resultado da guerra.

Poucas décadas antes, em 1849, o pensador Victor Hugo (autor de Os Miseráveis, Notre-Dame de Paris, dentre outros célebres livros) abrira o Congresso de Paris, após as revoluções de 1848, incluindo a frase que transcrevo abaixo:

“Virá um dia em que a guerra será tão absurda e impossível entre Paris e Londres, São Petersburgo e Berlim, Viena e Turim, como hoje ela seria impossível e pareceria absurda entre Rouen e Amiens, Boston e Filadélfia.” – Victor Hugo, no Congresso de Paz de Paris, 21 de Agosto de 1849.  

Claro que isso viria a inspirar a União Europeia, que se orgulha — talvez mais que qualquer outra coisa — de ter acabado com a perspectiva de guerras entre os seus países-membros (de fato, nunca houve). Porém, Victor Hugo estava à frente do seu tempo.

Viriam aí não apenas a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), que traria Estrasburgo e Alsácia de volta à alçada germânica, como principalmente a Primeira e a Segunda Guerra Mundiais, que retornariam estas terras ao controle francês a custa de muita carnificina.

Acaba que a cidade preserva hoje esse seu jeito benignamente esquizofrênico, ora francês, ora alemão. Vai acabar por ser europeia.

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Pitoresca praça com arquitetura alemã em Estrasburgo, durante o frio de dezembro.
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Aí você avista aquela bandeira francesa ali.
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E, sim, Estrasburgo também tem os seus pitorescos cantos bem franceses.

Caso alguém (ainda) não tenha levado a sério o que eu disse sobre a qualidade do Natal em Estrasburgo, sugiro conferir o meu post específico. Ela é aqui na França considerada a Capital do Natal, e não é sem razão.

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Bela decoração de Estrasburgo em dezembro, ela que é considerada a Capital do Natal. Você pode conferir meu post especial com mais dessa época na cidade.

Eu ainda exploraria mais da Alsácia, numa viagem à bela cidadezinha de Colmar aqui perto.

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Café numa padaria, estabelecimento que tanto França quanto Alemanha têm em alta qualidade. Em Estrasburgo então…
Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

One thought on “Conhecendo Estrasburgo, a capital da Alsácia (França)

  1. UUuuuuuuu que maravilha. Parece uma cidade de brinquedo ou uma cidade encantada !… linnnnnda, graciosa, cativante, deliciosamente decorada e com seu casario maravilhoso, suas pontes magnificas, seu lindo rio, suas construções medievais e antigas.. Que maravilha.!…Parece que voce entra em um mundo encantado e do qual não pretende sair de tão agradável. Um mundo de sonhos, maravilhoso. Que delicia de cidade e que maravilhosa de postagem. Belíssima. Difícil descrever com pobres palavras o que nos vai ao espírito ao contemplar tamanha beleza, tamanho legado cultural numa cidade tão pequena. Um primor de cidade. Gostosa de ver e de sentir.
    Lindo o colorido das casas, a beleza vivaz dos recantos floridos e românticos com cara de França, Espetaculares. Um encanto para os olhos e para a alma. Uma gostosura para quem passa por la. Maravilha. E como casa bem essa mistura franco-germânica. Uma delicia. E no Natal, pelo visto tudo isso se torna mais encantador ainda.
    Que luxo nesse castelo. E pensar que a Igreja que se diz de Jesus ,pobre como Ele sempre foi, patrocinou e se beneficiou desses luxos terrenos. Muito triste. Afora esse importante aspecto se pode apreciar a beleza e a riqueza desses interiores. Magnificas portas. Impressionantes construções. Belíssimo Palácio.
    E o que dizer dessa maravilhosa joia em forma de igreja. Belíssima na sua elegância, com seus magníficos vitrais, seus maravilhosos arcos, sua bela nave. Magnifica, soberba, histórica.
    Curioso essa passar de mãos em mãos. Ora francesa, ora alemã.
    E que bela a cidade na Primavera com suas flores e o seu lindo céu azul. Belíssima postagem. Parabéns meu jovem amigo. Valeu.

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