Que me perdoem as outras, mas Praga é imbatível no Natal.
Se você vai passá-lo fora de casa e quer um destino com boa ambientação, beleza, vivacidade e muito astral natalino, Praga é a sua opção. (Se você procura significância religiosa para a data, também vai encontrá-la aqui.)
É que, não bastasse seu visual medieval pitoresco, que já mostrei em posts anteriores, Praga também dá ao Natal um certo ar de festa pública. Enquanto que a maioria das cidades europeias ficam mortas, com as pessoas recolhidas às suas casas com suas famílias para o Natal, aqui em Praga suas históricas ruas seguem gostosamente animadas, tamanha é a quantidade de turistas.
Para um Natal tranquilo, introspectivo: qualquer outro lugar da Europa. Para um Natal vivaz longe de casa, Praga.



Quando desci à estação central de trens em 23 de dezembro, uma multidão de tchecos, alguns com a mão ao peito, cantava o hino nacional por desconhecida razão que nobremente coincidiu com o meu desembarque.
Eu gosto dos tchecos quase que por princípio. Pela resistência diante dos 400 anos de dominação austríaca, além da persistente ameaça de aculturação — quando não invasão militar — pela vizinha Alemanha. É como você conhecer e dar um tapa no ombro daquele rapaz esforçado e mais humilde que seus pares.
Na vizinhança da estação, a Praga que você encontra é precisamente essa Praga humilde sem grandes dinheiros, de prédios cinzentos que lembram algo do tempo comunista (1948-1989) e calçadas por reparar. Depois é que, na direção do centro histórico, a paisagem urbana dá lugar aos lindíssimos prédios barrocos e à arquitetura ainda mais antiga, do tempo medieval.



Fazia um friozinho básico de seus 5°C por entre as nuvens. O tempo a esta época do ano é instável; dificilmente neva (neve é mais para janeiro e fevereiro na maior parte da Europa), mas pode variar entre um solzinho fino, bom para as fotos, ou um chuvisco inconveniente. A temperatura tende a variar nos 0-8°C em dezembro.
Moças tchecas altas e galantes, enroladas nas roupas de frio, passavam conversando, a andar mais rápido que eu, que admirava o casario. Escutar tcheco nas ruas tinha-me certo ar de nostalgia, eu que estudei a língua por uns meses há muito tempo atrás. Foi o bastante para eu dominar os seus múltiplos acentos, embora não os frustrantes casos gramaticais ou todo o distinto vocabulário eslavo. Quebra-me o galho para uns gracejos, embora os jovens aqui falem bem inglês; dá para eu ler o cardápio, embora isso na prática seja pouco necessário em Praga, pois há sempre tradução no menu. Serve para eu me sentir um pouquinho mais próximo dos tchecos.
Meu hotel tinha um certo ar novaiorquino, ou assim me pareceu. Talvez tenha sido o repertório de músicas de Natal norte-americanas, daquelas clássicas na voz de Frank Sinatra ao som crepitante de rádio velho vindo detrás da árvore. Curiosamente, eu não ouviria sequer uma música alemã de Natal durante a minha estadia na cidade. Como comentei, os tchecos fazem questão de diferenciar-se do vizinho rico. Ouvi muito Jingle Bells e Rudolph, a rena do nariz vermelho; nada de O Tannenbaum.
Às ruas, os turistas me pareceram todos de dois tipos: ou aqueles que tradicionalmente não celebram o Natal (muitos chineses, coreanos, indianos), ou os que acertam a viajar em família para celebrar o Natal em viagem (nós latinos: brasileiros, ibéricos, e muitos italianos). Estávamos todos a curtir as magníficas feirinhas de Natal.



As feirinhas de Natal estão belamente presentes por toda a parte histórica da capital da Tchéquia — e hoje em ainda maior número que 11 anos atrás, quando eu aqui vim pela primeira vez. É uma encantadora tradição da Europa Central que tem caído nas graças dos visitantes de todo o mundo. Mas se na Alemanha elas costumam terminar antes do Natal (por volta do dia 23), aqui elas abrem tanto na véspera quanto no dia, e permanecem em funcionamento até o Dia de Reis (6 de janeiro).
Elas são onde tomar vinho quente com especiarias (ou “quentão”, em tcheco punč ou svařák), comer castanhas portuguesas deliciosamente assadas (pečené kaštany), ou lanchar o que mais de comida típica lhe der na telha. Hoje há de tudo, como os húngaros langos e kürtőskalács (um rolo de pão assado com açúcar e canela), e uma diversidade cada vez mais cosmopolita de comidas.




Era uma tarde algo úmida, o sol querendo aparecer, mas indeciso. Lanchei uns vareniky, bolinhos de massa cobertos de creme e cebola frita, comprados de uma simpática jovem que dali a pouco escutei falando russo.
“Você é tcheca ou russa?“, perguntei eu de soslaio.
“Eu? Eu sou ucraniana“, respondeu-me ela, prática.
Dei-me conta. Você talvez inicialmente não note, mas grande quantidade de ucranianos trabalha aqui hoje. Vieram em grande número após a guerra civil iniciada em 2014. Você quase sempre os toma por tchecos, até que os escuta falar em russo. (Os ucranianos são frequentemente bilíngues, e a língua ucraniana é semelhante ao tcheco, então eles aqui se adaptam relativamente fácil.)
Sendo ainda o dia 23, o comércio estava aberto, os restaurantes funcionando, e eu nesta noite teria um reencontro com o meu favorito em Praga: Maitrea. Era dia para boa comida vegetariana seguida de um “chocolate asteca”, denso como são os dignos chocolates quentes da Tchéquia (não aquele copo de leite quente com Nescau que você encontra por aí afora) e salpicado com chili e nozes.
Foi uma ótima pedida depois de dar umas voltas no centro histórico da cidade debaixo de um chuvisco após o belo, ainda que prematuro, pôr-do-sol de inverno às 4:45 da tarde. Refugiei-me molhado em meio a muitos outros turistas — meus olhos a evitar suas pontas de guarda-chuva — debaixo das pedras velhas e negras de uma das torres da Ponte Carlos. Abrigar-me ali dos elementos da natureza fez eu me sentir quase na Idade Média.




Chegava o dia 24, véspera de Natal.
“Esta noite você tem que sobreviver com pizza, comida chinesa, essas coisas“, declarou apologético o animado tcheco com aspecto de roqueiro gordo barbudo num inusitado chapeuzinho de Papai Noel à recepção do hotel a uma turista francesa que lhe indagava onde jantar. “É Natal, então 90% dos restaurantes fecham, na República Tcheca toda“, sorriu ele.
De fato. Embora Praga siga movimentada mesmo nos feriados (e, na Europa, também o dia 26 de dezembro costuma ser feriado), esse movimento se restringe mais às áreas turísticas. As próprias igrejas, embora abram, o fazem em horários mais restritos.
Para o bem da nossa segurança alimentar, Praga hoje parece ter um restaurante chinês a cada esquina. Ótimo para turistas brasileiros e outros interessados em comida “com sustança” e mais tempero nesta Europa Central — e eles abrem no Natal. (Eu às vezes amo o funcionamento non-stop dos chineses.)
Era uma linda manhã de sol para nos agraciar. Eu tomava o metrô até Hradčanská para revisitar já lá por cima o Castelo de Praga, a Catedral de São Vito, e depois o Santuário do Menino Jesus de Praga. Dia propício, esta véspera de Natal.


Esse rastilho de pessoas que você pode notar na foto acima é uma fila para entrar. Já há alguns anos, há um controle de segurança com detector de metais nas entradas do castelo. Venha cedo, ou prepare-se para esperar um pouco. A entrada lateral, algo próxima ao metrô Hradčanská e à parada de bonde Pražský hrad, é bem mais tranquila que a principal. (Por ela você também se poupa de subir todas as escadas.)


Foi-me uma agradável surpresa, encontrar um mercadinho de Natal também aqui em cima. (Antes, não havia. Eu tenho foto de outros anos com essa árvore de Natal aí sem feirinha alguma. Mas o tino comercial mostrou aos praguenses que a demanda aqui é quase infinita.)
Com parte dos restaurantes fechados por ser véspera de Natal, acabei por almoçar aqui mesmo um imenso bramborák, as típicas fritadas tchecas de batata com um toque de alho.
De quebra, quando notei uma inusitada ausência de fila para entrar na Catedral de São Vito, apressei-me a fazê-lo. Vale muito a pena. A catedral é espetacular. Sua situação de cobrar ou não cobrar entrada parece mudar a cada par de anos, mas agora estava livre.






Convenhamos: embora a catedral de Praga seja espetacular, o Santuário do Menino Jesus era ainda mais adequado à natalina ocasião. Não me furtei a uma visita à Igreja da Nossa Senhora Vitoriosa, onde ele fica. Instalaram até um mini-estábulo com animais de verdade à sua entrada.





O lugar estava repleto de latinos — vários italianos, alguns brasileiros, e muitos falantes de espanhol, dentre outras nacionalidades.
Troquei calorosos “Feliz Natal!” (Veselé Vánoce!) com mendigos tchecos à saída da igreja, que me disseram muito mais do que eu pude entender por entre seus animados sorrisos desdentados — aquele olhar de morador de rua que, talvez por entre os olhos outrora temperados por álcool, são capazes mesmo assim de grande humanidade sincera e calor de coração.
As coisas aos poucos começavam a fechar naquele fim de tarde de véspera de Natal — mesmo em Praga. As próprias barraquinhas, por volta das 16h do dia 24 de dezembro já começam a se encerrar, embora reabram novamente às 10h do dia seguinte (seguindo em funcionamento até cerca de 6 de janeiro).
As igrejas também têm horários mais restritos, frequentemente oferecendo concertos musicais, de corais ou órgão, além das missas. Dei uma olhada breve em Tyn, a igreja gótica da praça principal após retornar a ela, seguindo uma fila que pareceu ter uma centena de pessoas.




Mais tarde, estaria de volta ao hotel para relaxar e enviar umas mensagens aos amigos e familiares no Brasil e alhures. Ainda encontrei um pequeno bolo de presente pela ocasião.
À recepção, dois ucranianos — certamente longe das famílias, ou que celebram o Natal no Calendário Juliano como fazem os russos, 6 de janeiro — ficaram fazendo o turno por vezes inglório do trabalho à plena noite de Natal. Conversavam animadamente enquanto eu escutava músicas natalinas americanas e tomava vinho quente junto da árvore. Minha mãe estava comigo, então eu não estava exatamente “desfamilhado”.
E assim passava o Natal em Praga, essa cidade encantadora. Se muitas pessoas a acham fascinante por seu toque algo sombrio medieval na maioria do ano, neste período de Natal ela se transforma numa cidade luz.

Que maravilha!… espetacular essa cidade e no Natal se reveste de maior beleza e luminosidade. Impressionante. Difícil descrever a sensação e as emoções que ela nos transmite. Magnificas obras de arte, arquitetura ímpar e pujante, jogos de luz encantadores, ruelinhas, pontes casarios, tudo lindo. Um presente para os olhos e para os corações. Belissima cidade, linda postagem. Parabéns, jovem amigo viajante. Felizes festas e que venham muitas belas viagens e postagens em 2020.