Scania não é só marca de caminhão. O nome origina-se da região homônima onde a empresa é sediada, a ponta sul da Suécia, cuja península também deu aos romanos o nome Scandinavia.
Sim, os romanos antigos sabiam um pouco sobre esta Europa nórdica, embora ela estivesse longe demais para ser conquistada. Havia muitos germânicos no meio do caminho. Os escandinavos também são germânicos, suas línguas se assemelham ao alemão, mas ao longo dos séculos eles desenvolveram uma cultura diferente.

É Plínio, o velho (23/24-79 d.C.), um autor, naturalista e almirante romano, quem primeiro escreve sobre a Scania e a Scandinavia, que na época significavam a mesma coisa. O nome Skåne quer dizer “terras perigosas na água”, referindo-se a bancos de areia ao redor da península que à época encalhavam barcos.

Os romanos, como talvez os próprios escandinavos (que à época habitavam apenas essa porção sul e as áreas costeiras), pensavam que se tratava de uma ilha. Mais ao norte viviam os sami, um povo mais antigo aparentado dos finlandeses.
“Escandinávia” enquanto alcunha geográfica e socio-política só cai em grande uso no século XIX, com os albores do nacionalismo na Europa e um sentimento por parte de pensadores nórdicos de que eles eram todos a mesma família. Em 1839, o dinamarquês Hans Christian Andersen — que já foi até tema de enredo de escola de samba no Carnaval, por criar muitas das histórias infantis mundialmente famosas, como O Patinho Feio, O Soldadinho de Chumbo, A Pequena Sereia e outras — expressava esse sentimento no poema “Eu sou um escandinavo!” para falar desse sentimento de pertença social que ia além do Reino da Dinamarca.

A Dinamarca, em falar nisso, era quem controlava a Scania até perdê-la nas guerras fratricidas com a Suécia em 1720. As pessoas dessa província — conheço muitos pessoalmente — até hoje sentem-se um tanto diferenciados dentro da Suécia. Acham-se uma coisa um pouco mais europeia, mais conectada com os demais países dali, embora não me conste que ninguém queira voltar a fazer parte da Dinamarca.
É para mostrar um pouco da diversidade sueca. Sua extensão de norte a sul (apr. 1.500 Km) é um pouco como a distância entre Salvador e o Rio de Janeiro — uma imensidão na Europa, que faz meus colegas suecos às vezes dizerem que “a Suécia é enorme!“, ao que eu tenho que rir e perguntar-lhes qual adjetivo eu deveria então usar para o Brasil. Vendo-se claramente diante de outros parâmetros, eles se riem e soltam um “Err… Imenso!“.
A Suécia não é mesmo “imensa” como o Brasil, mas é longa o bastante para eu ter encontrado um ambiente bem diverso cá no sul, após minha expedição rumo ao norte e até o Hotel de Gelo que mostrei no post anterior.
Em Skåne, na pitoresca cidadezinha de Ystad, eu encontraria um jeito pitoresco diferente — quase germânico —, e quase nenhum gelo.


Ystad hoje é famosa na Suécia — e algumas outras partes da Europa — por razões outras que não a sua história, mas ela já tem cerca de um milênio nas costas.
Uma curta viagem de 40min em trem regional o traz de Malmö (ou 1h desde Copenhague) até este povoado costeiro de onde os Vikings se lançavam ao mar para pescar ou com outros fins.
Só que estamos falando da Era Viking tardia, já após o ano 1000, quando grandes esforços estavam sendo empreendidos pelas monarquias europeias para cristianizar estes povos. Aos poucos, conseguiram. Ystad preserva ainda hoje um mosteiro franciscano de 1267, assim como muitas construções medievais com madeira e no chamado estilo gótico de tijolos, típico das circunvizinhanças do Mar Báltico.


Eu dei umas boas voltas nessas ruas, vendo talvez mais aves que pessoas numa quieta manhã de fim de semana.
Os moradores estavam simplesmente dentro de suas casas; já os suecos que visitam ficam olhando para os cantos quando andam pelas ruas de Ystad, pois aqui se passam os crimes desvendados pelo detetive Kurt Wallander, dos livros do escritor sueco Henning Mankell. Ele, falecido em 2015, foi traduzido em todo o mundo, inclusive no Brasil, e têm um séquito de fãs especialmente na Europa.
Não me pergunte ao certo por que ele escolheu Ystad como cenário das suas tramas. Há um toque melancólico nas obras, que dizem ressoar bem das ruas quietas e do mar frio diante da cidade, mas deve haver outras razões. Sei que o Centro de Informações Turísticas da cidade oferece Wallander Tours aos fãs da obra interessados em seguir os passos do detetive.
Eu ainda não li, embora tenha recebido um de presente — com dedicatória e tudo — anos atrás de uma amiga espanhola que achou esses livros bons para pegar o jeito do inglês.



Tomei um bom café para combater o frio, como o fazem os suecos, comi algo e seguir a circular por estas ruas. Mesmo quem (ainda) não leu as obras, como eu próprio, vai admirar-se da arquitetura singela e tradicional nesta cidadezinha. Aos interessados, há também história dos primeiros passos do cristianismo nesta região.

Notem esse estilo vertical com arestas retas, típico também em Hamburgo (Alemanha), Gdansk (Polônia), e mesmo Amsterdã (Holanda).
É que Ystad no século XIII veio a integrar a famosa Liga Hanseática de cidades que faziam comércio pelos Mares Báltico e do Norte. O principal produto daqui era o arenque, peixe, herring em inglês e por isso símbolo daquela marca de roupa que muita gente no Brasil veste sem perceber.
Estávamos aqui, àquela época, no Reino da Dinamarca, já cristão desde o rei Harald Bluetooth se converter em 985. Começaram então a ceder terras à Igreja para que viessem ordens monásticas para cá. Assim viriam os franciscanos pra cá Ystad, e assim se faria também no século XIII a Igreja de Nossa Senhora que ainda permanece na cidade.
Só em 1658 é que estas terras — Ystad e toda a Scania — passariam a integrar a Suécia.



Muita gente no Brasil não compreende isso, por ser distante da nossa realidade, mas por séculos nos países europeus era proibido ter outra religião que não a religião de estado. Cuius regio, eius religio era o mote a partir de 1530, após a Reforma Protestante, indicando que cada país seguisse a religião pessoal do respectivo rei.
Na Suécia, isso significou que se fundou uma Igreja (Protestante) da Suécia, nos moldes do Anglicanismo, e todas as igrejas católicas foram portanto convertidas — como o são até hoje.

Hoje, Ystad é lugar pacato — ou misterioso, se você for leitor de Henning Mankell — que guarda evidências desses séculos que se passaram e ruas singelas onde andar. Estejam apresentados.



Lindinha a cidade.Fofa, aconchegante. Parece de brinquedo. Amei essa arquitetura tanto no casario como nos templos. Gostei das suas ruelinhas fofas com casinhas coloridas. Uma gracinha.
Achei curioso que as igrejas protestantes tenham tantas imagens e se pareçam tanto com as católicas daqui do Brasil. Os protestantes daqui abominam as imagens. Fiquei surpresa com essa realidade dai. Dá a impressão que são Católicas. Interessante.
Gostei da região e da cidadezinha. Obrigada pela bela postagem.