Eis um simpático, pequeno e pitoresco país budista de que pouca gente no mundo tem notícia: o Laos.
Deitado eternamente no berço esplêndido do interior montanhoso do Sudeste Asiático, é como se ele inexistisse, enfiado que está entre o Vietnã, a Tailândia e o Camboja. Banhado pelo famoso Rio Mekong e com seus meros 7 milhões de pessoas (um décimo dos vizinhos), embora numa área do tamanho do Estado de São Paulo.

Os laocianos ou povo Lao, como são mais corriqueiramente chamados, são um dos muitos grupos étnicos do Sudeste Asiático. Fazem um degradê de povos que vai até as minorias de Yunnan no sul da China. Áreas montanhosas sempre facilitaram multiplicidade e independência — vide a Suíça com seus múltiplos e incompreensíveis dialetos de alemão.
Predominantemente budistas e gente muito tranquila, os Lao experimentam bastante dureza do século XIX pra cá. Desde que os franceses acharam por bem colonizá-los, os ingleses incentivaram o cultivo de ópio (um tráfico que se mantém até hoje), e depois os norte-americanos resolveram sair bombardeando todos por sua paranoia imperialista que não respeita vidas estrangeiras.
Você sabia, por exemplo, que a Guerra do Vietnã não se deu só no Vietnã?


Este foi um reino budista independente de 1353 a 1707, o Reino de Lan Xang, cuja capital inicialmente ficava montanhas adentro na cidade histórica de Luang Prabang. Depois foi transferida à capital atual, Viang Chan (a “cidade do sândalo”), que os franceses não acertaram a pronunciar direito e chamaram de Vientiane. Às vezes se aportuguesa como Vienciana, embora essa latinização seja meio forçada.
Em 1707, Lan Xang se quebra em três reinos menores, que acabam caindo sob a suserania dos vizinhos tailandeses no fim do século XVIII. Aí vêm, é claro, os franceses em espírito mui libertário — pós-revolução — “libertar” os Lao dos tailandeses e se tornar eles próprios os novos mestres.
A receita é a mesma há milênios, passando pelos espanhóis que “libertaram” os demais índios dos astecas, ou os EUA “libertando” as Filipinas dos espanhóis em 1899 para fazer delas a sua colônia (as Filipinas ficariam independentes dos EUA só em 1946). Só troca de mestre, mas quem está por baixo continua apanhando.
Na Guerra Franco-Siamesa (1893), a França abocanha estas terras dos Lao para sua crescente Indochina Francesa, que já incluía o Vietnã. A ambição francesa era utilizar o Rio Mekong para chegar ao sul da China e assim adentrar na Ásia, além de fazer frente aos britânicos que a essa altura já tinham Myanmar como colônia. A Tailândia permaneceu independente — nunca foi colonizada — como um acerto de cavalheiros entre britânicos e franceses, para servir de tampão, de zona neutra.

Você certamente já ouviu falar nas Guerras do Ópio, quando no século XIX os britânicos atacaram a China porque o imperador proibiu o comércio de ópio. Os britânicos, gente muito fina, queriam ganhar dinheiro vendendo drogas e lucrando ao viciar a população. (Foi nessa que eles adquiriram Hong Kong.)
Pois bem, a produção de ópio, precursor da heroína, ambos feitos a partir do látex da papoula, se dava na Índia e gradualmente expandiu-se aqui Sudeste Asiático adentro. Existe até hoje — e em verdade muitos turistas ainda vêm cá a fim de experimentar.
Os franceses aqui na Indochina tinham nominalmente o monopólio do direito de dopar a população, mas na prática aqui era o “Velho Leste”.
Quando a França fica enfraquecida após a Segunda Guerra Mundial, ainda tenta uma solução elegante, a chamada União Francesa — de que você talvez nunca tenha ouvido falar, mas que foi uma tentativa moderna de preservar as suas colônias na África, na Ásia e na Oceania sob um novo arranjo. Durou de 1946 a 1958.
Ninguém queria. Os resultados foram a Guerra da Argélia no norte da África e a Primeira Guerra da Indochina por aqui. (Na Oceania, de populações pequenas, nações seguem sendo colônias francesas até hoje.)

Mas o Laos é independente. Adquiriu sua soberania “a ferro e sangue”, como diria Bismarck.
Quando eu cheguei a Vientiane numa noite, avistei a sua bandeira azul e vermelha, com um círculo branco no centro, hasteada aos números à margem do Rio Mekong.
Do outro lado já é a Tailândia. Curiosamente, esta capital fica justo na fronteira. Lá atrás, país adentro, o interior de cidades pequenas e as pouco povoadas montanhas.

A outra bandeira, com a foice e o machado, não é nem da China nem da extinta União Soviética, mas simplesmente a bandeira do Partido Revolucionário do Povo do Laos, que governa o país a mãos de ferro desde 1975. Segue na linha dos partidos comunistas da China e do Vietnã.
Vocês não achavam que um país com uma História dessas terminaria sendo um paraíso de liberdades. Se bem que, falta de democracia por falta de democracia, a vizinha Tailândia segue governada por uma junta militar desde 2014 e ninguém (fora da Tailândia) parece reparar muito. A diferença é que lá vibra o amarelo da realeza em vez do vermelho, mas autoritarismo não tem cor.
No dia-dia como turista, não se percebem essas coisas. Eu cheguei e fui logo ver o Mercado Noturno de Vientiane (Vientiane Night Market), nessa orla à beira do rio.



O comunismo do Laos não se mete muito com religião, então há maravilhosos templos budistas aqui e ali na capital. Dois-terços da população do Laos são budistas, e o restante segue a chamada “religião popular” — crenças tradicionais animistas que variam de região para região.




Os templos budistas aqui no Laos são lindos, e lembram algo do que se vê também no norte da Tailândia, como em Chiang Mai.
Porém, o lugar mais visitado de Vientiane é o COPE (Cooperative Orthotic and Prosthetic Enterprise), ou Empreendimento Cooperativo Ortótico e Prostético. Oi? Como assim?
Isso é porque até hoje são dezenas de milhares de deficientes físicos no Laos, necessitados de assistência por conta dos inúmeros artefatos explosivos deixados pelos EUA.


De acordo com o prestigioso Pulitzer Center, entre 1964 e 1973 os EUA lançaram nada menos que 270 milhões de bombas sobre o Laos. (Sim, é difícil acreditar, mas este foi o tamanho da devastação. Cada bombardeio lança várias.) Um total estimado em 80 milhões não explodiu e segue tolhendo vidas até hoje, 40% delas crianças que encontram os artefatos ao brincar.
Se você acha triste, eu também acho. O COPE Visitor Center é portanto uma parada importante àqueles que tiverem a chance, por razões humanitárias, de ver o que se passou e ainda se passa neste país esquecido.
Se você se pergunta o porquê disso, foi parte do esforço norte-americano de impedir a formação de um estado comunista aqui. (Preferiam a marionete real deixada pelos franceses.) Nos EUA, esta é uma chamada “guerra secreta”, pois oficialmente o país estava em guerra com o Vietnã e não com o Laos, mas o Laos acabou envolvido na conflagração.


A Guerra Civil do Laos é como comumente se chama esse período entre a expulsão dos franceses nos anos 50 e sua conclusão em 1975. De um lado, os partidários da realeza com apoio francês e estadunidense. Do outro, os insurgentes comunistas com o apoio dos Viet Congs, que adentravam o Laos também como rota para atacar Saigon no Vietnã do Sul.
Pois bem — ou pois mal. Estamos hoje neste país que até agora tenta se recuperar, sem ninguém arcar com a responsabilidade pelas atrocidades e seu legado. O Laos segue precário, um dos países mais pobres de toda a Ásia, sofrendo com as bombas não explodidas, com os efeitos do agente laranja, mas com sua gente resistente e aos pouco se estruturando.



Era o começo das minhas andanças pelo Laos.

Ihhh… que lindo esse templo e que cidade bonitinha. O povo também é muito simpático. Tanto os templos quanto o povo são parecidos com os da Tailandia.
Famoso e histórico rio Mekong. Lindo.
Pois é, do lado de ca do Brasil ninguém sabia que esses outros povos estavam no meio da guerra. Os países eram pouco conhecidos. E suas capitais só com os nomes, conhecidos por estudiosos de Geografia ou História.
Que beleza um viajante desse nível, meu jovem, para informar sobre países tao interessantes e pouco conhecidos. Uma maravilhosa lição de Historia e de Geografia. Parabéns. O senhor, meu jovem precisa escrever livros sobre essas magnificas viagens. Encantaria os estudantes.
Mas que terrível esse “apetite” insaciável de dominação que tem esses países colonialistas e imperialistas. Coitado desse povo, passando de mão em mão e de forma tao desrespeitosa e cruel.
Triste você ver que eles dopavam as pessoas para viciar e ganhar dinheiro com as drogas. Tenebroso e difícil de crer. Essa guerra do ópio é uma vergonha histórica e diz bem do passado criminoso de muitos dos países ricos hoje. Triste ser humano, homo lupus homini.
E que cousa aterrorizante isso de terem deixado minas terrestres que podem explodir e mutilar pessoas ainda hoje. E o pior é saber que largaram ai e nem foram obrigados a virem desarmar nem indenizar ninguém pelo horror da destruição e da mutilação. Meu jovem, que mundo é esse nosso. Arremaria.
Muito bom esse projeto de ajuda com próteses e ósteses aos mutilados.
Mas voltando às belezas esse templo dourado é fenomenal. Magnifico, precioso.
Linda a orla do Mekong. Bem bonitinha a capital.
Belíssima natureza. As montanhas são uma beleza à parte, Imponentes. E que povo simpático, simples e pacato. O budismo também é responsável por algumas dessas qualidades, ao meu ver. É muito pacífica.
Bela e importante postagem. Apreciei conhecer o povo e o pais. Vamos que vamos. Que venha mais Ásia.