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Laos

Comidas (estranhas) em Luang Prabang, Laos

~ Parte 2 – A Terra ~

Sob a aura do budismo que impera em Luang Prabang durante o dia, à noite o seu revés. Quando a fumaça de incenso é substituída pela fumaça de churrasquinho. De que é o churrasquinho eu não sei.

Não que estejamos diante de um caso laociano do clássico Losing my religion (“perdendo minha religião”), mas a aura da cidade muda, sim, de figura quando o sol se põe. Ganha contornos mais terrenos.

A rua principal, antes sob o reluzir do sol nas pontas douradas dos templos, fica tomada de barracas vendendo tecidos e souvenirs sui generis, como utensílios (pulseiras, colheres, abridores de garrafa…) feitos a partir dos detritos das bombas lançadas pelos norte-americanos (1962-1975), e que eles agora vendem aos turistas. Disso eu falarei depois. 

Graças em muito a esse bombardeio, os laocianos são pobres, e comem de tudo. É curioso, pois como foram por muitos anos colônia da França (1893-1953), há hoje uma mistura de pâtisserie e coisas “da terra” como sapo frito, morcego, e o que mais você pensar destes budistas.

Vamos a um passeio por este curioso “outro lado” que eu encontrei em Luang Prabang.

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O Mercado Noturno de Luang Prabang, na rua principal da cidade, com sua grande oferta de tecidos.
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Turistas passeando pelo Mercado Noturno de Luang Prabang.

Eu vos advirto que esses não são todos necessariamente produtos artesanais; pareceu-me mais muitos vendedores re-vendendo as mesmas coisas oriundas de indústrias baratas da região, por preços praticamente iguais. É um certo cartel. É bonito, mas não espere grande diversidade nem variação de preço.

Enquanto que na Tailândia os próprios tailandeses se misturam aos turistas estrangeiros e, portanto, os preços são bem camaradas, adequados ao bolso do tailandês, aqui há também uma separação maior entre a economia do povo local e as coisas para turista — com preços bem mais altos. Lembro que tive dificuldade em comprar pratinhos de manga ou jaca pelos quais queriam me cobrar preço de gringo, o dobro do que me custariam no Brasil.

Já as “comidas de sal”, como diria minha avó, têm um preço mais acessível (ver abaixo). O mercado talvez valha mais como passeio que como saída para compras, a meu ver. 

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Eles montam e desmontam essas barracas vermelhas todas as noites no centro histórico. (Funciona das 17-22h).
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Animados vendedores laocianos de patisserias francesas. Os gauleses deixaram sua influência aqui. (Não respondo pela qualidade. Algumas até são boas, já outras ficam só na intenção.)

Já se você quer uma coisa “de raiz”, local, vamos às comidas típicas e estranhas dos laocianos. Perdoem o meu subjetivismo, pois elas são estranhas pra mim — e, suponho, para a maioria de vocês —, não pra eles.

Neste Mercado Noturno de Luang Prabang há toda uma ala lateral, que não é das baianas, dedicada às comidas típicas. É o corredor do churrasquinho, que você ou identifica pelo cheiro ou pela origem da fumaça que paira.

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Sejam bem-vindos à muvuca.
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Garota ponderando o que escolher, diante de tantas opções apetitosas. Há caldos apimentados semelhantes aos da Tailândia (embora aqui me pareçam usar menos o leite de coco), e muitas carnes fritas. Note as saladas vendidas dentro do saco plástico.
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Caldos mis a serem comidos com arroz na barraca da tia. Quase sempre se tratam de carnes e ou legumes em pedacinhos no caldo temperado e apimentado.
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Há também grande oferta de churrasquinhos e linguiças de origem não-identificada.
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Frangos inteiros, com uma cervejinha “gelada” ali atrás.
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Calma, há também outras compras alimentares, para todos os gostos, como estes chás típicos aqui da Ásia, alguns deles com gengibre. Muita coisa de medicina natural à venda.
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Também outras esquisitices, como pulmão de búfalo em pedacinhos.

Acho curioso quando vejo as pessoas comerem coisas que nunca passaram pela minha cabeça comer (como foi também o caso da sopa de grama que me fizeram tomar na Bielorrússia, pra não dizer que são só as vísceras).

Se à noite todos os gatos são pardos, pela manhã você os distingue muito bem. O Mercado Matinal de Luang Prabang, que é mais uma feira-livre, é para os fortes. Não há cachorro em gaiola nem nada dessas coisas às vezes postas na internet, mas há, digamos, mais do que na feirinha da sua cidade.

Eu fui umas voltas e comer uns pitacos nesse mercado matinal logo após ver a cerimônia de doação de esmolas aos monges na madrugada, ainda antes do horário do café da manhã da minha pousada — como que para me abrir o apetite.

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Como em outras partes do mundo tropical, a feira-livre começa antes do raiar do dia. Este é o chamado Mercado Matinal de Luang Prabang (Luang Prabang Morning Market).
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Comecei vendo muitas coisas “normais”, antes que pensem que são só estranhezas. Mangas, tangerinas, e o rapaz ali separar uns bagos de jaca.
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Aí perto das frutas você vê ovos e sapo grelhado. (Outros vendiam sapos ainda vivos.)
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Lá vai ela, que vem e que passa, olhando as bananas e…
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Morcegos amarrados, prontos para petiscar.
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Estes morcegos aqui pareciam ter sido capturados esta noite.
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Sapos vivos à venda.
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Besouros tentando escapulir da cesta.
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Ovos multi-cores. Esses cor-de-rosa são como os “ovos de 100 anos” chineses; deixados temperar por um tempo com sal, cal, e argila. O ovo acaba ficando preto por dentro e bem concentrado em amônia. Que delícia que deve ser.
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Eu dando umas voltas naquela manhã nublada pelo Mercado Matinal de Luang Prabang, aqui no Laos.
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Pele de búfalo para você fritar e servir aos amigos no domingo. Como você pode ver, eles aqui usam tudo do búfalo.
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E esta bela cestinha de folha de bananeira…?
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Uns saborosos quitutes de goma de arroz com coco ralado por cima. Seus maldosos que pensaram que era algum esparro.

Pois é. Os laocianos são muito religiosos, mas precisam comer. E, diante de sua pobreza, caiu na rede é peixe. Comem de tudo, aproveitam tudo, e fazem uns quitutes saborosos de vez em quando.

Eu retornaria à minha pousada a tempo do café da manhã — um omelete acompanhado de um prato de frutas e suco de abacaxi, nada exótico. Não me apeteceu comer morcego.

O Laos, como alguns outros países, é rápido em absorver cultura alheia e diversificar suas opções. Ninguém ache que antropofagismo cultural é exclusividade do brasileiro. Inclusive, aqui somos nós os devorados. Olha aí na foto.

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Uma digna lanchonete em Luang Prabang com, basicamente, de tudo. Até caipirinha sai.
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Vou até abrir uma barraquinha aqui de café.

[“Ovantine” é tipo uma vez quando eu estava na locadora, no tempo em que havia locadoras (de vídeo, pessoas novas, não de carro), e um cidadão de voz rápida lá em Feira de Santana começou animado a falar do filme djô come tchamo. Ficamos um tempo a nos perguntar que filme era aquele — soava até pornô, devassos como foram os anos 90. Até compreendermos que ele se referia a Dio, come ti amo! (1966). Ovomaltine assim virou “Ovantine” na voz rápida de algum laociano aqui de Luang Prabang.]

Passados estes aspectos terrenos, encerrarei minha estadia em Luang Prabang no post seguinte com a parte final: a vida.

Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

2 thoughts on “Comidas (estranhas) em Luang Prabang, Laos

  1. Hahahahahahahaha. Arrremaria meu jovem amigo…que horror de coisas estranhas são essas…hahah Ô coitados… ter que comer essas coisas horríveis para se manter vivos.. que horrror.. Deus me livre dessas comilanças meu amigo. Taí, uma coisa da Asia que não consigo apreciar, são essas comilanças estranhas hahah Tá doido.. sapo, besouro, morcego… pulmão de bicho arrrre.. É demais para o meu estômago de vegetariana hahah. Sai pra la. Afora a precariedade e a necessidade, esses habitos e costumes alimentares são estranhos mas divertidos. E como comem hhah..como se não houvesse amanha.. parece o povo aqui tomando cerveja e comendo churrasco. E que historia é essa de vender restos de bomba. Espero que o senhor nos conte.
    Muito bem. Apesar dos besouros sapos, morcegos e outros bichos, gostei de saber dessas coisas. Obrigada.

  2. ahhhh esqueci de comentar…adorei o senhor com sua cafeteria ambulante…faria sucesso aqui . Principalmente se trouxesse o Thai coffee,, hahaha Leva jeito… e se contasse essas histórias, entao.. faria concorrência grande , Entraria para a historia do lado de ca hha. E que engraçado o talzinho com o nome do filme hahaha só o senhor para identificar hahaha olhe, meu jovem.. esse blog é interessantíssimo. Dá de tudo hahah , Valeu

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