Talvez você imaginasse o Camboja como um lugar quieto. E é, mas não aqui na cidade de Siem Reap, coração do seu turismo. Muito menos à noite na Pub Street, ou a “rua dos bares” com um nome assim bem em inglês para os turistas internacionais.
Apesar da sua herança histórico-cultural riquíssima, o Camboja é o país mais pobre e precário da parte continental do Sudeste Asiático — melhor na região apenas que o pequenino e paupérrimo Timor-Leste, recém saído de guerra numa ilha que pertenceu à Indonésia até 2005.
O Camboja sofreu bombardeios dos EUA durante a Guerra do Vietnã, depois matanças com o regime totalitário de Pol Pot e os Khmers Vermelhos (1975-1979), e até hoje padece numa ditadura.
O povo resiste, vivendo na pobreza em meio às seculares ruínas dos antigos Khmers — de onde os Khmers Vermelhos tiraram seu nome —, uma poderosa e portentosa civilização ancestral dos atuais cambojanos, que aqui prosperou entre 802 – 1431 e governou boa parte deste Sudeste Asiático na Idade Média. Suas ruínas em pedra remanescem como testemunho dessa grandiosidade de outrora. Angkor Wat é o mais famoso, mas está longe de ser o único sítio.
Vamos conhecer o Camboja nestes próximos posts. Primeiro, a minha chegada a esta turística cidade do país de hoje. Depois, veremos juntos as ruínas antigas em detalhes, e depois vocês me acompanham até a capital Phnom Penh, mais ao sul, para conhecer algo dessa História recente e a situação atual lá.




Chegamos de avião a Siem Reap, este hub ou centro principal do turismo arqueológico no Camboja. “Arqueológico” entre aspas, porque o que boa parte dos turistas quer é a festa e a folia em um país barato e, para a maior parte dos estrangeiros que aqui vêm, exoticamente tropical.
O voo desde Luang Prabang (Laos) nos trouxe aqui à tarde, só mesmo o suficiente para ver o cair do sol na cidade e não chegar à pousada já no escuro.
Um “táxi” também com aspas nos buscou. Na real, um tuk-tuk tipo moto com carroceria para duas pessoas atrás e um espaço qualquer para malas.


Um moço cambojano que não falava inglês, mas tinha um papel com meu nome e nos sorria placidamente, apanhou-nos até a pousada de Ken, uma moça cambojana de seus 38 anos, simpática e de sorriso franco — embora o olhar revelasse que ela não dizia tudo o que pensava. Seu filho de seus 3 anos circulava pelo que era uma casa com área de terra à frente.
Pátios acimentados com cadeiras e mesas sob um telhado revestido de palha seriam onde tomaríamos café da manhã e, boa parte das vezes, também o jantar com pratos cambojanos. (Você aí sabe algo da comida cambojana?)
Ao lado, uma jaqueira ominosa e portentosa — como são as jaqueiras — se punha ali, sua beleza e charme contrastando com o risco de uma jaca lhe cair na cabeça.

Havia uns mosquitos, mas menos do que você talvez imagine. A temperatura estava aquela dos trópicos nos seus meses frios: seus 22 graus durante a noite e 30 durante o dia. Um pouco como o norte da Tailândia ou o Laos, este norte do Camboja não me pareceu úmido nem quente demais nesta época “fria” do ano (dezembro a março). Phnom Penh depois seria outra realidade.

Dans ma rue (ou “na minha rua”) é uma canção já clássica de 1952 da finada Edith Piaf, reinterpretada mais recentemente pela também francesa Zaz (escute aqui se não conhece; é bonita).
Fala, naquela citadina e romântica ambientação francesa de outrora, de como os amantes caminham pelas ruas de Monmartre. Aquele romantismo algo lamentoso tipicamente francês, que se vê também na música de Aznavour.
A minha rua no Camboja, que era ainda colônia francesa da Indochina à altura de 1952, é muito diferente.
Se havia amantes, certamente. Eles contudo não passavam a caminhar de dois em dois, mas sim de moto e já em três — com uma criança sentada na frente, naturalmente ninguém com capacete.
Ou paravam conversando em barracas vendendo coco verde, garrafas de gasolina para as motos ou guloseimas regionais, ali expostas aos elementos em tachos de fritura armados sobre o chão de terra.

Ouviam-se não os músicos de que Piaf fala nos telhados de Paris, mas o ronco das motos e o conversar por vezes alto das pessoas, acompanhado ocasionalmente de um daqueles gritos a alguém do outro lado da rua ou de uma gargalhada gostosa, daquelas irrestritas, de quem ao contrário das pessoas ricas não tem poses a manter.
No fim da letra de Dans ma rue, entendedores de francês saberão, o eu-lírico morre. Como em La Bohème e também outras tais canções de época, o fim é triste e de drama pessoal. A França parece ter ficado meio niilista depois de explorar o resto do mundo.
No Camboja as pessoas também morrem, embora nas últimas décadas mais de morte matada que de morte morrida. Dramas pessoais certamente há, mas niilismo eu duvido. Os cambojanos são de uma doçura simpática e humilde que qualquer um nota.





Siem Reap despontou à fama internacional a partir dos fim dos anos 90, com o fim da guerra civil (de que falarei mais em posts seguintes) e a promoção turística ajudada por jogos e filmes como Tomb Raider, inspirados nas misteriosas ruínas daqui.
Seu nome quer dizer, literalmente, “Siam derrotado”, Siam sendo o nome clássico e oficial do Reino da Tailândia até 1939. Estes dois vizinhos nunca se deram muito bem. Guerrearam por séculos, com a Tailândia (ou Siam) tomando este território a força no fim do século XVIII e ele sendo retornado ao Camboja no século XX.

Ela, como eu disse, é hoje o ponto de apoio para se visitar o Parque Arqueológico de Angkor, com as ruínas medievais dos antigos Khmers.
Tudo aqui gira em torno do turismo. No seu centro, a tal Pub Street repleta de bares, restaurantes, lojinhas, barracas de artesanato, e o que mais o turista possa querer. Ela é uma uma versão ligeiramente mais “roça” da Rua Khao San em Bangkok, como seu foco em luzes, som, bares e outros entretenimentos noturnos lícitos e ilícitos.
Eu fui dar umas voltas lá no centro para conhecê-la, assim como visitar o bom Museu Nacional Angkor para compreender mais da História deste lugar.
A quem vier por aqui, sugiro pelo menos um dia inteiro, à parte os de visitas ao Parque Arqueológico, para ver o que há na cidade em si.
Comecei indo a pé a alguns belos templos budistas contemporâneos perto de onde eu estava.






Eu vou contar essa história dos Khmers do Camboja medieval nos posts seguintes, conforme for visitando Angkor Wat e os demais sítios arqueológicos daqui. Eles não permitem fotografar no interior do museu, mas vale a pena pra uma visita de um par de horas. Ele é relativamente moderno, inaugurado somente em 2007, e tem uma lanchonete simples onde tomar um café se você quiser.
Eu, como normalmente quero…

Daqui não foi uma caminhada muito grande até chegar ao centro, passando por ruas comerciais e barracas mil.
Não é o horror de motocicletas do Vietnã — nem se compara —, mas você vê uns e outros pra lá e pra cá fazendo pouco caso das normas de trânsito. Isso além dos vendedores de rua e talvez ainda mais motoristas de tuk-tuk que turistas. Eu nunca antes tinha visto uma situação dessa, de oferta maior que a procura por transporte. Ficam os caras quase competindo por você, oferecendo-lhe tuk-tuk ad nauseam quando você está caminhando pela rua.





Siem Reap, de seus 140 mil habitantes, é portanto essa cidade “normal” até você chegar ao centro do centro, com suas coisas voltadas para turistas.

A Pub Street, na verdade, durante o dia tem esse ar de lugar onde a folia rola é de noite. À noite é que ela ganha vida, com luzes, cores, mais turistas e mais ambulantes. Quem durante o dia foi ver Angkor Wat, à noite volta cá para beber relaxar.



A esta altura eu preciso dizer que o Camboja tem moeda própria, o riel (KHR), mas na prática se usa o dólar (USD) para quase tudo, sobretudo no meio turístico.
O riel estes anos anda mais estável que o real, mas isso é por ele ter câmbio controlado pelo governo. 1 USD = 4 mil KHR.
A moeda norte-americana aqui circula corriqueiramente, e muito já se vende com o preço em dólar. O riel é usado quase que apenas para transações que custam menos de 1 USD (ex. uma fruta na feira, embora mesmo isso vão querer arredondar pra cima, para um dólar ou coisas tipo “Leve dois por um dólar”).
Você não precisa trocar nenhum riel além do que eles próprios lhe darão como parte do troco. E trate isso como “dinheiro de passar”. Não deixe durar na sua mão, pois pode se encontrar no final de sua estadia no Camboja cheio de riéis no bolso e não conseguir se livrar deles a tempo.



Como há muitos ocidentais, você não terá falta de hambúrguer, trattoria a quem quiser arriscar uma massa italiana no Camboja… e até comida mexicana eu vi.
Como eu gosto de comer de preferência as coisas que são típicas do lugar, meu restaurante nesta noite foi esse aí abaixo.


Brincadeira o comentário ambiental, viu gente, isopor é um negócio horrível que não se recicla. Mas quando o tio me serviu já estava ali. Lamentável como as indústrias enchem estes países pobres — sem capacidade de manejo de resíduos — de produtos não-degradáveis que depois eles não têm como resolver. O lixo aí se acumula como no Brasil.
Enfim, este era o meu primeiro contato com Siem Reap e o Camboja. O macarrão caiu muito bem, pois embora eu tenha brincado sobre verme, como aqui as comidas são bem cozidas e feitas na hora, você tem bem menos riscos que em outros lugares como a Índia ou os países árabes, de tradição culinária diferente.
O dia seguinte seria finalmente de visita ao Parque Arqueológico Angkor, que veremos em grandes detalhes.
Por ora, era pagar o preço informalmente tabelado de 1 ou 2 dólares (a depender do seu poder de negociação) e tomar um tuk-tuk de volta para casa.

Eu deixo vocês com um vídeo da dança Apsara, tradicional aqui do Camboja desde tempos antigos. As Apsaras são como ninfas celestiais na mitologia hindu-budista tradicional daqui. Breve vocês verão mais.
O show de dança é comum em Siem Reap em vários restaurantes. Procure se vier aqui. É, a meu ver, o melhor programa noturno na cidade. Quem já viajou por Bali ou outras partes da Indonésia e viu dança tradicional lá notará a semelhança cultural entre estes povos.
Como outras danças tradicionais asiáticas, é mais uma apresentação cerimonial que baile de festa. Confira um vídeo abaixo com essa dança.
Ihhhhhh que maravilha..!.. quantas luzes e cores, quanta gente animada.. mais animada e enfeitada que a famosa Time Square.. a qual acho sem sal e sem açúcar hahaha. Essa ai é linda!… animada iluminada, cheia de vida, de gente e de alegria. Que beleza!… parece dia de carnaval no Brasil hahaha Gostei do pedaço… animado…Até os turistas se soltam hahaha
E que natureza exuberante, bonita, que povo alegre, descontraído, de sorriso facil, apesar da pobreza e do abandono dos poderes instituídos. Linda a região. Com cara de pouco explorada. Que bom.
Mas os olhos se enchem de admiração diante desses magníficos e coloridos templos cheios de flores, de cores, de luzes, de beleza, de graciosidade e de significação. Estupendos. E o que dizer dessas ruínas monumentais, imponentes, soberbas que contam a historia de um povo que viveu e sofreu através dos tempos, sem perder suas raizes. Magnificat. Impressionantes. Majestosos. Lindos e cheios de histórias.
Amei essas postagens do SE asiático, meu jovem amigo viajante. Belissima regiao.
Destaque para a música de La Piaf, com toda a sua dolente realidade e para a belíssima dança. Maravilhosas.
Parabéns ao jovem viajante pela escolha desses belos e desconhecidos recantos e pela primorosa postagem.
By the way, o senhor como sempre está ótimo hahah todo prosa.. curtindo horrores…como que parte da paisagem e sempre dentro da historia hahah. Artes de viajante haha. Valeu. Que venha mais Ásia essa parte encantada do mundo. Adoro.
Adorei a cidade iluminada à noite..um charme. Lindinha.
Essa comilança parece ótima apesar do isopor haha. E que horror esses transito hahah arremariaa..