Aquilo lá não é água não viu, gente. Daquilo nem passarinho nem ninguém bebe. É uma poça de ácido. Ou, mais respeitosamente, uma lagoa de caldeira vulcânica repleta de enxofre e gases oriundos do interior da Terra.
Estamos falando do Vulcão Santa Ana, ou Ilamatepec (o “Morro Pai”), como dizem que é tradicionalmente conhecido na língua indígena daqui.
Duvido que muita gente saiba, mas ele foi a inspiração para o vulcão no singelo livro O Pequeno Príncipe. Seu autor francês, Antoine de Saint-Exupéry era casado com uma mulher salvadorenha, Consuelo, a quem ele dedicou A Rosa — aquela à qual ele dedicou o tempo que a tornou tão preciosa. Garanto que poucos sabiam, hein?
Dando seguimento às minhas andanças em San Salvador, chegada era a hora de circular um pouco pelo interior do país.

Era uma vez um rapaz coreano de seus 35 anos que tomou o ônibus errado em San Salvador e foi parar na periferia. Voltou com tudo no lugar. Poucos meses antes, contou-me ele, teve dois pneus furados no carro alugado em pleno dia do aniversário. Não me consta que tenha visitado uma benzedeira, embora talvez devesse.
Esse rapaz de óculos, cabelo cortado em formato de cuia e vários estereótipos asiáticos imagináveis era meu colega de dormitório no albergue — e seria meu acompanhante de viagem ao interior de El Salvador.
Recusada a prestimosa oferta do senhor taxista Armando Romero de me levar a Santa Ana por US$ 150, restava-nos como opção um proverbial chicken bus para ir de San Salvador até lá. Traduzido literalmente como “ônibus de galinha”, este é o apelido corriqueiro aqui na América Central para os ônibus apertados — que na verdade são ônibus escolares recebidos de esmola dos Estados Unidos — que fazem aqui a viação povão.
Afora o desconforto físico, dizem que eles são assaltados com frequência pelos chamados maras, as gangues que abundam em El Salvador — das principais razões de êxodo desta população ao México e de lá aos Estados Unidos.
Fomos assim mesmo. O coreano era enfático numa posição, para daí então mudar para a outra.
“Ficam fazendo esse alarde todo sobre a insegurança em El Salvador, e você viaja e não vê nada. Mas também não quer dizer que não vá acontecer. Aí uma vez acontece, pronto, muda toda a impressão.” Não estava errado, ele.

Nosso plano era o seguinte: já às 7h da manhã tomar um ônibus de 1h30min de viagem até Santa Ana (um chicken bus destes pinga-pinga, que saem de uma capital rumo ao interior), dar umas voltas em Santa Ana, e de lá tomar um outro ônibus para a área do vulcão, onde se faz uma caminhada até a caldeira. Retornar seria uma preocupação posterior.
Seguimos, o coreano e eu, e em verdade chegamos com a devida tranquilidade numa matinal e interiorana Santa Ana. A cidade, hoje com seus 290 mil habitantes, não nega seu passado histórico. Fundada em 1569 pelos espanhóis, ela conserva seu jeitinho de cidade pequena que, como as do México aqui perto, tem ruas retas que se cruzam e repletas de um casario colorido.


O ônibus nos deixou algo distantes dessa praça principal, e caminhar até lá tomou seus 20-30 minutos. No caminho, paramos para tomar café da manhã numa lanchonete destas simples, onde pude ter minha porção diária de banana-da-terra frita e comer umas pupusas (tortilhas de milho à moda salvadorenha).

Lá atrás, as sempre simpáticas funcionárias salvadorenhas arrumavam as coisas para o dia. Fomos dos primeiros clientes, ainda umas 8:30h nesta rua fora do centro.
Apesar da má fama e dos perigos reais, preciso dizer que andar por aqui não me passou sensação diferente do que é circular pelo Brasil.
Seguimos rumo à praça principal, e de lá iríamos finalmente à rodoviária tomar o próximo transporte que fosse às circunvizinhanças do vulcão.


Repare novamente na foto da prefeitura, acima, a placa de proibido entrar portanto revólveres, e note também como o relógio está sem ponteiro. O tempo parou neste país que entrou em parafuso.
Nos tempos do princípio do século XX, esta toda era uma promissora região cafeeira. Como sempre, havia barões — residentes aqui em Santa Ana — que governavam toda a coisa. Esta era a cidade mais rica de todo El Salvador, antes de gradualmente decair e tomar um tombo com a guerra civil dos anos 1980.
A Catedral de Santa Ana, estranhamente portentosa para uma cidade hoje pobre, faz parecer que você está na Europa e dá testemunho de uma era mais áurea deste lugar.




Precisávamos agora partir ao terminal nesta manhã tranquila e fresca que fazia. O jeito de cidade do interior aqui era ainda mais tranquilo que nos centros de cidade pequena do Brasil. Aqui sequer havia alto-falantes anunciando produtos. Eram basicamente os carros, as gentes e o vento que a gente ouvia.
Teríamos uma pequena epopeia pela frente, embora a esta altura ainda não o soubéssemos.
Primeiro, o glamour da rodoviária, La Terminal Francisco Lara Pineda. Você aí no Brasil que acha as coisas esculhambadas, reveja seus conceitos. (Terminal é substantivo feminino em espanhol, e não me perguntem quem foi Francisco Lara.)

Porém, aqui nos diriam que os ônibus que queríamos para ir ao vulcão saem de outro lugar.
“Los buses para Cerro Verde salen de La Vencedora“, nos disseram. Eu tive agora que matutar que raios era esta “vencedora”, e descobrir como chegar até lá.
Eu havia lido que as caminhadas à caldeira do vulcão têm horário fixo, e só saem uma vez ao dia: às 11h. Isto é porque um guarda acompanha os turistas durante todo o trajeto. Havia problemas de assalto a trilheiros aqui no passado, então tomaram essa precaução de regular as caminhadas.
O tempo “rugia”, como diria o personagem de José Wilker na novela. Depois de entrar em beco e sair em beco, circulando pelo suprassumo do centro de Santa Ana, encontramos a Vencedora.


La Vencedora se revelou um lugar até digno, asseado, e com funcionários gentis.
Só que foi aqui que tivemos um daqueles baques quando nos disseram que o próximo ônibus seria tarde demais para chegarmos à caminhada a tempo, daqueles baldes de água fria que fazem você crer que terá que jogar a toalha.
Eu havia lido na internet que havia do ônibus 248 para Cerro Verde todas as horas, mas não era verdade. Estávamos aqui às 10h, e segundo o funcionário só havia ônibus para Cerro Verde às 7:40, 11:00, e 14:00. Fica portanto praticamente impossível chegar de San Salvador a tempo de tomar este ônibus para lá num mesmo dia.
Cheguei a discutir outras formas com o funcionário de La Vencedora, mas elas pareciam complicadas demais para o pouco tempo que restava (como uma outra rota na qual trocaríamos de ônibus “na altura da ponte” em El Congo). Cheguei a cogitar nos resignarmos a passar o dia dando voltas na singela Santa Ana, embora aqui já tivéssemos visto praticamente tudo. Mas é preciso saber quando perseverar.
Abordei um taxista. Demorei a encontrar um, até dar com um quarteto numa praça, destas onde ficam de prosa ou a jogar dominó. Queria US$ 40 para nos levar até o ponto do início da caminhada, a uns 40 minutos dali. Pechinchei. Descobri um que aceitou ir por 30. Já é.
Rachamos o preço, o coreano e eu, e tomamos rumo para chegar até lá na hora marcada, o taxista quase cantando pneu no caminho. Chegamos às 11h em ponto, com o grupo de visitantes do dia já agregado, o guia e o policial acompanhante já ali, todos prontos para sair. Foi só o tempo de comprarmos água e uns pedaços de bolo para “almoçarmos” no trilha.

Paga-se um preço módico de acesso, e há um pequeno número de vendedores à entrada oferecendo comidas, água, e coisas gerais a turistas. Nada demais. Via-se que o lugar é pouco visitado.
Você leva pouco mais de 1h para chegar até o topo, o guia do parque à frente do grupo e o policial ao final. Apesar destas companhias obrigatórias, na prática é uma trilha normal como qualquer outra.
Batia um vento frio naquelas alturas montanhosas, mas por outro lado o calor começava a pegar no horário do meio-dia. Aquela sensação gostosa de que você está passando calor e frio alternadamente. As vistas, entretanto, nos distraíam de quaisquer incômodos térmicos.










Ficamos uma meia-hora ali até começarmos a regressar. A trilha como um todo leva cerca de 4 horas. Portanto eram umas três e pouca da tarde quando nos encontramos novamente lá à entrada do parque, a barriga cheia de bolo com água, embora não realmente satisfeita.
No todo, um passeio agradável e com aquela imbatível sensação de vim, vi e venci.
Mas peraê, e agora para ir embora daqui?
É nestas horas que entra o elemento sorte, assim como a boa vontade alheia. Quase todos — senão todos — os 15 ou 20 visitantes que nos acompanharam na caminhada estavam em veículo próprio. Alguns eram salvadorenhos vindos de San Salvador, a circular pelo país com parentes visitando dos Estados Unidos.
Um desses era Elvin, uma daquelas pessoas simpáticas e tranquilas que lhe oferecem carona sem pestanejar. Estava acompanhado de um tio e um primo.
“Só não tem espaço do lado de dentro do carro“, ponderou ele. Não tinha problema.
O coreano e eu voltamos na carroceria da caminhonete de Elvin, a poeira subindo na estrada que deixávamos para trás. Um toque meio Texas Ranger nos trópicos centro-americanos.



Veremos mais dos Maya por estas andanças na América Central.
De retorno a San Salvador, o coreano resolveu pagar jantar para todo mundo num restaurante japonês. Farra de sushi. Nada como encerrar um dia extenuante com uma mesa farta.

Esta era também uma bela forma de encerrar o início da minha viagem pela América Central. Embora ainda fosse retornar aqui depois, no dia seguinte eu trocaria El Salvador pela vizinha Guatemala.
Ihhh que cidade bonitinha!… Com cara de cidade do interior mesmo. Lindas ruelinhas com casas coloridas, uma graça. Lembram casas e ruas de cidades interioranas do México. Achei parecida com San Cristóbal de las Casas. Lindinha .
Teatro bonito de linhas arrojadas e belos tons, assim como a igreja. Que charme. E que monumental para uma cidadezinha com aparência tao modesta. Percebe=se que a cidade já foi rica. Muito bonita com suas arcadas ogivais, por dentro. E os tons, verde e rosa, são dos meus preferidos hahah.
Lindas praça e arquitetura. Belíssima a Prefeitura. Adoro esse estilo. Agrada-me sobremaneira.
Verdade, meu jovem amigo viajante, os monumentos culturais do Brasil estão lastimavelmente entregues ao tempo e aos incêndios.
Adoro essas expressões do senhor diante das guloseimas e comilanças regionais hahah. São impagáveis.
Coitado do povo com esses sistemas de transportes coletivos. Por aqui também eles aparecem, às vezes nesse nível, às vezes um pouco melhores, pero no mucho. Conheço essas tais doações e esses tais bus. Aqui vem com o nome school e são amarelo-ovo hahah um horror hahaha horrorosos e altamente desconfortáveis. Arremaria. Nem me fale de viajar em tais artefatos de 4 rodas.
Nossa.. que aventura perigosa foi essa, meu amigo… perdeu o juízo?… pensei que era um lago de águas verdes.. um vulcão… e ativo!… E o senhor tão perto da borda!… ahhhh… Quel’ hourreurrrr. Gostaria de ter aqui aqueles emotions com as 2 mãos na carinha, para expressar o meu temor pela vida do senhor hahaha,,, Nossa…que coragem… arremaria… e que subida aquela…não conte comigo para essas escaladas hahaha. E que loucura a viagem de volta haha. Só o senhor com essas aventuras haha. Ainda bem que terminou bem e com uma bela comilança regada a sushi .(Bom para quem gosta hah) .Foi de tirar o fôlego a aventura, e torci para que tudo desse certo para vocês haha. Gosto dos vulcões, mas de longe e protegida hahah.
Gostei mais dessa cidadezinha do que da capital. Bem aconcheante.
Grande abraço e obrigada pela postagem e pela apresentação da região. Valeu..
Ótima postagem. Estou visitando constantemente este
site e estou apaixonada! Dicas e posts muito legais.
Obrigada, já virei sua leitora 😉