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Guatemala

Flores, a cidade num lago: Norte da Guatemala

Bem-vindos a Flores, a cidade mais visitada do norte da Guatemala. Sim, dividimos em regiões pois a Guatemala é pequena, pero no mucho.

Do tamanho do Estado de Pernambuco, ela tem suas diferenças regionais. Se o sul montanhoso é aquele ambiente que vos mostrei de elevações, vulcões e vales, este norte é mais propriamente aquela América Central tropical do passado indígena mesoamericano: jaguares, selvas dos Maya, ruínas por entre as matas, e calor.

Como eu vim no inverno aqui do hemisfério norte (começo do ano), o calor não é agressivo. Você inclusive pode precisar de uma jaqueta à noite. O ambiente, porém, é todo tropical.

É, a propósito, das últimas florestas nativas remanescentes na América Central.

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Natureza no coração da América Central, norte da Guatemala, nas vizinhanças de Flores. Aqui próximo fica a Reserva da Biosfera Maya.
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Este que vós vedes é o grande Lago Petén Iztá. Itzá nas línguas Maya quer dizer algo como “água encantada”, enquanto Petén é “planície”. Petén é o nome deste departamento que abarca quase todo o norte da Guatemala.
Relief map of Guatemala
A Guatemala e seu relevo. Petén é a zona verde lá em cima, de planície e clima tropical no norte do país. Lá bem no norte você vê o corpo de água que é o Lago Petén Itzá. É onde estamos.
Relief map of Central America
A quem desejar maior orientação geográfica, eis a América Central. Vemos a mesma Sierra Madre também presente no México. A Guatemala está ali à esquerda no mapa. Naquele massivo de elevação ficam a cidade de Antígua e o Lago Atitlán, mostrados antes.
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Yo Amo Petén.

Bem-vindos a este outro lado da Guatemala.

Um ônibus noturno nos trouxe de Antígua para cá. Qualquer agência lá arruma isso, e há muitas onde pesquisar preço.

Cortar o país é um trajeto em dois passos: primeiro uma van até o terminal Fuente del Norte (às vezes abreviado FDN) na Cidade da Guatemala, e de lá um ônibus até Flores — ou melhor, Santa Elena, o município vizinho onde fica a rodoviária. Flores oficialmente é apenas a parte histórica, na ilha. As agências vendem todo o combo.

Os níveis de conforto e segurança variam bastante, então se certifique de não fazer esta jornada toda num chicken bus. (A menos que queira esse extra de emoção e imprevisibilidade.) Olhe também a empresa de ônibus, além do preço. A melhor delas é a Maya de Oro, com uns ônibus VIP de dois andares.

Viemos por ela, e a viagem foi uma tranquilidade. Como numa viagem em ônibus leito, e ainda nos economizou uma noite em hotel. Embora Flores tenha seu aeroporto, não há a menor necessidade de vir de avião.

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A entrada de Flores, efetivamente uma ilha no lago, conectada por uma ponte que leva ao município de Santa Elena do outro lado. (A ponte é relativamente curta e você pode atravessá-la a pé.)

A principal razão por que se visita Flores são as ruínas de Tikal, uma das grandes cidades-estado Maya no passado. Porém, a região toda está repleta de sítios arqueológicos.

A própria Flores, hoje esta pitoresca cidadezinha numa ilha no Lago Petén Itzá, foi o último reduto Maya independente durante a conquista pelos espanhóis. Se Tenochtitlán, a então capital dos astecas e atual Cidade do México caiu em 1521, foi somente mais de 150 anos depois — em 1697 — que os ibéricos lograriam conquistar este norte guatemalteco.

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Flores.

Flores naquele tempo era conhecida pelo seu nome Maya de Nojpetén. Este era um reino independente, pois os Maya formavam mais um agregado cultural que uma entidade política única — como os antigos gregos. 

À altura de 1600, os espanhóis já tinham suas cidades coloniais na costa mais ao norte, na mexicana da Península de Yucatán, assim como mais ao sul em Antígua. Porém, estas terras no meio da mata eram rebeldes e, na prática, não faziam parte da Capitania Geral da Guatemala.

Enviaram missionários para cá naqueles princípios do século XVII, mas sem sucesso. Pequenos bandos — à là bandeirantes — tampouco tiveram êxito aqui.

Não havia ainda a ponte naquele tempo, então tomar a ilha de assalto não era tarefa simples, nem para poucos. Tiveram que trazer o exército com canhões e mosquetes para então, já quase em pleno 1700 — algumas décadas antes de transferirem a capital do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro — tomarem Nojpetén para transformá-la em Flores.

Para a selva fugiram os quase 60.000 Maya que aqui viviam à altura de 1697. Muitos morreram de doenças, outros tantos se miscigenaram aos espanhóis para formar o povo guatemalteco de hoje, e boa parte segue em povoados no interior ainda preservando sua cultura e língua indígenas.

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Seu entorno ainda é relativamente verde.

Não esperem, todavia, um local isolado nem rústico. Apesar desta natureza abundante, Flores hoje é como tantas cidadezinhas no Norte ou Nordeste brasileiro: aquela mistura cabocla somada a um urbanismo algo desordenado, e certos aspectos de modernidade numa infraestrutura ainda limitada. 

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Flores hoje.
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Vendedora assistindo a algo no celular.
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A diferença para o Brasil são os tuk-tuks. No mais, o asfalto deliciosamente aumentando o calor, e os pontos de venda de chip de celular.
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Quem dá a graça, é claro, é o majestoso lago. Aqui da varanda da pousada onde me hospedei. Era uma pousada simples, apesar da ótima localização com vista.

Compramos uns abacates na feira em Antígua para comer feito guacamole com nachos no caminho. Veja aí que risco. Crianças, não façam isso com viagem em ônibus noturno sem antes saber das condições de banheiro.

Porém, tudo correu bem — até melhor que o imaginado. Afinal, não é todo dia que eu faço uma viagem de ônibus que chega horas antes do previsto. Se a previsão era chegarmos a Flores por volta das 6h da manhã, o motorista conseguiu chegar às 3h30. Desembarcaríamos no breu na noite. 

Fui acordado no ônibus pela minha italiana perguntando “Já é aqui? Não, pelo horário não pode ser.” Era. Descemos todos em Santa Elena, e de lá passamos de madrugada a outro transporte que traria a Flores aqueles de nós que vínhamos à ilha. Ao redor, aquele ar noturnal de passageiros com a cara amassada de quem dormiu pouco.

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Na calada da madrugada, quando chegamos. O sol ainda por raiar.

Ficamos ainda um tempo na agência de viagens vinculada à empresa de ônibus, esperando abrir a nossa própria pousada e algum lugar onde comer. Além disso, organizaríamos já ali de imediato a visita — dentro de algumas horas — a Tikal. Por sorte, minha ariana amiga italiana é dessas que diz “Sim, vamos!” e depois avalia se foi ou não boa ideia.

Neste caso, ambos viríamos a concordar que foi. Essa visita a Tikal eu relatarei em detalhes no post seguinte. O sítio Maya fica a uns 50 Km de distância, então é preciso organizar no mínimo um transporte, ainda que você não deseje guia. São muitas as agências em Flores organizando isso diariamente.

Atravessei a rua e tomei meu café da manhã centro-americano de ovos mexidos, feijão em pasta, pão, e banana-da-terra frita, acompanhados de uma xícara de café. Ou melhor, duas, porque eu pedi para repetir.

Daqui de Flores há também outros passeios a sítios Maya menores, como a Uaxactun. É para o caso de você ter tempo e querer ver várias ruínas. Tikal, no entanto, é incomparável com qualquer outra dessas. Comparável a ela, apenas El Mirador, uma ruína Maya recém-descoberta — e ainda maior — que fica no entanto a dias de viagem selva adentro. Para uma outra oportunidade.

Já a cidade de Flores propriamente dita, embora pitoresca de longe, não tem lá muito para o entreter. Não vi ruínas Maya na própria cidade — ao contrário de outras cidades pré-colombinas como Cusco. As ruas da cidade estão bastante modernizadas, ainda que tenham aquele jeitinho de cidade do interior de 100 anos atrás.

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Casa de souvenirs nas ruas de Flores. Parece o interior do Brasil.

Circulei por ali a gosto, notando as semelhanças com muito da América Latina afora. 

No tenga pena“, diziam-me frequentemente as vendedoras às portas, pedindo que eu entrasse na loja. Para os meus silenciosos risos com esse jeito costumeiro de falar aqui na Guatemala. 

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A praça principal com o coreto e a catedral colonial de Flores. Os coqueiros já denunciam que estamos mesmo numa parte mais tropical da Guatemala que nas postagens anteriores.

O que há de principal e não se deve deixar de fazer aqui é um passeio de barco no lago, de preferência ao cair da tarde. 

Afora isso, Flores me pareceu um destes lugares para quem gosta de relaxar, de passar tardes na rede ou na varanda tomando uma fresca diante da paisagem. Este baiano aqui não gosta de rede, apesar de todo o apreço ao meu conterrâneo Dorival Caymmi, que incutiu na cabeça do Brasil que todos nós gostamos. Porém, é claro, gosto de uma vista bela e de quando bate o vento naquelas tardes quentes.

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A imensidão.

Como você acha que a gente consegue arrumar um passeio desses?“, indagou-me a amiga italiana numa dessas tardes, à varanda da pousada, quando assistíamos ao sol irradiar o Lago Petén Itzá.

Estávamos no quarto andar, e lá embaixo um barqueiro e outro manejavam seus barcos de madeira cobertos.

Oe!!“, gritei eu lá de cima. (Viva a América Latina.) 

O barqueiro mais próximo levantou a vista.

Tudo seria ali então negociado. Preço e horário ratificados ao fim da conversa em voz alta com polegares para cima, aqui e lá embaixo. Às 17h estaríamos ao barco para um traslado sobre a água ao pôr do sol. Negociamos por 120 quetzales (ou cerca de 15 dólares) o total para duas pessoas.

Minha amiga ficou com ar de admiração diante da praticidade que certas coisas aqui na América Latina às vezes têm.

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Nosso barqueiro ao aguardo.
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O Lago Petén Itzá ao cair da tarde. Como bom sinal de conservação ambiental, ainda há crocodilos e lagartos no lago. Portanto você não verá muita gente nadando. Melhor não se aventurar dentro d’água.
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Tomando o sol poente, com a vista do lago por detrás. (Não, nenhum crocodilo irá saltar para apanhar ninguém no barco. Isso seria coisa de filme norte-americano.)
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Há margens ainda bem florestadas, embora haja inícios de um urbanismo desenfreado.

Estes passeios de barco costumam incluir uma parada onde você caminha uns 10 minutos numa trilha na mata, e sobe uma casinhola alta de madeira, tipo posto de observação. Qualquer barqueiro aqui sabe onde fica este mirante.

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Flores na sua ilha, vista lá do alto ao pôr do sol.
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Lá do alto com os últimos raios de luz.
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O sol se pondo e o lago.
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De retorno à cidade.

De retorno à cidade, notamos que Flores tem um rascunho de vida noturna, uma série de bares e restaurantes — acompanhados de carros estacionados com seus sistemas de som, naquele estilo popular latino-americano.

Nada lá muito especial, mas achamos uns tamales com salsa picante de tomate e queijo ralado por cima — uns tamales quase italianos, se diria, mas eles aqui comem isso mesmo. Esse queijo ralado de fábrica sobre comidas de rua é comum na América hispânica ao menos do Equador ao México. Nem sempre é recomendável, mas por vezes a gente faz que não está vendo.

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Nossos tamales com salsa picante e queijo ralado ao fim daquele dia.

No post seguinte, eu relato a nossa visita às ruínas de Tikal, a principal atração para quem vem por cá.

Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

One thought on “Flores, a cidade num lago: Norte da Guatemala

  1. Uuuu que maravilha de passeio, de cidade, de paisagem, de lago, de pôr de sol, de floresta de tudo … Nossa!… Quem sabia que havia tamanhos tesouros tao perto do Brasil? Meu jovem, que beleza de lago, de águas tao azuis que parecem o mar de cobalto das ilhas gregas. Que maravilhosas paisagens. E que mata ainda exuberante. Surpresa.
    E que belo passeio nesse lago ao pôr de sol. O senhor aparece iluminado, meu jovem amigo, haha e a ilha parece dourada. Belíssima região.
    Adorei o gritão e o acerto à distancia para o passeio de barco hahaha…
    Adorei a orla da cidadezinha ao sol poente e às primeiras luzes do anoitecer. Ficou mágica. Linda.
    Feliz também em ver a presença das palmeiras. Adoro palmeiras. Eu as acho muito elegantes. As brasileiras são belíssimas. Apreciei ver também as bananeiras. São lindas.
    A pracinha é uma fofura. O branco das construções com o verde das palmeiras diante do belo céu azul tropical, criou um belo cenário. Sao também comuns no N e NE do Brasil.
    Meu amigo, esse belvedere do lago a partir da varanda da pousada é surreal. Parece a visão do Olimpo. Fantástico, extraordinário, poético, magistral. Que águas azuis lindas. com certeza parecem as das ilhas gregas. E que céu maravilhoso. Um quadro que faria inveja aos mais geniais pintores. Um primor. Encantei-me.
    Chick a apresentação da cidade. Yo amo Petén. Uuuuu.
    Afora esses atrativos parece mesmo com cidadezinhas praieiras no NE do Brasil. Com sua vida simples, suas ruas estreitas, produtos do lado de fora das casas comerciais, gente simples. Claro, sem tuk tuk. aqui seriam motos, vans, kombs etc.
    Este tamal parece estar apetitoso. hahah.
    Adorei a cidadezinha e suas belezas. Obrigada. Que beleza de postagens e de viagens.

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