Eu já vi muita coisa no mundo, mas cachoeira termal, de águas naturalmente quentes, até aqui não constava no meu currículo.
Isso foi no interior da Guatemala, próximo ao município de Río Dulce, quase nas fronteiras com os vizinhos Belize e Honduras.
Viemos parar aqui quase por acidente. Não era a nossa rota. Nossa rota original se revelou infactível, pois subestimamos a limitada disponibilidade de transporte na América Central. O fato de dois lugares aparentarem estar próximos no mapa não quer dizer que haja estradas ou, havendo estradas, que haja de fato rotas de ônibus entre um e outro.
Deixando Flores após visitar as ruínas Maya de Tikal, no norte da Guatemala, e rumando para Copán (Honduras), tivemos que pernoitar em Río Dulce. Era só até aonde o ônibus ia. Do contrário, seria retornar todo o caminho até a Cidade da Guatemala no sul do país e se arranjar desde lá.
Viemos então a Río Dulce, essa “beira de estrada”, cidade de caminhoneiro cortada bem no meio por uma barulhenta rodovia. Dantes, era por um rio, que lhe deu nome e que segue aqui, mas agora é a rodovia quem mais se faz presente.
Seriam algumas poucas horas de viagem de Flores até lá, não tivesse sido um protesto no meio do caminho. No meio do caminho havia um protesto.


Foi nessa hora que eu tive que me lembrar de Dona Neide, uma simpática senhora garçonete de uma padaria perto de casa lá em Feira de Santana, e que sempre me confessou que a parte de que ela mais gosta numa viagem é ficar engarrafada na estrada. “É o que eu mais gosto!” Ela discorre sobre isso com uma sinceridade genuína que me deixa pasmo diante do poder da subjetividade humana.
Dona Neide aqui teria alcançado o nirvana, porque o ônibus se deteve engarrafado sem qualquer previsão de quando a pista seria liberada. Até nós chegou a notícia de que eram protestos, ou greve, ou alguma outra reclamação social, por tempo inicialmente indeterminado.
Ambulantes, talvez já habituados a esses sucedidos, já circulavam por ali tal qual abelhas farejam flores e vêm logo. Eu fiz como o motorista e outros e comprei uns tamales de massa de milho temperada e com salsa picante por cima. Era o jeito para ir se distraindo.

Como não há educação ambiental nem infraestrutura para manejo de resíduos sólidos, as pessoas todas atiravam seus pratinhos de isopor (uma disgrameira que não se degrada) e outros dejetos ali mesmo no mato à beira da estrada.
Por sorte, o bloqueio não foi eterno. Passadas duas horas conosco ali parados, enfim liberaram o caminho. Chegaríamos a Río Dulce, afinal.


Eram já meados da tarde quando chegamos. Teríamos feito uma conexão de ônibus para chegar ainda neste dia à fronteira com Honduras, mas agora já não dava mais tempo.
Achamos um hotel que eu havia localizado pela internet, e prontamente nos instalamos nesta beira de pista. O lugar por dentro era até bonzinho, ainda que de frente para o viaduto.

A razão de estarmos aqui, afora ser a rota até Honduras, era a tal cachoeira na Finca El Paraíso, uma chácara particular.
Como nas zonas peri-urbanas brasileiras, há vans lotação sem hora definida fazendo esse percurso. Alguém no hotel nos indicou onde tomá-las, e lá fomos, pedindo ao motorista que nos indicasse o lugar onde descer.



Não vomitamos. A viagem foi até tranquila, aquela jornada numa estrada quase toda reta, com paradas aqui e ali para o sobe e desce de passageiros. Eram todos gente local, nenhum sinal ainda de outros turistas aqui.
A Finca El Paraíso é daqueles lugares que você se sente até meio culpado por divulgar. A área de cachoeira termal dentro da fazenda, apelidada Agua Caliente, segue bastante bem preservada e eu rogo que continue assim.
O motorista da van, não para a minha surpresa, se esqueceu de nós. Teríamos ido até El Estor se eu não tivesse perguntado de novo pela nossa parada no meio da viagem. Fique atento.



A magia da coisa, afora a beleza visual, era o contraste térmico entre o riacho de águas frias e a cachoeira de águas quentes. Quando digo “quentes”, é quente de verdade, não é água morna. Não chega a queimar a pele, mas é água em torno de 38-40ºC, como em zonas termais. Certamente, é o que este lugar é.
Não espere encontrar vestiário nem nenhuma infraestrutura. Como gostava de dizer a minha antiga professora de química na universidade, que falava com um R raspado, fosse por língua pegada ou porque fez seu doutorado na Alemanha e pegou o sotaque de lá: Virrem-se.
Eu vim com um calção. Minha amiga italiana, que estava sem roupa de banho aqui, acabou por virar-se usando uma cueca preta minha — daquelas histórias que você vai contar depois quando ficar velho (“Lembra aquela vez em que…”).



Você tem vontade de não sair mais dali, alternando entre o rio frio e a cachoeira quente, e todos os graus possíveis de temperatura entre um e outro conforme você se distancia da queda.
O sol já prestes a se pôr, tínhamos porém que partir. Ainda parei para tomar uma água de coco, comprada de um jovem vendedor na área de entrada da propriedade. Lá estavam muitas crianças guatemaltecas a rondar os turistas. São crianças pobres aqui da empobrecida região a pedir constantemente “Un quetzal, un quetzal!” É doloroso. Quase deu briga quando eu lhes dei metade do coco partido que eu comia.
Isso foi depois da foto.

E para voltar?
A meta era tomar a mesma van de retorno, e para isso cruzamos a pista até um ponto de parada que havia do outro lado. Lá, porém, duas outras meninas de seus 12 anos nos diziam com um ar meio cínico que estávamos perdendo tempo, pois não haveria mais vans naquele horário.
“A última já passou. Passou há pouco.“, disse-me uma delas. Punham-se em seguida a conversar segredos uma com a outra num idioma Maya que eu nada compreendia. Estas pessoas da zona rural pelo interior da Guatemala falam mais línguas indígenas que o espanhol, embora tenham fluência em ambos.
Eu me pus a tentar entender se as meninas estavam me trollando ou dizendo a verdade. A expressão algo jocosa delas me deixava em dúvida.
— “E como é que a gente volta a Río Dulce então?“, perguntei-lhes.
— “Se você quiser, a gente para um caminhão pra vocês“, disse uma delas com a maior naturalidade do mundo.
Dito e feito. Voltaríamos de caminhão, senhoras e senhores.
As meninas puseram-se na pista diante de uma enorme carreta, que prontamente foi freando, como que já habituada à prática. O tranquilo e simpático caminhoneiro era como algum figurante de Chapolin. Aspecto de mecânico de oficina, regata folgada despretensiosa, braços de fora, jeito simples, cabeça raspada e o bigode aqui característico da região.
Caía o sol por sobre os prados guatemaltecos.

O motorista veio-nos comentando sobre a política guatemalteca e todas as tretas dos grandes donos de terras que, junto com os militares, continuam a mexer os pauzinhos e concentrar quase todas as riquezas do país. Não é à toa que há tantos pobres aqui.
Viemos de prosa uma boa meia-hora até nos despedirmos naquele tom de compadrio latino, como se fôssemos velhos conhecidos.
Chegamos a uma Río Dulce onde a noite já queria entrar. Seguia viagem o nosso amigo caminhoneiro na sua imensa carreta púrpura, e nós ficávamos aqui agora a ver esta cidade de beira de estrada se transformar na sua versão noturna.

Minha amiga italiana quase morreu nesta noite. Nada a ver com crime, embora a cidade não deixe dúvida de que há criminalidade considerável por aqui.
É que nos sentamos a uma mesa de bodega, dessas compridas onde se sentam vários, à entrada de um restaurante de beira de pista. Três caminhoneiros pernoitando se sentavam diante de nós, a conversar entre eles. Serviam-se do que parecia uma grande vasilha plástica de vinagrete, dessas de plástico transparente Made in China e com uma concha. Ficava permanentemente na mesa a quem chegasse.
O que minha amiga inadvertidamente julgou ser a salada era a pimenta. Ficaria mais púrpura que a carreta do homem. Diante do seu rubro e prolongado silêncio, pensei que estivesse passando mal. Estava, mas superou. Não chegou a ter um treco. Procurar pronto-socorro em Río Dulce seria um pouco além da conta. Comeu suas tortilhas agora sem pimenta.
No dia seguinte, estávamos todos bem e prontos para rumar a Honduras. Escapulimos ainda por debaixo da ponte a ver que o Río Dulce, afinal, ainda era. Estava ainda bonito, para a minha surpresa neste lugar.


Despedia-me eu agora da Guatemala, um país que muito me impressionou. Uma pequena notável, se diria. Natureza e cultura esplendorosas.
Hora de cruzar a fronteira a Honduras.
hahahahahahaha. Desculpe mas depois comento.. No momento estou rindo litros hahahah da aventura hahaha eita le le le hahah. hahahah. Divertidissima a aventura hahaha.
Que linda paisagem!… Essa cachoeirinha é uma fofura, magnifica, assim como seu entorno. E o recanto é mesmo encantador. Lindas águas. Que interessante, águas termais. Quem diria…E quanto verde. Bela vegetação. Pouco explorada a região. Ainda bem. Lindas paragens. Um achado. O senhor parece o dr prevenildo, hahaha. heroi de um comercial que havia há um tempo atrás na televisão. Ele pregava a prevenção de tudo hahahah. O senhor já foi preparado hahaha.
Esses campos são lindos E o rio que afinal aparece na postagem é também, muito bonito e largo. E que interessante saber que a Guatemala tem saída tanto para o Atlântico quanto para o Pacífico.
Meu jovem amigo, que aventura hahah. ..Muito engraçada. E ainda bem que conseguiram voltar de carreta haha. Essas vans também tem por aqui pelo NE do Brasil, um horror. Mas essa da pessoa que diz que o que mais gosta de uma viagem é o engarrafamento é demais.. surreal hahaha até hoje dou risada… Meu amigo… que loucura… Madonna mia hahaha …
Essas postagens são uma onda como se dizia ha um tempo atrás.
Adorei a aventura…
Povo simpático. Sorriso fácil.
Coitadas das cidades com essa falta de estrutura e coitado do povo. Avemaria, Não parece cidade, parece beira de estrada. Aqui no N NE do Brasil tem algumas dessas. Meu amigo, que fuzuê a cidade!…
Muito boa a postagem e divertida a aventura. Valeu, joven viajero.