Granada é das mais pitorescas cidades históricas na América Latina — e, por consequência, nas Américas. Exibe até hoje das suas belezas de outrora, do tempo dos barões do café do século XIX.
O café ganhou popularidade mundial nos idos de 1830, quando as ex-colônias latino-americanas são chamadas então a produzir para atender o gosto da Europa e da América do Norte. Assim no Brasil, e assim na Nicarágua. (Mais sobre o café no mundo você pode ler no meu post especial acerca da bebida.)
Granada, que junto com León disputava preponderância como capital destas terras no tempo colonial, foi incendiada em 1856 — com direito às palavras “Aqui era Granada” por parte do piromaníaco, num episódio que relato mais abaixo — e renasce das cinzas num estilo barroco e neoclássico com o dinheiro cafeeiro na segunda metade do século XIX.
Eu confesso que sequer havia ouvido falar nesta Granada antes de vir à Nicarágua — só conhecia a Granada espanhola, em Andaluzia. É que os espanhóis tinham o hábito (mais que os portugueses) de repetir os nomes de suas cidades no Novo Mundo: Cartagena, Mérida, León, dentre muitas outras.
Eu chegava aqui num fim de tarde vindo de ônibus desde León, para ser de imediato “assaltado” pela colorida catedral de Granada na simpática praça central, sob o revoar das aves ao cair do dia.


Instalei-me na pousada de Carlos, não muito distante dali.
Era uma casa antiga como tantas no Brasil, com um avarandado, redes — incluso uma debaixo de um abacateiro, onde o jovem Carlos, no albor de seus 40 anos e que havia herdado a casa dos pais, às vezes passava a tarde.
Como eu costumo dizer, antigamente as pessoas nessa idade já eram senhores, mas Carlos era praticamente um garotão boa-praça, que depois nos levaria de carro para dar uma volta na cidade.
Cuidava de sua irmã excepcional, para que não pensem mal do rapaz. E, como de hábito, havia o pequenino exército de serviçais limpando a grama, fazendo a comida na cozinha, etc.


No dia seguinte é que veríamos melhor “o que é que Granada tem”.




Talvez esta seja uma hora boa para falar um pouco da História do lugar, com a assistência de algumas obras de arte que encontrei por aqui.
Granada diz muito sobre como a Nicarágua surgiu.



Granada assim vivia a situação peculiar de ser uma cidade quase à margem do Pacífico, mas totalmente conectada às navegações do Atlântico — inclusive no que não prestava. Não faltaram piratas do Caribe navegando rio adentro para chegar ao Lago Nicarágua e saquear Granada.
Esse lago é bastante grande (é ligeiramente menor que o Lago Titicaca na América do Sul), com cerca de 150 Km desde aqui Granada até o princípio do Rio San Juan lá adiante, e seus 50-70 Km de largura. Vêm até tubarões-cabeça-chata do Mar Caribe aqui ao lago, além de uma pá de outros peixes.
Você pode fazer um breve passeio turístico de barco pelo lago a partir aqui de Granada. É uma costa tranquila, algo parada, onde em ilhotas alguns milionários têm suas casas.
Mais adiante, um passeio habitual mas que requer mais tempo (e que eu acabei deixando para uma viagem futura) é ir à vulcânica ilha de Ometepe passar uns dias. É uma ilha grande, de 31 x 10 Km, com dois vulcões geminados. Reolhe o quadro que postei acima e você os verá lá no alto da paisagem, no horizonte da pintura.




Se você for ao bom Centro Cultural Museos Convento San Francisco, poderá ver as esculturas em rocha que indígenas da ilha de Zapatera fizeram entre 800 – 1350 d.C., antes da invasão europeia.
Foram feitos pelo povo nativo Chorotega, que se miscigenou amplamente na população colonial e do qual pouco resta na forma tradicional. Poucas pessoas ainda falam o idioma. Eles são considerados o povo de cultura mesoamericana mais ao sul no continente — pois depois daqui já são os povos de origem sul-americana.
Os Chorotega, antes mesmo da chegada dos espanhóis, foram confrontados pelos Nicarao (ou Nahua, aparentados dos astecas), oriundos do atual México, e cujo nome batizaria esta terra. Com este tanto de água, circundada pelos Nicarao, os espanhóis acharam de chamá-la Nicaragua.



Caso você esteja curioso com essa cabeça europeia sendo levada ao alto pelos anjos, trata-se de Francisco Hernández de Córdoba, o fundador de León e Granada, quem mencionei no post anterior.
Ele foi decapitado em público a mando do chefe por conta de umas desavenças. (Imagina se fosse assim no seu trabalho?) Ponho para vocês no original aí abaixo um trecho da carta que ele, Pedro Arias (ou Pedrarias) D’Ávila, escreveu a dom el rey Carlos V acerca daqui em 1525.
“Es la tierra muy poblada y abundosa. Hay en ella hasta ocho mil vecinos naturales [os índios] e tiene muy buenos ríos y huertos y pesquerías y materiales. En esta ribera de la Mar Dulce [como chamavam o Lago Nicarágua] se fundó y pobló la nueva Ciudad de Granada por mi Teniente Francisco Hernández [o que seria decapitado] el año del Señor de mil, quinientos veinte y quatro [1524].”
– Pedrarias D’Ávila, 1525
A arte nicaraguense já há um tempo busca resgatar esses motivos do que teria sido a vida pré-conquista nestas terras. Digo “teria sido” porque há sempre uma idealização do artista.
Trata-se de uma versão latino-americana do primitivismo, movimento artístico europeu dos séculos XIX e XX (cujo mais famoso expoente talvez seja Paul Gauguin e suas representações da vida idílica no Taiti e Polinésia Francesa afora).




Eu comentei que Granada foi incendiada em 1856, e creio que seja hora de falar disso. Notem esta outra obra abaixo, que tem inclusive os dizeres “Aqui foi Granada“.

Em 1856, um grupo de mercenários norte-americanos liderados por William Walker imiscuiu-se na guerra civil entre Granada e León em favor desta última. O tal, no entanto, achou de ele próprio aproveitar e se declarar Presidente da Nicarágua.
Não se tratava simplesmente de homens em busca de ganho pessoal e aventura, como sugere a versão romantizada dos Piratas do Caribe da Disney. Aqueles eram os bucaneiros do século XVII. Já estes aqui do século XIX tinham também um projeto político, idealizado por Walker e gente do sul escravista dos Estados Unidos, de fundar uma colônia sob seu comando aqui na América tropical.
O desplante de se auto-proclamar presidente, no entanto, acabou por unir as muitas facções centro-americanas para expulsá-los. Ainda naquele mesmo ano, tropas guatemaltecas e hondurenhas sitiaram os flibusteiros norte-americanos em Granada. (O nome flibusteiro, freebooter em inglês, vem do holandês vrijbuiter, significando algo como um livre caçador de recompensas, mercenários.)

Se você acha que hoje o mundo é excepcionalmente ruim e antigamente tudo era bom, pense duas vezes.
Os relatos da época sobre o conflito são de uma nauseabunda situação aqui em 1856, com mercenários e habitantes remanescentes de Granada a morrer de cólera, tifo, febre amarela e disenteria aos montes, seus corpos a acumular e a feder nas ruas.
Para tolerar tudo aquilo, boa parte dos flibusteiros norte-americanos recorria ao álcool, quando não ao ópio — e se sabe que Jack Sparrow não foi o único pirata a estar cotidianamente embriagado.
Cria-se que beber água sob efeito do ópio levava a morte, e dizem que se ouviam os berros de enfermos e mercenários nas ruas a clamar por água sem receber, arrastando-se de sede.
Sob sítio e se vendo em derrota iminente, William Walker fugiu à costa e deixou em Granada seu subalterno europeu Charles Henningsen com a missão de incendiar a cidade. Quiseram destruí-la para que não fosse espólio ao inimigo, e para que as tropas priorizassem salvar a cidade em vez de ir ao seu encalço.
Dizem que os mercenários estadunidenses, que eram algumas centenas, chegaram a fazer um caixão onde se lia uma faixa com o nome de Granada. Cavaram um buraco no chão e, após uma procissão ímpia com as imagens da igreja, “enterraram” Granada.

Puseram fogo à catedral e tantas outras edificações coloniais, no episódio que ficou conhecendo como o Incêndio Flibusteiro em novembro de 1856. Num pedaço de couro cru enfiado ao chão com uma estaca de pau, fincaram a mensagem que dizia “Aqui foi Granada“.
Charles Henningsen viveu ainda para enviar uma carta ao seu chefe William Walker, documento esse que segue conservado, declarando “Você me ordenou destruir Granada. Sua ordem foi cumprida. Granada deixou de existir.”
Henningsen, que era dinamarquês, fugiu pelo Lago Nicarágua com os demais sobreviventes do assalto à cidade e foi resgatado pela marinha estadunidense. Tornou-se cidadão dos Estados Unidos, talvez pelos magnânimos serviços prestados, e chegaria mesmo a lutar em favor dos Confederados escravistas na vindoura Guerra Civil americana (1861-1865). Morreria mais tarde em 1877.
William Walker já não teve a mesma “sorte”.

William Walker, resgatado pela marinha de seu país, retornou aos Estados Unidos como herói. Escreveu um livro, publicado em 1860 com o título de A Guerra na Nicarágua (The War in Nicaragua). Não contente em se aposentar, retornou à América Central para o que seria o seu fim.
Lembram como mostrei no mapa acima que a Costa dos Mosquitos, lá em vermelho, era um domínio britânico? Pois. Agora que as nações latinas eram independentes, os colonos britânicos temiam ser invadidos e expulsos dali. Contataram então o senhor Walker e sua turma, propondo ajudá-lo a estabelecer ali um território anglófono.
Só esqueceram de acertar com a marinha britânica, a quem não agradou muito a noção de um domínio ianque por ali. William Walker foi detido ao desembarcar na Costa dos Mosquitos e, por razões que não se conhecem, o comandante britânico em vez de deportá-lo de volta aos EUA, entregou-o às autoridades hondurenhas.
William Walker seria levado ao paredão de fuzilamento e executado em 12 de setembro de 1860.
E Granada? Granada não deixou de existir. Charles Henningsen estava equivocado. A cidade se reergueria das cinzas. Como a lendária fênix, voltou mais bela.


Os maiores testemunhos do reerguimento de Granada pós-William Walker são o casario de fim de século (XIX) e suas muitas igrejas refeitas. Com o turismo bombando desde a década de 2010, há também hoteis agradabilíssimos. Granada é a cidade nicaraguense que mais atrai turistas. Hoje, os estrangeiros aqui vêm por outras razões diferentes das de outrora.









Como vocês podem ver, Granada hoje é uma cidade pacata. Apenas a 6ª maior do país, com 124 mil pessoas, ela é um paraíso de tranquilidade apesar de todo o peso da sua História.
Carlos, o dono da pousada onde ficamos, faria conosco um passeio de carro gratuito mostrando essa e aquela praça ou igreja, aonde depois fomos a pé.
Tudo aqui se faz caminhando, e as coisas de atenção ao turista estão quase todas no calçadão de 1 Km que vai da praça principal ao porto. Está repleto de agências de viagem oferecendo passeios e transportes.
Um desses passeios é exatamente o que nós faríamos a seguir, antes de deixar a cidade: uma ida ao Vulcão Masaya, ativo, onde veríamos lava a olho nu. Isso eu ainda não tinha no meu currículo.
Eu deixo vocês com mais algumas fotos desta cidade renascida, e retorno lá do vulcão para fechar esta breve estadia na Nicarágua.





Uuuuuhhh que maravalha.. que beleza..ora ora.. que charme. Que belo Duomo. Que linhas.. Quanta beleza nessa aprazível cidadezinha. Nossa, que pujante complexo arquitetônico. Linda a cidadezinha. Que bela mistura de estilos. Muito bom gosto.
Linda essa catedral alaranjada, muito hermosa. de linhas elegantes, interior discreto e belo. Com sua linda pracinha, seu coreto… Uma graça.
Essa rua central é uma gostosura, com banquinhas embaixo das arvores , Uma beleza. Muito verde. e bem cuidada a cidade.
Lindas arcadas, belos interiores, belas ruínas. Lindinha a cidade. O colorido do casario é um dos pontos altos. . Lindo e vistoso. As áreas internas dos hotéis com seus pátios floridos e suas arcadas com detalhes mouriscos, são de encher os olhos.
Lindo casario, lindos os telhadinhos coloridos, apaixonantes os balcões, charmosos, elegantes coloridos, belíssimos. Esse casario colonial verde e branco é lindíssimo, assim como a Prefeitura e o hotel. Influencia mourisca !… Que beleza, meu jovem, e em plena America Central. Uaaauu Quem diria. ora ora. Surpresa.
E que aporte maravilhoso de pintores a retratar a vida, a cultura e a história da antiga metrópole. Maravilhosas, sugestivas, e significativas as obras. Um primor. Que maravilha esse interior do convento!… Que charme!… Dá para imaginar a riqueza da época do auge do café. Aqui no brasil varias regiões enriqueceram com o café. Amei a pintura de Francisquinho de Assis conversando com o lobo. Belíssima.
Histórica a cidade e em particular esse bairro indígena. Bela essa torre.
E que história tresloucada essa de pôr fogo na cidade e registrar e enterrar.. arremaria.. que horror.. e Deus me perdoe, mas bem feito o fim do Flibusteiro. Ainda bem que o dinheiro do café serviu para reerguê-la e pelo visto, bem bonita.
Pelo visto as coisas nunca foram muito boas pelo lada de cá não. Coitado do povo. De todo o jeito sofre, como diz o nordestino aqui.
Data vênia, pelo visto, meu jovem amigo viajante, o senhor tomou gosto pelas alturas dos telhados hahaha. Não deixa de ser interessante para o cenário haha. Pois muito bem. Aprovado. Gostei muito da postagem e da cidade. Adelante.