Oslo, quem diria, tem se tornado uma capital bastante turística. É o que se vê e o que também me dizem os funcionários de lojas aqui.
Natural que a pandemia tenha esfriado os ânimos noruegueses, mas não acho que vá mudar sua estratégia. Resiliência, uma das palavras deste século, está aí para mostrar a que veio. (A quem não a reconhece, significa a capacidade de recuperar o estado anterior ao choque. Resume o célebre “sacode a poeira e dá a volta por cima”.) Na maioria da Europa já há um clima de ressurgência pós-pandemia no ar, e morando aqui eu lhes digo que o turismo intra-europeu já recomeçou.
Esta capital norueguesa no verão, eu preciso dizer, se mostrou outra bem distinta da que eu havia visto no inverno. Eu sei, esta coisa de a cidade ser diferente a depender da estação do ano pode parecer estranha a quem vive no Brasil, mas cá nas zonas temperadas — e especialmente nestas latitudes altas — faz toda a diferença do mundo.
Eu costumava dizer que Oslo competia com Helsinki para saber qual é a capital menos atrativa da Europa Ocidental. Hoje eu já a vejo com olhos mais generosos.
Oslo no verão é uma cidade mais viva, ainda que não agitada. As cidades nórdicas nunca são agitadas. As pessoas são quietas, então você sempre tem a inconfundível sensação de que por aqui tudo segue o ritmo da natureza — ditado pelas estações, pelo tempo, pela direção que sopra o vento, pelo jeito das árvores, pelas paisagens. As pessoas simplesmente acontecem de viver ali. Há uma certa magia nisso.

As ruas que eu antes vi escuras e meladas de neve agora se mostravam resplandecentes com o sol, dias longos, e até um certo calorzinho de 25 graus — verão na Noruega. As ruas, no entanto, desta vez me pareceram mais quietas.
Eu as reconheci como quem reconhece aquela pessoa que você não vê há anos, e que reencontra com um outro corte de cabelo ou jeito de se vestir.







Eu diria que Oslo merece uns dois dias inteiros de visita, se você vier aqui no verão. Embora não seja uma cidade turística por excelência, ela no fim das contas revela os seus recantos interessantes.
Eu retornei aqui para ver o famoso Parque das Estátuas agora no verão, mas sobretudo de olho em dois lugares novos que há muito eu queria conhecer e ainda não conhecia: O Museu do Navio Viking e o Museu de História Cultural da Noruega (Norsk Folkemuseum).
O nome desse último é um tanto enganoso, pois ele está longe de ser um museu convencional, e tampouco a tradução oficial faz jus ao nome original de “Museu Popular” (folke, como no nosso nome “folclore”, anglicismo de folk-lore ou “saberes populares”). Ele é muito mais um espaço campal temático, com construções originais de época trazidas aqui e funcionários em vestimenta típica antiga.
Ambos os museus ficam numa península fora da cidade, numa área chamada Bygdøy à qual você chega melhor de barco. Entre 1 de maio e 30 de setembro, há um serviço de ferry saindo do píer 3 atrás da prefeitura de Oslo. Entre 1 e 14 de outubro, ainda há uma movimentação em horários reduzidos, mas durante os meses frios do ano não há. (Normalmente há saídas a cada 30min. Você pode sempre verificar os horários e preços atualizados na página oficial.)


Caso alguém deseje um pouco mais de localização geográfica para se situar…


Os famosos Vikings da Idade Média navegavam esta costa de fiorde em fiorde, onde ficavam mais abrigados das tempestades e dos inimigos. Com um terreno tão rugoso no interior, era-lhes também mais fácil deslocar-se pela via marítima que por terra.
Foi num desses fiordes que descobriram, no início do século XX, um navio Viking do século IX relativamente intacto, preservado pelas baixas temperaturas debaixo d’água. Estima-se que o navio batizado de Oseberg, todo em madeira de carvalho, tenha sido construído nos idos do ano 820 d.C.
Sua extensão de mais de 20m de comprimento, dando espaço a 15 remadores de cada lado, está por inteira num salão do Museu do Navio Viking como sua estrela principal. O museu também tem outros artefatos daquela época.


Oseberg foi enterrado com duas mulheres numa cerimônia em 834 d.C. O uso de navios como “barcos funerários”, em lugar de caixão, era tradicional entre os Vikings, um povo tão marítimo.
Não eram mulheres quaisquer, naturalmente. Embora a sociedade Viking fosse relativamente pouco hierarquizada, ainda assim havia uma aristocracia. As duas mulheres haviam vivido bastante para a época, coisa que pouco se dava com os comuns. Estudos mostram que uma tinha cerca de 55 anos e a outra 80 quando faleceram.
Suspeita-se que a mais velha tenha sido a famosa rainha Åsa de Agder, figura semi-lendária mencionada nas sagas Vikings. Ela teria sido a avó de Haroldo Cabelo Belo (850-943 d.C.), o primeiro rei de uma Noruega unificada.

O museu é curto. Você basicamente faz um “vamos dar a volta no navio” e vê alguns outros artefatos de época também resgatados de debaixo das águas. Alguns fizeram parte do enterro das mulheres neste barco funerário, já que os defuntos iam acompanhados de pertences, alimentos, etc.
Foram práticas que só viriam a desaparecer aos poucos a partir do século XI com a cristianização dos Vikings.

Bem aqui pertinho do Museu do Navio Viking fica o Museu de História cultural da Noruega (Norsk Folkemuseum), um parque espaçoso onde você pode passar horas. Eu só não o chamo de “parque temático” porque isso na cabeça de muita gente vai evocar imagens de roda-gigante e brinquedos. Ele é, porém, uma área aberta toda tematizada e dedicada a mostrar aos visitantes elementos da Noruega de outrora.
Note que não estamos aqui falando mais da Era Viking (793 -1066 d.C.), mas do milênio que a separa dos tempos atuais. É um imenso hiato histórico para o qual poucos atentam.
Como eu vou detalhar melhor ao longo desta nossa nova viagem pela Noruega, este reino foi aos poucos se convertendo ao cristianismo lá pelos idos do ano 1000. Seu primeiro rei cristão foi Haakon, o Bom (920-961 d.C.), convertido pelo rei inglês Etelstano (ou Æthelstan). A nova religião, entretanto, foi altamente contestada e só com o passar dos séculos é que se firmaria aqui.
Por exemplo, a mais famosa peça do Museu de História Cultural é uma igreja medieval feita entre os anos de 1157 e 1216, um esplendor de arquitetura tradicional nórdica em madeira.





Este museu é bem legal de visitar durante os meses de verão (junho – agosto) porque é quando você encontra esses funcionários caracterizados. Eles não são atores, não vão interpretar nenhum papel nem fingir que vivem ainda naquele tempo, mas estão ali para lhe explicar sobre a época se você perguntar.
Note como, ao menos nesse segundo milênio, os trajes são muito mais resguardados que aquela coisa Hollywoodiana de guerreiras seminuas e cabelos soltos ao vento. (Uma amiga minha sueca que é historiadora fica fula com essas representações nórdicas pop fora da realidade histórica.)





O parque como um todo é bastante amplo; passam-se horas neste museu campal. Ele lembra muito o Parque Skansen em Estocolmo, que tem o mesmo conceito, embora este norueguês seja ligeiramente menor.
Diferentes seções do museu-parque mostram peças originais de diferentes épocas, até mesmo coisas relativamente recentes, como do começo ou meados do século XX.
Foi numa dessas pracetas que encontrei um breve espetáculo de música e dança tradicional bem interessante. Confiram uma palhinha no vídeo abaixo. A bilheteria lhe informa sobre os horários específicos destes espetáculos (normalmente só realizados no verão).


No fim das contas, é um belo histórico sobre o que foi a Noruega noutros tempos. Há onde comer, então você pode passar umas boas horas aqui. É uma boa pedida combiná-lo com o Museu do Navio Viking no mesmo dia, já que ambos ficam próximos.
Se quiser ver outras exibições nesta região, pode ainda visitar o Museu Fram ou o Museu Kon-Tiki. Ambos são sobre expedições norueguesas modernas. O primeiro mostra Fridtjof Nansen e outros que navegaram aos pólos norte e sul em navios de madeira no fim do século XIX. Fram é o nome do principal navio, ainda preservado e aqui exposto.
“Fronteiras? Eu nunca vi uma, mas eu ouvi dizer que elas existem nas cabeças de algumas pessoas.” – Thor Heyerdahl (1914 – 2002)
Já Kon-Tiki, muito antes de ser uma agência de viagens, foi o nome da expedição na qual o zoólogo e geógrafo norueguês Thor Heyerdahl atravessou o Oceano Pacífico numa balsa de madeira que ele próprio construiu em 1947.
Ele quis fundamentar a tese de que, sim, era possível fazer tamanha travessia numa embarcação de madeira, e que os polinésios o haviam feito antes dele para povoar a América do Sul. Batizou sua expedição portanto de Kon-Tiki, como os polinésios chamavam o deus sol que ele identificou como o mesmo Viracocha dos incas. (Embora este não tenha sido o único caminho, estudos genéticos hoje mostram que alguns grupos indígenas das Américas advieram, sim, de migração Polinésia feita por mar. Fantástico, não?)

Eu ainda retornaria à bela catedral no centro da cidade, assim como ao famoso Parque de Estátuas, este às vezes chamado Vigeland em honra ao seu idealizador.
Deixo vocês por ora com algumas fotos desses lugares que eu já havia visitado no inverno (como mostrei aqui) e que visitei agora no verão. Era só o começo de uma longa expedição — terrestre — Noruega adentro e afora.










Numa manhã destas, estaria eu pronto à estação de trens Oslo Sentralstasjon para zarpar rumo ao seu interior. Era hora de refazer, agora na época do sol e do verde, o roteiro Norway in a Nutshell que eu havia feito sob o branco da neve.
Seria uma experiência diferente, antes de ir mais além do que eu fui da vez passada.
