A emblemática torre inclinada de Pisa faz a fama mundial da cidade. É o que traz milhões de pessoas aqui todos os anos — alguns menos em 2020, que viu menor quantidade de turistas e proporcionou visitas mais tranquilas, embora não vazias.
A torre, faça-se saber, já é torta desde antes de Cabral aportar no Brasil. Não foi efeito do tempo, foi erro de engenharia. O solo não tinha alicerce para lidar com uma estrutura de mármore tão pesada, e ela começou a envergar ainda antes de ser completada em 1372.
O físico e astrônomo Galileu Galilei, que viveu aqui entre 1589 e 1592, famosamente subiu a Torre de Pisa e do alto deixou cair duas balas de canhão para demonstrar que a velocidade da queda não dependia da massa dos objetos.
A torre já se inclina desde 1178. Sim, a Torre de Pisa é antiga. Não data do Renascimento, mas ainda da Idade Média. Pisa tem uma História fascinante cujo esplendor antecede a ascensão de outras cidades-estado que se tornariam notáveis depois, como Florença ou Gênova.
Ela foi estabilizada no fim dos anos 1990, então ninguém fique com a pipoca esperando o término da queda — nem imaginando que algum dia vá ser “consertada”. Ela, que já esteve mais torta do que é hoje, foi fixada e continua a proporcionar uma das atrações mais populares de toda a Itália, com a possibilidade de se subir até o alto (sem balas de canhão) e sentir como é estar no alto da torre torta.
Porém, eu quero realçar que Pisa — inclusive a própria torre — é muito mais impressionante que a mera curiosidade de uma inclinação. Ela foi por séculos na Idade Média uma das cidades mais poderosas da região, uma urbe preponderante que pôde erigir grandes estruturas em puro mármore branco em pleno século XII, quando a maioria dos europeus vivia a tal “Idade das Trevas”.
Vamos dar uma volta.

Pisa ascendeu como uma autônoma república comercial já nos idos do ano 1000, depois de muito fogo cruzado, sendo atacada por Vikings, árabes, e quem mais você imaginar.
Em 860 d.C. foi capturada por Björn Ironside, filho de Ragnar Lodbrok, figuras reais retratadas na série Vikings.
Já era um porto notável na Antiguidade, o principal dos romanos a norte de Roma. Aqui passa e perto desemboca o Rio Arno. Naquele tempo, a desembocadura era inclusive mais pra dentro, antes de séculos de mudança ambiental e aterros afastarem o mar da cidade, como no caso também de Roma e o porto de Ostia.
Em 860 d.C. foi capturada por Björn Ironside, filho de Ragnar Lodbrok, figuras reais retratadas na série Vikings. Mas o conflito no Mediterrâneo era mesmo com os mouros, que dominavam todo o norte da África, a Ibéria, e inclusive muitas ilhas como a Sicília, que por séculos foi um emirado. Não faltavam tampouco “piratas sarracenos”, como eram chamados.
Pisa precisou construir uma ampla esquadra para se defender, e logo ganhou preponderância. Tampouco era “mocinha”; saiu saqueando outras cidades da costa italiana, atacando esconderijos piratas na Córsega, ajudando a expulsar árabes da Sicília, e chegando até a saquear a nova Cartago na atual Tunísia, norte da África.
Nos idos dos anos 1000-1200, Pisa estava “virada”.

Embora sejamos latinos, a nossa ideia da Idade Média acaba por demais moldada pela mídia estrangeira que nos embebe desde pequenos. Os países anglo-saxões há alguns séculos dominam os contos medievais, passando pelos filmes, jogos, seriados, livros, e até as reportagens de revistas geralmente recriam aquele medieval inglês, francês ou alemão do norte europeu, não o medieval português, espanhol ou italiano.
A Idade Média não foi igual em todo lugar. Mesmo no âmbito europeu, havia grandes distinções entre aquela coisa nórdica dos camponeses e bruxas na floresta, a avançada civilização andaluz moura na Península Ibérica, e este mundo mediterrâneo onde está a Itália, muito mais urbanizado, comercial e letrado que os rincões então pobres do norte da Europa.


Pisa tomou a Córsega dos piratas e, derrotando Gênova em 1060, consolidou seu domínio por séculos nessa ilha e sua preponderância por todo o Mar Tirreno (o que fica a ocidente da Itália).
Pisa estava tão “envenenada” e grandiosa que chegou a enviar 120 navios na Primeira Cruzada à Terra Santa em 1096.
Foi em parte com o ouro desses saques — cof, cof — que pagou aos muitos artesãos e obreiros a construção da esplendorosa Piazza del Duomo (Praça da Catedral), mais conhecida como Piazza dei Miracoli (Praça dos Milagres), o conjunto arquitetônico onde fica a torre, o batistério, e a catedral da cidade, tudo em mármore.
Também faz parte desse complexo o Campo Santo, um cemitério feito com terra do Gólgota que os cruzados trouxeram de Jerusalém.

Pisa, hoje, não é ela toda uma cidade pitoresca. Em verdade, eu recomendo dormir em Lucca, a 30 min daqui, e fazer um bate-e-volta de uma manhã, uma tarde, ou um dia inteiro em Pisa.
Você pega um trem regional que pare na estação Pisa San Rossore. Muito melhor, mais perto, a 10 min de caminhada até a Praça dos Milagres, que Pisa Centrale.
Foi o que fiz naquela manhã fresca e ensolarada de verão antes de passar pelo “corredor senegalês” rumo aos monumentos.
Muito antes de avistar qualquer marco histórico, você verá os africanos refugiados do Oeste da África — aquele biotipo dos dançarinos do meme do caixão, diferentes dos africanos longilíneos vencedores de maratonas, do leste do continente — alinhados na calçada, às vezes sozinhos, às vezes em pequenos grupos, com suas bugigangas chinesas tipo pára-sol colorido e pau de selfie, ali expostos enquanto absortos estão ao celular, todos eles.



A breve barracolândia de coisas a que hoje poucos dão atenção ainda estava fechada quando cheguei aqui às 9 e pouca da manhã. Venha assim cedo se quiser evitar aglomerações, mesmo agora após a pandemia (ainda que incomparável às multidões pré-pandemia). O lugar logo ficaria repleto de muitos italianos e de outros turistas europeus.



Mesmo com a quantidade reduzida de turistas, vi muita gente atrapalhada com as bilheterias e filas para entrar em alguns lugares. Você facilitará muito a sua vida se adquirir os ingressos no site oficial. Não precisa imprimir, basta mostrar no telefone.
Há um ingresso separado para subir na torre e um combo para o restante (Batistério, Campo Santo, e o Museu da Catedral). A catedral em si é gratuita, mas cuidado com suas horas ladinas de abertura, pois ela fica num fecha-e-abre danado. Costuma fechar para o almoço, por exemplo. No site você encontra os preços atualizados.
Paguei 18 euros para subir a Torre de Pisa. Seu ingresso precisa ser reservado até as 23:59 do dia anterior e é com hora marcada, o que ajuda no planejamento. Evite trazer mochila ou bolsa, senão terá que ir deixá-la primeiro no guarda-volumes da bilheteria.
Vamos entrar, começando pelo Campo Santo, repleto de esculturas de mármore e afrescos.





Se você achou Buonamico um bom nome para dar a alguém, saiba que o arquiteto que projetou o batistério aqui de Pisa — o maior batistério de toda a Itália, diga-se de passagem — atendia pelo nome de Diotisalvi (“Deus te salve”). É verdade.
São personagens da Itália medieval, pré-renascentista, que pouco conhecemos. (Estamos ocupados demais com o Rei Artur e os cavaleiros lá da Europa não-mediterrânea onde não se tomava banho.)
Deus Te Salve assinou seu batistério romanesco — em latim, Deus te salvet — em 1152 dedicando-o a São João Batista. A obra mais tarde ficaria sob os cuidados de Nicola Pisano no seu interior. É arte fina em mármore que raramente associamos ao medievo, na nossa fixação em pensá-lo como época trevosa, mas que já rolava aqui em Pisa no século XII.





Se você reparar bem, a própria Torre de Pisa é de uma intrincada arquitetura em mármore, sobretudo se considerarmos que data do século XII. Os toscanos em geral, em toda esta região, são meio fixados em construir torre, e que ambição foi a do pisanos de fazer um campanário à catedral com 50m em puro mármore.
A impressionante torre toda de mármore branco com 56m de pedra é fascinante. Esqueça por hora o erro de engenharia — talvez de construtores demais focados na arquitetura — e contemple o feito em sua época, como isso devia resplandecer e ser mostra de poderio na Idade Média.


Vamos subir?
São 294 degraus de mármore numa escada em espiral ao redor da torre. Você sente a breve inclinação, mas não muito.

Enquanto que o exterior da torre é lindo, seu interior oco é bastante ordinário, preciso lhes dizer. Ela nunca foi uma morada, mas um monumento decorativo feito para ser visto por fora.
Há degraus lisos de mármore afundados com séculos de pisadas. (Eu não sabia que mármore era maleável assim. Mármore mole, bota dura, tanto pisa até que amassa.) A subida cansa, mas não é do outro mundo. O melhor de lá é a vista, já que dentro não há nada para ver.






Subir os sete andares da torre usando máscara (obrigatória nos ambientes internos por toda a Itália) não foi nada tão dramático quanto pode parecer.
A descida é que é extremamente traiçoeira, com os degraus de chão irregular e mármore liso. Segure-se nas paredes se precisar, e evite pisar no meio (mais usado) dos degraus.
Em verdade, aqui pra nós, a subida não vale 18 euros. (Em Lucca, eu ascenderia uma torre também de época e ainda maior por meros 3 euros). A gente só dá por causa desse fetiche com a Torre de Pisa.
Desci, vi a catedral, e visitei o Museu da Catedral, que em italiano leva o nome pomposo de Museo dell’Opera del Duomo. Não é sobre ópera, mas sobre as obras que passaram pela catedral ao longo dos séculos.


Eu já mostrei acima algumas obras apresentadas neste museu, mas há outras, de vários períodos da catedral. Por vezes, as peças originais foram trazidas para cá para melhor conservação e substituídas por réplicas na igreja.




Minha visita chegava ao fim. Era hora de pegar algo breve para comer e tomar meu caminho de retorno a Lucca, onde havia outras coisas por ver. Apresentarei-lhes a minha descoberta dessa simpática cidade em seguida.
Trafeguei de volta até a estação Pisa San Rossore cruzando o “corredor senegalês” de vendedores. Um chegou a me dar bon appétit quando passei às pressas, caminhando rápido para alcançar meu trem e comendo batatas fritas de uma sacola, ao que lhe respondi em bom francês e ele deu um pulo, quis puxar conversa “Ah! Vous parlez français, alors!”. Saudei-o, mas naquilo ficou. Eu tinha horário.
A Itália é uma terra encantada, parece saída dos livros de História. Belíssima, mágica, fascinante. Difícil de descrever a emoção que causa a quem a visita. Rica de cultura, de História de beleza, de pujante legado civilizatório, deixa de ”queixo caído” o visitante que dela se acerca, ao contemplar tanta beleza que o tempo conservou. É um museu magnifico a céu aberto. Em tempos de estio, sob o olhar generoso de um deslumbrante céu azul e com as bençãos no não menos magnifico Mare Nostrum. É um encanto. Inesquecível para quem ama a arte, a cultura, a História.
É nesse “clima” de sedução e encantamento que se entra na Itália. Todas as regiões italianas tem o seu encanto e personalidade. Em todas se respira Arte, História e beleza.
Pisa não fica a dever. Do lado do Tirreno de um azul maravilhoso, enche de graça e beleza àqueles que a veem. Linda com seu complexo da Piazza dei Miracoli, sua torre artistica e delicadamente decorada/recortada por belo mármore. Uma obra de arte. Belissima.
Belissimo tambem o Batistério, de uma arte deslumbrante , de linhas delicadas e graciosas. Um espetáculo.
Sobressaem ai a grandeza das construções, as linhas dos estilos, a qualidade e os tons soberbos do mármore, de uma beleza sem par.
Interessante constatar a influência árabe e Bizantina no interior, na magnifica Catedral de Pisa, uma das joias do Medievo. Impressionante, meu jovem amigo. Maravilhosas obras de arte. Lindos afrescos.
Belo museu e linda piazza. Magnifica muralha. Uma delicia, contemplar esses registros históricos.
Muito bonitas a região e a postagem, meu jovem amigo. Valeu.
Amei rever a Itália dos meus antepassados.