Estamos na costa noroeste da Itália, na Região da Ligúria. Esta é a região que cresceu em torno de Gênova e abrange todo este litoral até a fronteira com a França.

Portovenere fica quase na extremidade oriental da Ligúria, um vilarejo costeiro que existe desde o século I a.C. Seu nome, originalmente Portus Veneris em latim, remonta a um templo à deusa Vênus que existia aqui. Ele ficava num promontório para o mar onde hoje há uma igreja a São Pedro.
(Sim, a sua suspeita está correta. O nome da cidade tem a mesma raiz etimológica do termo “doenças venéreas”, ou seja, aquelas oriundas de relações amorosas e sexuais, coisas de Vênus.)
Bem-vindos a Portovenere! Não sei sobre a saúde aqui, mas não faltam jovens italianos mui ativos e animados vindo curtir o mar. Vai ver ainda rola uma vibe venusiana na área, que a igreja de São Pedro não conseguiu dirimir.


Eu cheguei vindo de La Spezia no mesmo dia em que desembarquei oriundo de Lucca, quando passei rapidamente por Carrara no caminho.
Meu objetivo nesta região era fazer a famosa rota das Cinque Terre, cinco vilarejos belos à beira-mar, aos quais você pode ir a pé ou de trem nesta costa da Itália. Viriam em seguida. Portovenere é às vezes considerada a “sexta terra”, e eu vim cá primeiro.
De La Spezia, que ainda descreverei melhor num outro post, você tem a melhor base de onde visitar todas estas cidadezinhas, tanto as Cinque Terre quanto aqui.

Para Portovenere, são meros 30-40 minutos em viação urbana desde La Spezia, margeando a costa e vendo o mar.
Com a Covid, não é mais possível comprar passagem com o motorista. Você deve adquirir um bilhete em qualquer banca de revista (€ 2,50) e estampá-lo numa das maquinetas dentro do ônibus.
As linhas você descobre no Google. Pergunte na sua acomodação pela parada mais conveniente e a direção certa. (As linhas de ônibus daqui são daquelas com uma parada de ônibus de um lado da rua num sentido e outra no outro.)
Era uma tarde quente em La Spezia quando zarpei, a forte umidade do mar se fazendo presente. Sente-se do lado esquerdo se quiser ver o azul, e fique tranquilo pois se o ônibus diz Portovenere, ela é a parada final.
A breve cidadezinha se mostraria simpática, com seu casario colorido separado por ruelinhas floridas no verão, infraestrutura de fortificações antigas, igrejas e castelo medievais com mirantes para o mar, além de muitos turistas jovens italianos a se banhar.




À entrada da muralha, como que a pegar os transeuntes, uma senhora com voz mecânica de vendedora anunciava detrás de sua banquinha.
“Il veeeero pesto genovese”, chamava alto e repetidas vezes, em tom de quem contava um segredo. A quem não conhece, é o molho verde típico daqui com azeite, queijo, alho e muito manjericão.
O autêntico tem que ter o nome “Genova”, dizendo conter manjericão de Gênova. Se não, é “cosa diversa” — completava ela em tom e cara de quem nem queria conversar muito sobre tais imitações.

Havia degustação, e eu até fiz as vezes de comprar, mas estava muito caro. € 8 num frasquinho, dizia ela casualmente com aquela manha de vendedor. Eu teria pago até € 5, faça-se saber, já que o do supermercado custa € 2-3.
Segui Portovenere adentro, onde muitos estavam sentados ou em pé a tomar sorvete. Eu arranjaria um para mim a seguir. Por ora, quis completar a ruazinha até emergir do outro lado, onde se abre o caminho por pátios cheios de gaivotas, com rochedos e vistas para o mar, e lá ao fim o promontório onde hoje há a medieval Igreja de São Pedro.




As pessoas ficavam feito focas deitadas nas pedras à beira-mar, uma ou outra fazendo um breve movimento, vocalização, e outras imóveis como mortos tomando sol. Eles aqui na Itália chamam isso de praia (spiaggia).
(Eu soube, inclusive, que certa vez uma colega italiana e sua amiga portuguesa foram ao sul da Itália a uma “praia”, no dizer da italiana. A portuguesa deu um piti ao chegar no lugar e ver uma costa de pedras, ao que vaticinou que aquilo não era praia. Quem disse que português e italiano são línguas tão próximas?).
Praia pode não ser, mas há belos pontos de mar onde se banhar. A vista por sobre — ou entre — as vetustas muralhas de pedra é soberba.







O ímpeto de ali pular era uma coisa física, as águas atraentes que estavam naquele calor de tarde que fazia.
Fui à igreja pedir perdão pelo pecado de ter vindo aqui sem roupa de banho, embora banhar-se assim em viagem seja sempre inconveniente a quem viaja sozinho e tem que largar documentos, dinheiro, celular e tudo ali.




Para ter uma vista ainda mais do alto, eu subi até a fortaleza. O Castelo Doria fica aberto até as 18h no verão. Quando cheguei já não havia mais tempo, mas seu interior me pareceu essencialmente de muralhas e mais vistas.
Há pracinhas, outras igrejas de época, e ruelas. O casario da cidade é quem dá o charme.






Fui aos poucos retornando ao centro da cidade.

Quando retornei ao nível do mar, muitos adolescentes italianos gesticulando e conversando ainda circulavam com suas roupas de banho.
Idosos sentavam-se aos bancos enquanto algumas crianças perigosamente jogavam bola, aquela coisa certa de que uma hora um chute vai dar aqui.
Um meio dia em Portovenere é bem passado— ou um fim de tarde, se numa época do ano com dias compridos. Aqui teríamos hoje sol até depois das 21h. (Se você não pretender se banhar — de água ou de sol — numas 3-4h você vê tudo. Pode vir após o almoço e ficar o restante do dia com tranquilidade.)
Lugar muito bonitinho, se pequeno. Estão corretos os que a têm com a sexta das Cinque Terre. Só fica na outra direção de La Spezia, separada das outras como uma estrela afastada das demais numa constelação no céu, mas tem um brilho semelhante ao das demais — eu breve veria.
Sentei-me a um dos bancos, tomei sorvete, demorei-me algo ali. Retornei algumas bolas aos garotos, claro. Aquela bola suja de areia molhada.
Os ônibus ficam algo rarefeitos no fim do dia. O sorvete me passou a fome, e eu resolvi agilizar meu caminho de retorno a La Spezia. As Cinque Terre me aguardavam cedo no dia seguinte.

EPÍLOGO
Meu retorno a La Spezia com aquele ambiente de “fim de dia de praia” foi ligeiramente mais conturbado do que eu havia previsto. O ônibus já veio cheio, não sei de onde. Foi daqueles em que você precisa ficar em pé perto da porta.
Sossegado como sou com essas coisas, não liguei. Mas fui generoso demais ficando ali em vez de forçar caminho para o meio do ônibus. Achei que a leva maior de gente já estava ali, e não previ que ele encheria ainda mais no caminho. Você ali na porta com aquele entra e sai de gente (mais entra do que sai).
Algumas pessoas olhavam estupefatas a situação de lata de sardinha em que estávamos. Uma ou outra senhora italiana comentava “como é que se pede que o povo fazer distanciamento social sem fornecer mais ônibus”. (Isso porque estamos na Itália.) Outros sugeriam que o motorista não pegasse mais gente. Uma latino-americana, do tipo com ar de barraqueira e o marido italiano, filmou a situação narrando num italiano com sotaque hispânico para pôr na internet.
Um grupo de adolescentes daqueles de escola, com o casal a trocar palavrinhas e mostrar coisas um ao outro no celular, e o gordo da turma a fazer gozações, me rodeou. “La gente está loca! La gente está loca!“, cantava animado em espanhol (?) o rapaz pesado, tirando a máscara para ajudá-lo a cantar melhor os versos tirados não sei de onde.
Deu-me daquele chamado “sentimento oceânico” de Somos Todos Um com o universo. A gente estava mesmo um tanto louca. Naquele contexto, você faz como dizem alguns psicólogos e simplesmente abstrai, senão pira, já que está ali e não pode fazer muita coisa.
Talvez inconscientemente motivado pela experiência oceânica — ou pela multidão —, cheguei a La Spezia e achei algo indiano que me interessou. As comilanças lígures aqui del territorio viriam no dia seguinte, pelas cinco terras.
Uuuuu que maravilha…Um pedacinho do céu.. Parece parte do paraíso..Nossa que fofura essa cidadezinha, Que é que é isso, meu amigo.. Que mar azul e´esse.. Haja coração.. Que beleza extrema. ”Magavilha meu camagada”, como dizia um cômico aqui da TV brasileira…Surreal esse mar.. Lindinhas essas Medinas à italiana, deliciosas as ruelinhas com flores e tantas atrações… Que maravilhosas as construções medievais com seus magníficos arcos, suas muralhas imponentes, seu astral antigo, seu casario colorido com a cara da Itália. Meu jovem, encantei-me pela região. Parece que você entra na maquina do tempo e sai lá na Idade Média. Que spetácolo!… Linda região, belo passeio. Obrigada pela gostosa postagem e por nos mostrar uma terra tão bonita. Valeu. Ficou um gosto de quero mais, hahah. Avante, caro amico.