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Itália Ligúria

La Spezia: Pós-pandemia na Riviera Italiana

Caminhando debaixo das palmeiras em plena Itália. Não sei há muita gente que imagina isso.

Primeira vez na Itália?”, perguntou-me Giulia, a moça gerente do albergue. Eu tive que sorrir. Parei para contar.

A oitava”, respondi. Ela ficou me olhando com os olhos fixos por cima da máscara que usava.

Esta era, todavia, a minha primeira vez em La Spezia. Ela se contentou.

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A Região da Ligúria na Itália. Gênova é sua principal cidade, seguida aqui por La Spezia.

Estamos nesta que é a segunda maior cidade da Ligúria (após Gênova), a região italiana que se estende feito um arco no litoral desde aqui até Sanremo, à fronteira com a França. É a dita Riviera Italiana. A cidadezinha de Portovenere, que mostrei no post anterior, dá o tom do que esta costa é.

La Spezia, por sua vez, é o principal centro urbano deste pedaço da riviera. É, sobretudo, a melhor base para quem deseja conhecer as famosas Cinque Terre (post seguinte).

Embora também esteja na costa (como quase todas as cidades da Ligúria), La Spezia porém não é ela própria o lugar de praia; ela faz as vezes de cidade-referência, lugar de música, restaurantes, ponto de partida.

Daqui saíram astros pop italianos como Toto Cutugno (autor do clássico moderno L’Italiano) e Alexia, que na vida real leva o nome sexy de Alessia Aquilani, e foi responsável por hits dos anos 90 como o onipresente Uh la la la… I love you baby. Até no Faustão ela apareceu, o que já faz um quarto de século (!). La Spezia é a cidade natal de ambos os músicos.

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Mas dá mesmo para falar grande coisa sobre litoral na Itália?

Como tantos outros brasileiros, eu vejo os europeus fazerem esta fama dos seus litorais parados — sem areia, ondas, nem coqueiros — e faço aquela cara de “Certo, deixa vocês aí felizes.”

É que o que há de mais especial aqui na realidade não é a praia (que na nossa acepção tropical sequer existe aqui), mas a beleza do mar e o charme das cidades costeiras. É algo mais bem visual e urbano que o jeito “praia paradisíaca” dos trópicos.

La Spezia se insere nesse estilo, embora no momento esteja excepcionalmente quieta após a pandemia. (É uma questão de tempo até voltar a bombar.)

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Na marina de La Spezia. (Chapeuzinho Vermelho troca o chapéu para se proteger do sol quando vem ver o mar.)
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Estátua de Garibaldi, revolucionário da Unificação Italiana, na arborizada praça à costa de La Spezia, com suas colinas lá do outro lado.
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Confessemos que esta aura mediterrânea tem charme. O mar está ali adiante.

Esse sol no casario em tons creme, as janelas escancaradas abertas, as plantas com ar de seco… tudo me faz entrar num certo heliotropismo, à busca de olhar de onde vem o sol, como um pintor ali de férias. Parte da aura desta Riviera Italiana (como também a francesa) é seu jeito pitoresco.

Digo-lhes que, embora a região Mediterrânea seja famosamente seca, a Ligúria é deveras úmida, e este verão aqui estava de respeito.

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Flores e o casario visto da orla.

Eu chegara de trem. La Spezia se revelou uma cidade “normal”, de médio porte. (São cerca de 100 mil habitantes.) Uma cidade arrumadinha, com infraestrutura, preparada para o turista — inclusive lugares com cardápio apenas em italiano e chinês, além de lanchonetes dedicadas com ofertas especializadas de “café da manhã chinês”, de olho nos milhares de asiáticos que vem aqui todos os anos.

Ache você o que achar da China, não há como descontar 1 bilhão de pessoas ficando ricas e aderindo aos gostos da vida de consumo. O Ocidente pôde por alguns séculos fingir ser a única civilização no mundo enquanto os demais eram pobres e retidos em suas terras, mas não mais.

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Cardápio de “café da manhã chinês” em La Spezia. Somente em italiano e mandarim — inglês foi para o balaio.

Este ano, porém, os chineses não vieram. Nem as pessoas dos Estados Unidos, nem da Índia, nem do Brasil. Eu imagino como isto aqui não fica pululando no verão quando as fronteiras estão abertas.

Em 2020, La Spezia estava limitada a outras pessoas que vieram da Europa. Muitos lugares nas vias principais da cidade me pareceram fechados “até segunda ordem”, mas havia algum movimento, sobretudo de gente local. Afora eles, os já comuns vendedores indianos e africanos a circular pelas ruas com seus produtos esperando os turistas voltarem.

Dominava La Spezia todavia um ar quieto no calor, aquele mormaço da tarde que parece afugentar as pessoas. Se eu não soubesse da pandemia, creria ser ele o culpado.

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Como eu disse, havia movimento, embora certamente incomparável ao que deve ser isto aqui num verão normal.
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Sol e calor no centro de La Spezia.
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Calçadões relativamente quietos.

Foi após uma caminhada de 20 minutos por essas vias quietas que me atendeu Giulia ao albergue, rendendo o diálogo com que comecei esta postagem.

Giulia, sempre de máscara, era uma moça italiana magra de seus trinta e poucos anos. Era daquelas mulheres que mais observam que falam, e já que os olhos era o que se podia ver do rosto, a coisa ficava ainda mais pronunciada. Ágil, e tinha aquele tom de pele que —parafraseando a centenária avó de uma amiga minha — eu chamarei de “um bronze gostoso”.

Comentei com ela que desejava aproveitar a pandemia, com menos turistas, para vir visitar a região e sobretudo as Cinque Terre, perto daqui.

Você e um milhão de pessoas”, respondeu Giulia sem ofensa. Os italianos são chegados a uma hipérbole. Meu dormitório no hostel estava metade vazio em pleno verão, o que eu duvido que ocorra em outros anos.

Eu disse que me levantava cedo; ela respondeu que as pessoas aqui em geral aqui também levantavam cedo, sobretudo para ir às trilhas das Cinque Terre. (Tô sacando a sua, Giulia.)

Não sei qual o conceito dela de “cedo”. Às 7h da manhã do dia seguinte as ruas estariam um ermo; apenas um indiano ou outro a passar de bicicleta; algum árabe a sentar-se com o celular, o café e um cigarro num dos poucos cafés já abertos; e um italiano idoso ou outro a passear devagar com o cachorro, enquanto a caminhonete de lixo fazia a coleta. Aquele ar pós-noitada, fosse o dia da semana que fosse.

Como Giulia não ficava no albergue nesse pós-pandemia — só fazia o check-in e sumia — acabei não conversando com ela novamente.

Fui dar um bordejo sob o calor para ver o que havia. Não muito. La Spezia quase toda foi erigida do século XIX para cá. É uma cidade nova, sem grandes atrações, e que como eu disse opera mais como ponto de apoio que como destino de turistas que venham aqui para vê-la. 

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O mercado coberto no centro de La Spezia havia sido desativado até segunda ordem.
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O Teatro Cívico, já com tons modernistas do começo do século XX.
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Um parque com algumas pessoas se refugiando do sol.
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A pacata orla logo ali, com sua calçada arborizada. Havia bem pouca gente para a grande extensão do lugar.
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Surpreendi-me ao encontrar todas estas palmeiras com cara de norte da África aqui. É que, seja de um lado, seja do outro, estamos ao Mediterrâneo.
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Ruas quietas.
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Nesta praça, estes arcos espelhados multiplicavam o sol.

Naquele calor forte de meio de tarde, acabei por me refugiar por algum tempo numa igreja. Estava também vazia.

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Interior da Igreja de Santa Maria Assunta, hoje bastante renovada mas originalmente do século XIII.
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Velas apagadas — ou melhor, desligadas, que já que por receio de incêndio as igrejas italianas geralmente usam essas velas de mentira com uma luzinha elétrica — no belo altar a São José.
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Pintura sacra num recanto da secular igreja. (A vela do altar é de verdade.)
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Por debaixo das características arcadas, o nome mais apreciado dos visitantes aqui na Itália, admitamos.

Há um Castelo de São Jorge no alto a quem quiser visitar, mas acabei optando por ir a Portovenere com o tempo que eu tinha aqui.

La Spezia era um trampolim para as Cinque Terre, aonde eu finalmente chegaria na manhã seguinte.

Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

One thought on “La Spezia: Pós-pandemia na Riviera Italiana

  1. Lindinha questa cità. Surpresa por ver palmeiras na Itália, E que bela orla!… Como sempre o tom azul do mar atrai o olhar e chama a atenção pela beleza. Destaque para as elegantes palmeiras.
    Achei lindinhas as praças, adorei o casario, o interior da igreja, os monumentos, as ruelas arrumadas e com mesinhas do lado de fora, os belos caramanchões, com suas magnificas flores. Muito verde na cidade.
    Belíssimas as pinturas sacras, os requintados recortes dos altares, seu estilo belo, os tetos, as arcadas, lindo tudo. Encantei-me.
    Esse “ar” do Mediterrâneo é mágico. Seja na Grécia oi na Ligúria, no Sul da Europa ou Norte da África, tem razão, meu jovem amigo viajante, o Mediterrâneo é sempre o mesmo, tem identidade e personalidade próprias. Magnifico.
    Uma graça, meu amigo, tanto a cidade quanto a região.. Adorei. Obrigada. Que venha mais Itália.

    Em tempo: adoro esse ” Buongiorno Itália… Lasciatemi cantare…con la chitarra in mano… Sono um italiano… italiano Vero ”..uuuuuu. Beleza de música. Fez sucesso aqui no Brasil como fundo musical de novela de época.

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