Você jura que nunca havia se perguntando de onde surgiu o nome “parmesão”?
Este post não é exclusivo sobre ele — é sobre a cidade e suas atrações —, mas é que não dá para falar de Parma sem também falar de comida, como vocês verão.

Parma surgiu no meu caminho a partir de um daqueles males que vêm para o bem.
Eu, em verdade, deveria estar em Milão num voo de volta à Suécia após este bordejo pela Itália, não tivesse a Brussels Airlines cancelado repentinamente o meu voo. (A propósito, não recomendo a empresa.) Vieram com historieta de voucher para usar até o ano que vem, sendo que eu tinha de voltar para casa esta semana.
Você liga e vai parar num daqueles call centers na Índia, com gente terceirizada e de sotaque carregado com quem nem dá gosto criticar a companhia aérea.
Após uma discussão, arrumaram-me um voo no dia seguinte. Aqui entre nós, me rendeu mais um dia na Itália. Mais tempo para ver destes aparentemente infinitos destinos belos que a Itália tem.
Viajar na pandemia tem desses contratempos, embora a Brussels Airlines seja atrapalhada até no mais limpo dia de sol. Depois você me diz se acha que ainda assim vale a pena.
Vou começar já jogando uma carta forte na mesa.

Naquela manhã, eu me vi indo para Milano Centrale tomar um trem em vez de para o Aeroporto de Malpensa. Era ainda o início fresquinho de um dia que prometia sol. Eu tinha grandes planos para hoje, então era preciso começar cedo.
Arranjei logo um croissant com recheio de pistache acompanhado de um café na estação. Eu não gosto do microscópico café habitual dos italianos, então costumo lhes pedir um americano — ao que desta vez a mulher me veio com um daqueles copázios de meio-litro à là Starbucks. (Nem oito nem oitenta, né amiga?)
Enfim, meu brioche — como eles aqui chamam o croissant — estava uma delícia. Eles na Itália os fazem todos com massa de panetone. É engraçado, há de se notar a diferença, mas com o recheio de pistache — e bombado pelo café — eu fui ao céu logo de manhã.
Vem ni mim, Parma.



Parma se revelaria uma cidade pacata, embora não seja exatamente miúda (são 330 mil habitantes).
Estávamos não mais na Região da Lombardia, mas agora na vizinha Emília-Romanha. É a mesma grande região onde ficam também as cidades de Bolonha, Módena, Rimini, e outras.
Desci na estação e segui a caminhar para o centro. Procurei o rio que vi no mapa, na verdade um ribeirão (menor que um rio) que leva o mesmo nome da cidade, mas encontrei seu leito praticamente seco e cheio de mato. Havia até mendigos sob a ponte onde deveria haver água.




Permitam-me uma breve digressão para falar desse período e explicar um pouco do passado de Parma, pois nem só do parmesão vive o homem (nem a mulher).
Esse teatro da foto só se tornou “régio” quando a Itália passou a ser um reino unificado em 1861. Ele originalmente foi inaugurado décadas antes como Nuovo Teatro Ducale. Ou seja, teatro ducal, pois Parma era à época um ducado. Governado sabe por quem? Maria Luísa da Áustria, a segunda ex-mulher de Napoleão Bonaparte.
Eu tratei recentemente sobre Napoleão no post da visita a Ajaccio, sua cidade natal na Córsega (França). Ele se casou em 1810 com Maria Luísa da Áustria na esperança de se consolidar monarquicamente na Europa inteira. Isso foi embora ela tivesse ódio dos franceses, que em 1793 haviam guilhotinado a sua tia-avó, Maria Antonieta, última rainha de França antes da revolução.
(Sim, a decapitada Maria Antonieta era austríaca mas era rainha da França. Estamos antes do nacionalismo. Não havia essa fantasia de que gente nascida no mesmo pedaço de terra se deve laços maiores de solidariedade. O importante era o sangue azul. As realezas europeias eram quase todas relacionadas.)

Napoleão e Maria Luísa tiveram um filho em 1811, Napoleão II, apelidado de O Rei de Roma por ser aparentemente herdeiro (através de sua mãe) do Sacro-Império Romano Germânico, ainda que este império já não existisse mais desde que Napoleão provocou sua dissolução em 1806.
Quando Napoleão é derrotado em 1812 na sua campanha para invadir à Rússia, as demais potências europeias acabam por miná-lo. Ele abdica, exila-se na Ilha de Elba (perto de Livorno aqui na Itália) em 1814, mas Maria Luísa não o acompanha.
Ela retorna ao seio da sua família austríaca, mas fica entre a cruz e a espada, sentindo-se angustiada no conflito entre a filiação sanguínea e a matrimonial. Dizem que ela queria ter ido se juntar a Napoleão no exílio.
De toda forma, ele voltaria para um reinado breve até ser novamente derrotado na Batalha de Waterloo em 1815. A Maria Luísa, com um pé na realeza austríaca, garantiram-lhe como consolação o título de Duquesa de Parma, aonde ela viria morar.
Bem aqui nesta cidade, meus caros. A Itália nessa época ainda era uma colcha de retalhos de pequenos ducados e reinos quase sempre sob alguma outra coroa europeia, como a Espanha, a França, ou a Áustria.
Maria Luísa viria a se casar de novo e ter outros filhos, vivendo até 1847.
O jovem Napoleão II chegaria a reinar por duas semanas, mas faleceria muito jovem de tuberculose aos 21 anos. A ele, de toda maneira, não foi permitido vir a Parma pois os monarcas da Europa não quiseram um descendente de Napoleão na linha de sucessão de lugar nenhum.
Napoleão Bonaparte viria a falecer em 1821 no seu segundo exílio na Ilha de Santa Helena, mas Maria Luísa viria a se casar de novo e ter outros filhos, vivendo até 1847.
Foi nessa sua época como Duquesa de Parma que o teatro foi inaugurado. Logo ele ganharia notoriedade europeia pelo enorme talento do contemporâneo da duquesa, o compositor italiano Giuseppe Verdi, nascido aqui perto.

A duquesa Maria Luísa não chegou a ver as agitações políticas que se sucederiam — ela morreu antes das insurreições de 1848 —, mas logo ganharia corpo o chamado Ressurgimento (Risorgimento), o período de construção social e política de um nacionalismo italiano no século XIX.
Giuseppe Verdi (1813-1901) participou desse movimento como um dos seus maiores expoentes culturais. Sua primeira grande ópera foi Nabucco (1842), que narra a dor dos hebreus subjugados sob a Babilônia no Antigo Testamento, com versos suspeitos como:
O mia patria, si bella e perduta.
Tão bela e perdida, minha pátria. (Olha como certos versos guardam validade por tanto tempo e através das distâncias.) Se foi de propósito ou não, não sei, mas ressoou com o sentimento de muitos italianos de então.
Verdi escreveu então La Traviata (1853) e chegou a se engajar na política. Depois de um hiato artístico, retornaria com suas óperas ainda mais famosas, como Aida (1871) e Otello (1876). (Você acha tudo isso hoje no YouTube.)


O centro de Parma é relativamente pequeno, e entre uma rua e outra você se depara com esses vários monumentos.
Visitei também uma grande quantidade de igrejas mais antigas que tudo isso.





Era hora de uma breve merenda, pois já fazia algumas horas desde aquele brioche de pistache na estação de Milão.
Achei uma sanduicheria típica que recomendo muito, a Pepèn. Boa para um lanche casual com coisas de qualidade, sem ingredientes vagabundos industrializados de fast food.
Providenciei uma carciofa, torta salgada típica aqui em Parma. Carciofa literalmente é alcachofra em italiano — e eles adoram. Se você encontra coisas tipo pastel de alcachofra no mercadão de São Paulo e acha estranho, saiba que é certamente por influência italiana. Só que aqui em Parma esse nome denota (também) uma torta salgada com alcachofra, queijos e manteiga. Fica uma maravilha.

O prosciutto de Parma é o que o presunto industrializado tenta imitar. Não há comparação. Mas como a maioria das pessoas jamais vai experimentar o original, engolem o sapo. Digo, o porco, processado industrialmente com saborizantes artificiais de toda sorte.
Prosciutto, e também o português “presunto”, vem do latim pro exsuctus. Significa algo que foi seco. Faz com pernil de porco, e os italianos o comem como uma iguaria até com melão — o que acho uma combinação um tanto curiosa, para dizer por menos.
Prosciutto não é algo exclusivo de Parma, mas o de Parma é talvez o mais famoso, especialmente sua versão crua, que é curada a seco e envelhecida.
É também pela imigração italiana que, espalhado a partir de São Paulo, o Brasil de hoje pegou hábito de comer presunto.

O queijo parmesão também é daqui, e provavelmente o produto mais famoso de Parma.
Em toda a União Europeia, há uma designação de origem protegida (D.O.P.) certificando por lei que apenas o queijo corretamente produzido e desta proveniência possa dizer ser de Parma (“parmesão”). Fora da Europa, incluso no Brasil, aí é o Deus-dará. Provavelmente é tudo menos parmesão, especialmente aquele que já vem ralado.
Por exemplo, é muito comum que o queijo similar, Grana Padano (originado mais ao norte na Itália, na região da Lombardia, onde fica Milão), seja vendido como parmesão. Não tem o mesmo gosto, advirto-vos.
O verdadeiro parmesão é o parmigiano-reggiano, imbatível na sua categoria. Um queijo envelhecido, de 12-36 meses de idade, quebradiço, feito com leite não-pasteurizado de vacas criadas soltas aqui na região da Emília-Romanha, mais especificamente nos prados entre as províncias de Parma e de Reggio-Emília, daí seu nome. (Reggio-Emilia é para não confundir com Reggio-Calabria. São basicamente duas cidades chamadas Reggio, uma lá no sul na Calábria, e outra cá no centro-norte na Emilia-Romanha.)
Filei um sanduíche com filetes de queijo parmesão na Pepèn que ficou obsceno demais para compartilhar aqui, com o pão abocanhado, então vai o queijo.

Feito o lanche, era hora de seguir à catedral para ver aquela famosa pintura de Correggio. A Itália é assim, como quem veio aqui sabe: os prazeres e a contemplação constantemente se alternam entre a boca e os olhos.
A Praça da Catedral (Piazza del Duomo) de Parma tem dos enquadramentos mais belos da Itália, com o octogonal Batistério de São João, terminado no século XIII, ao lado da Cattedrale di Santa Maria Assunta, do século XII.


Cheguei a tempo de ver, enquanto eu tirava fotos, um imigrante árabe — talvez sírio — que vinha para o que me pareceu ser uma entrevista de emprego no prédio do episcopado. Foi-lhe dito na maior rispidez e sem a menor cerimônia na porta da rua que voltasse amanhã.
Ele foi desabafar com alguém no telefone, e eu fui ver o interior da catedral.




Você fica ali debaixo olhando, com o pescoço envergado até ele incomodar. O efeito de perspectiva e os detalhes da obra são impressionantes.
Correggio se chamava Antonio Allegri (1489-1534); Correggio era o vilarejo de onde ele provinha, aqui perto. Esses apelidos por lugar de origem eram comum na época. Só para constar, Caravaggio tampouco se chamava Caravaggio: seu nome era Michelangelo (vish). Não confundir com Michelangelo Buonarroti, pintor da Capela Sistina. São tantas emoções, como diz Roberto.
Para completar esta parte sacra do périplo por Parma, vejam esta bela igreja barroca de São João Evangelista, uma das raras dedicadas a ele.





Você pode, se quiser, também adentrar o Batistério de Parma, aquele edifício octogonal adjacente à catedral, mas neste dia ele estava fechado. (O Google lhe informa todos os dias e horários de abertura. Atenção com os fechamentos das igrejas à hora do almoço.)
Eu daqui faria algo ambicioso.
Fui a Módena, a meia-hora de distância, ver umas coisas por lá — que vos contarei no post seguinte — e retornei a Parma, que fica no caminho de volta para Milão, para ainda ver mais coisas. (Neste dia eu estava virado. Um beijo, Brussels Airlines.)
De Módena eu conto depois. No fim de tarde ao retornar a Parma, fui finalmente conferir o interior do Palazzo della Pilotta, por onde passei no início e com o qual encerrarei este post.
O palácio leva esse nome — você não vai imaginar — devido ao nome pelota em espanhol, que quer dizer “bola”. Lembra que no meu post sobre o pano de fundo histórico de Milão eu comentei que a coroa espanhola tomou umas posses por aqui? Pois bem, os soldados espanhóis às vezes jogavam bola enquanto guardavam o palácio, daí seu nome.
Bola em italiano é palla; aqui ajustaram do espanhol e ficou pilotta mesmo. Hoje, ele é um complexo museal com obras da Roma Antiga, a invejável Biblioteca Palatina, e o impressionante Teatro Farnese — anterior ao Teatro Ducal que vos mostrei no início.
Venham cá pra dentro.





Ambas as estátuas foram castradas — como tantas outras — por pudor da Igreja, como você pode notar. Elas foram trazidas para cá em 1724, inicialmente para decorar um jardim, e depois postas onde estão sob a observância da duquesa Maria Luísa em 1822.
Antes de esses austríacos serem os duques, Parma, tal qual Milão, esteve nas mãos dos espanhóis e também dos franceses. Foi sob os Bourbon — dos famosos “Luíses”, cujo XIV foi sol e cujo XVI viria a ser guilhotinado na revolução — que em 1761 se ordenou a construção da Biblioteca Palatina, também aqui. Ela é felomenal, como dizia o personagem do finado José Wilker.


Havia aqui uma biblioteca anterior, que os espanhóis levaram embora para Nápoles na década de 1730. Ela era a Biblioteca Farnesiana, relativa aos Farnese, a família que comandou o Ducado de Parma durante seus anos soberanos, entre 1535 e 1731, antes das ocupações estrangeiras.

Foram os Farnese que ordenaram a construção de todo este palácio em 1583, e mais adiante em 1618 a do renascentista Teatro Farnese, que você ainda pode visitar aqui dentro.
É curioso, pois esse teatro foi construído com relativa rapidez para ser inaugurado quando o poderoso Cosimo Médici, de Florença, estivesse de passagem por Parma numa viagem que ele previra fazer até Milão.
Não aconteceu. Dom Cosimo ficou doente e cancelou a viagem. O teatro foi largado pronto e não inaugurado (feito obra política de hoje em dia) por 10 anos, até que em 1828 — numa cerimônia com a devida presença da filha de Cosimo, Margherita de Medici — o inauguraram.
Ainda que do ponto de vista político tenha sido uma obra sob medida para estreitar os laços entre Parma e Florença, do ponto de vista sociocultural foi a reinvenção do teatro, a redescoberta do modelo Antigo, rompendo com o medievalismo que limitava apresentações a passagens bíblicas e sempre dentro de igrejas ou em praça pública, como nas procissões. O teatro enquanto tal havia desaparecido e agora ressurgia.



Minha dica final é que, do outro lado da rua do palácio, o sorvete da Gelateria La Pilotta é uma delícia. Está mais que recomendada.
É mesmo uma cidade de encantos tanto mais os olhos quanto para a boca.


Que maravilha, meu jovem amigo. Que beleza de cidade. Encantadora, como a própria Itália, com sua cultura magnifica, sua arte que atravessa os séculos, sua belezas naturais, suas construções soberbas, sua história grandiosa e polêmica, cheia de feitos heroicos, mas também de dominação e martírios, mas sempre a Itália… Belíssima. Terra de sonhos e de belezas ímpares. Até os nomes das cidades são sonoros e belos. Cada uma com sua graça, suas particularidades e beleza. E Parma é uma delas. Encantadora.
Amei as suas construções antigas, seu casario de época, seus templos magníficos, de estilos requintados, recortados, outros mais simples e também elegantes, seus belos interiores suas fachadas, sua arte sacra e profana, seus belos museus e palácios, seu teatro belíssimo, sua impressionante biblioteca, seus monumentos, e que enchem os olhos de quem aprecia a arte e a História. Magnificas: arte, historia e cidade. Avulta a grandiosidade dos interiores. Estonteante aquelas pinturas dos tetos dos templos, as cores magnificas, a riqueza dos detalhes, a profusão de cenas e acontecimentos registrados, os tons, o jogo de luz e sombra, suas arcadas elegantes tudo respira beleza e bom gosto. Belíssimos quadros . Lindas cúpulas. Fantástico acervo cultural.
Apreciei também as ruas bem arborizadas, com bastante verde, as praças também bem cuidadas e aprazíveis a linda arquitetura e a bela natureza da região, apesar do desgaste do curso d’gua.
Interessante a história de Maria Luísa, pouco falada na História Contemporânea.
Apesar de desagradável, o importante registro da mutilação das estátuas. Uma das marcas que desabonam a história da Igreja ao longo dos séculos.
Amei a postagem e a oportunidade de conhecer Parma.
Verdade. Não tinha me dado conta de que o famoso parmesão era de Parma.
By the way, que horror, meu amigo essas companhias aéreas. Deus me livre. Ainda bem que o senhor transformou o limão numa bela limonada. Lucramos nós que fomos apresentadas a essa linda cidade.
E haja sorvete e altas comilanças. hahah É isso ai. Apreciar o que há de bom nas regiões é necessário.
Obrigada. Valeu. Que venham mais belezas.