A Ethiopian Airlines é umas dessas aerolinhas internacionais que ganharam proeminência na década passada, começando a voar ao Brasil em 2013. Os brasileiros estranharam: “Ué, a Etiópia não era aquele país de gente faminta? Agora fazem voo internacional? Deus me livre. Deve ser avião de quinta categoria.“
As aeronaves são de primeira categoria e, diga-se de passagem, as mesmas usadas por outras companhias aéreas.
Apenas duas fabricantes, a estadunidense Boeing e a francesa Airbus, têm tecnologia de construir aeronaves comerciais de grande porte para voos intercontinentais. Ou seja, na parte mecânica não há diferença qual companhia fará o seu voo intercontinental. (Para voos domésticos há mais variedade, pois em alguns países há mesmo umas velhacas de fabricantes menores, mas dificilmente em voos internacionais.)
O que mais distingue companhias aéreas internacionais são os serviços, as amenidades, e o atendimento ao cliente. A Ethiopian Airlines nesse sentido se destaca. Como nos velhos tempos, permite o despacho de duas bagagens de até 23 Kg sem custo adicional, e ainda alimenta você dignamente (com refeições completas, não barra de cereal ou amendoim torrado), embora seu sistema de entretenimento a bordo seja limitado.
Além disso, são passagens relativamente baratas se comparadas às concorrentes. Você pode pesquisar e comprar direto no site da empresa ou baixar o aplicativo da Ethiopian Airlines (embora ele francamente não seja lá uma Brastemp, mas a empresa é boa).
Para a minha graça, ela também não deixou de voar durante a pandemia, e foi com quem tive a audácia de vir à África nestes plenos tempos (!).


Há uma crítica comum à empresa: a de que seus funcionários são rudes. Eu concordo que os jovens funcionários da Ethiopian Airlines ainda me parecem um pouco verdes, mas não os acho rudes.
Os funcionários da Ethiopian Airlines, tanto de bordo quanto de solo, tendem a ser gentis e eficazes, porém pouco experientes e não necessariamente dotados da maior paciência do mundo. Falta-lhes um jogo de cintura latino-americano que, apesar das semelhanças físicas conosco e da cortesia semelhante, eles não têm.
É também por lidar constantemente com passageiros africanos, indianos ou árabes desregrados, e os costumes algo autoritários de pôr ordem dando ordem, em vez de solicitar. Você verá se eclodir alguma situação, mas de geral são tranquilos e fazem seu trabalho bem. Tampouco é como se os comissários de todos os demais países fossem anjos, embora eu francamente ache os comissários brasileiros excepcionalmente corteses e pacientes em comparação à maioria dos estrangeiros.
Vamos aterrissar no Aeroporto Internacional Bole, em Addis Ababa, a capital etíope, onde faremos conexão.

Viajar durante a pandemia exigiu o uso de máscara durante todo o voo, mas afora isso tudo normal. Nada da lenda de ter que pedir para levantar antes de ir ao banheiro, nem essas coisas pitorescas.
Naturalmente, na hora de comer todo mundo remove as máscaras. Vários acabam por tirá-las durante o voo também quando não há comissário olhando. O avião veio meio cheio ou meio vazio, como você preferir.
Achei o aeroporto da capital etíope até bonzinho. Estava bem mais alegre e movimentado que o Aeroporto Internacional de Arlanda, o principal de Estocolmo, que eu havia deixado para trás (um ermo).
Você aqui em Addis Ababa precisa passar pela segurança com detector de metais antes de chegar ao saguão internacional, como é de praxe para conexões internacionais em aeroportos mundo afora. Uns distintos todos de terno azul-real e gravata verde organizavam a coisa, com as cores do consórcio público Ethiopian Airports.
A fila até que procede direitinho, embora se ouça o ocasional “eu estou junto com ele“. Mil vezes melhor que uns “estouros da boiada” disfarçados de fila que ja encarei no Cáucaso (leia-se na Armênia).
Partes do aeroporto têm ainda uma cara de recém-reformado, outras um jeito ainda de “estamos em obras”, mas é arrumadinho e funcional — ao menos a área internacional que vi. Há um vasto vão por debaixo de um gradeado branco, e umas cadeiras e espreguiçadeiras onde você pode se recostar e ficar todo escarrapachado se quiser. Feito o cidadão que fotografei parecendo um frango ao forno enrolado no papel alumínio para dourar.

Havia uma profusão de africanos das mais diversas sortes e origens no aeroporto, adicionados a alguns poucos brancos turistas aqui e ali. Um ou outro casal intrépido ou família europeia destemida, além de uns pingados gatos solitários feito eu.
O wi-fi do aeroporto só funciona quando quer, mas há vários cafés com conexões próprias. Basta que você consuma alguma coisa — um café de dois dólares ou um croissant de três. Tudo no saguão internacional é cotado em dólar, by the way. Vários lugares aceitam cartão, mas não são todos.
Há bebedouros com água gelada e filtrada. Não estão por toda parte, mas tampouco estão escondidos. Se não achar, pergunte a alguém. Eles existem e funcionam bem.

Os banheiros aqui são “íveis”. São limpos com certa constância e melhores que muito banheiro de aeroporto no Brasil, mas traga o seu próprio papel higiênico por via das dúvidas. Às vezes tem, outras vezes não. A minha impressão foi a de que ha sempre alguém faxinando, as pessoas usando, e alguém logo limpando de novo. Se quiser os banheiros mais “virgens”, dirija-se naturalmente às áreas mais quietas do saguão. A qualidade deles varia. Os mais modernos e limpos que achei foram próximo ao portão A6.
Como estamos bem na zona de fronteira entre predominância do cristianismo ou o islã na África, havia um misto de ambos. Vi breves salas de oração disponíveis aos muçulmanos diante de uns lugares onde lavar os pés, como é requerido pela norma islâmica antes de orar. Os cristãos orassem onde quisessem e com os pés do jeito que bem entendessem.
Eu me alegrei que tivessem tido essa sagacidade de criar lugares para lavar os pés, pois como quem viaja pelo Oriente Médio ou pela Índia sabe, de hábito os muçulmanos são mestres em encharcar banheiros de aeroporto se lavando nas pias. (Isso afora o costume geral dos árabes e indianos que, por costume cultural e independentemente da religião, usam a aguinha em vez de papel higiênico. De aguinha em aguinha os banheiros ficam um horror, mas aqui não vi isso. Quem procurar aguinha vai ficar na vontade.)

Já que eu falei em Bíblia, você verá muitas coisas com o nome de “Sheba“. Sheba é a lendária Rainha de Sabá (Queen of Sheba em inglês), a quem as escrituras hebraicas antigas fazem menção como alguém que levou presentes ao Rei Salomão israelita. Não se sabe historicamente de onde ela vinha, mas os etíopes usam Mateus (11:42) e Lucas (11:31) para defender que ela era rainha da Etiópia. Daí seu nome em muita coisa por aqui, inclusive no programa de milhagem da Ethiopian Airlines (Sheba miles).
Há bastantes lugares onde comer ou beber no aeroporto, embora aqui você não encontre nenhuma das redes ocidentais habituais. Esqueça McDonald’s, Starbucks, Burger King e essas coisas.
Há também muitas lojas de souvenirs típicos onde se distrair. O principal destes é, sem dúvida, o café, planta nativa aqui da Etiópia antes de se espalhar mundo afora. (Se tiver a curiosidade, veja o meu post O Café mundo afora: Para apreciadores da bebida e curiosos de plantão.)



Tenha, por favor, a fineza de perceber que praticamente 100% dos itens de madeira escura que você vê aqui não são ébano (embora frequentemente aleguem ser), mas alguma madeira mais ordinária pintada. Olho vivo. Achei os preços das artesanias um tanto altos, e deixei para quando eu vier realmente visitar a Etiópia. Por ora, era apenas uma conexão.
Cheguei a puxar papo com uma vendedora ou outra, embora nada muito extenso. Um funcionário de solo da Ethiopian Airlines, vendo a minha cara ocidental, chegou a me abordar casualmente pedindo ajuda para se comunicar com um passageiro idoso europeu que não falava inglês — um senhor grego. Perdoe, meu querido, mas já faz um tempo que as pessoas de cara latina na Etiópia já não mais têm o grego como língua franca. Senti-me quase na Antiguidade.
A Etiópia nunca foi colônia, mas recebe influências culturais deste lado de cá da África, assim como de árabes e indianos desde pelo menos a Idade Média.
Os etíopes têm um jeito algo modesto de se comportar. Falam baixo para os meus padrões. São mais mulatos que negros retintos, e também no jeito eles diferem da imagem que nós no Brasil temos dos africanos — quase que invariavelmente baseada nos africanos ocidentais (de Gana, Nigéria, Senegal, Camarões, e toda essa turma com seleções de futebol que se classificam para a Copa do Mundo).
Aqui a Etiópia, como a África Oriental (daqueles homens e mulheres esguias, vencedores da maratona de São Silvestre), são outros quinhentos. Os britânicos do século XIX que os dominaram não pareciam muito ligados em futebol, e o esporte cá não recebe tanta atenção. A Etiópia nunca foi colônia, mas recebe influências culturais deste lado de cá da África, assim como de árabes e indianos desde pelo menos a Idade Média, com muitas navegações comerciais pelo Oceano Índico.
Opa, hora do meu voo. Eu já estava conversando demais. Sobre a Etiópia eu falo mais quando a visitar. Há muito o país já não é mais aquele lugar faminto dos anos 80, embora ainda tenha pobreza. Virei um dia para conhecer de perto seu rico patrimônio cultural e sua longeva História (de que nossa mídia e nosso ensino eurocêntricos pouco tratam).
Por ora, o meu destino era mais ao sul. Após mais um voo de poucas horas em que novamente fui bem-servido de comida, o Aeroporto Internacional de Kilimanjaro me esperava, na Tanzânia. Eu revejo vocês lá.
IHHHhhhhh , que maravilha meu jovem amigo viajante. Chique e corajoso o senhor, hahha . Que bela aeronave e que comilança que parece bem arrumada e quiçá saborosa… uauu. Viajar para a África… Com a pandemia…Nossa. Corajoso. Amo a África, assim, como a Asia e a Latino América
Muito interessante a apresentação tanto da companhia aérea quanto do aero/país. De fato, o país é lembrado pela epidemia de fome que acometeu aquela região na década de 1980 e comoveu o mundo inclusive artistas, que se mobilizaram para chamar a atenção para o problema. Que bom que alguma coisa parece ter melhorado.
Gostei muito do aero de Addis Ababa. Amo essas lojinhas de produtos típicos. Adoro café…Acho que adoraria passear por la. Gostei. Arrumadinho.
Curiosa e interessante essa representação da Santa Ceia. sem judas com o povo todo moreno. E uma figura de mulher ai na frente. Gostei. As pessoas são bonitas, diferentes, mais jovens, as cores são alegres e vibrantes , bem ao gosto africano. Muito singela. Bonita e diferente.
Interessante a breve história da Etiópia. Não sabia que a famosa rainha de Sabá seria de la. Hollywood nos seus bons tempos produziu um magnifico filme: Salomão e a Rainha de Sabá,(1959) com a maravilhosa atriz italiana Gina Lollobrígida, e o magnifico Yul Brynner. Belo filme. Sucesso de bilheteria.
Lindas as cores da Etiópia. Adoro essas cores vibrantes da África.
Impressionante e belíssima essa foto tirada durante o voo. Linda. Amei.
Engraçado o nome do aeroporto, Bole haha
Adorei a referencia ao estouro da boiada na Armênia, Depois irei ver como foi hahahah
Coitado do carinha enrolado no casaco de ”papel alumínio” hahah e visto como frango a ser dourado ao forno haha Ô coitado.
Vilgen que tem que levar papel hahaha nossa hahaha
UUUuuuu vai ver o Kilimandjaro de perto ? uuuu adoraria ver. Famooooooso. Ora ora.. esse viajante é bamba mesmo. Espero que poste essa ida la. Valeu. Gostei da palhinha, como diz o senhor.. hahah
Puxa vida, que conteúdo bacana! Viajei em Outubro/20 para Dubai pela Emirates e me apaixonei por Dubai. Vi que a Ethiopian está com bons preços para viajar para lá em outubro/21. Já ouvi falar muito mal da empresa e do aeroporto de AdisAbeba, então fico com um pouco de medo, até pq o tempo de conexão será bem curto. Bom ouvir relatos positivos, assim consigo imaginar essa viagem menos amedrontadora.