Há um lugar da Tanzânia que, mesmo após eu visitar a vastidão das emblemáticas savanas do Serengeti, me impressionou.
A Cratera de Ngorongoro parece um Jardim do Éden. Ela funciona como um natural santuário de animais onde o verdume segue vivo para eles se alimentarem mesmo durante a estação seca. Como hoje é uma área protegida, aqui eles estão também mais a salvo dos homens.
A diversidade e quantidade de bichos distintos a circular ali em grandes manadas faz parecer que estamos em outro plano de existência. Cenário de filme espírita ou brochura das Testemunhas de Jeová mostrando a paz e a harmonia possível.

Estão vendo as colinas no horizonte não muito distante? Elas fazem toda a volta, circundando esta dita cratera com um diâmetro de 19 Km.
Antes de qualquer viagem cosmológica, devo informar que o mais correto seria chamar este lugar de caldeira, pois Ngorongoro se formou por obra vulcânica no passado. Não houve impacto de meteoro, nem é aqui a boca de um vulcão, mas o nome “cratera” foi o que pegou. Por todo lugar aqui na Tanzânia e nos mapas de internet você verá Ngorongoro Crater.
É dos lugares mais belos que já vi na Terra.



Embora estejamos dentro da grande Área de Conservação Ngorongoro, cujas outras partes e jeito de um “idílico africano” eu mostrei no post anterior, ao interior da cratera nem os Maasai têm autorização para descer. É uma área completamente protegida e de acesso restrito. Mesmo os turistas, quando pagam para descer, fazem-no apenas por um certo limite de horas.
As visitas costumam se dar logo pela manhã. Saímos cedo, aquele ar ainda fresquinho, deixando para trás o meu acampamento saído de Avatar ou algum cenário verdemente alegre de Donkey Kong.
À beira da estrada, eu hoje via as crianças Maasai nos seus uniformes verdes agora indo para a escola em vez de voltando.
O idílico continuava impressionante no que nos dirigíamos para a caldeira.




Você atravessa estes campos idílicos e sobe em altitude até o alto das colinas que circundam a caldeira, onde também estão os portões de acesso. Esbarrei num outro guia, que já me conhecia.
“Você está fazendo muitos dias de safári. Que maravilha! Eu já vi você antes“, disse-me ele nas escadarias que desciam do banheiro.
“Vou ficar na Tanzânia.“, declarei.
Ele riu. “Quem sabe eu lhe dou minha filha pra casar“, disse ele na zoeira já retornando ao jipe. “Espero que você vire um embaixador da Tanzânia depois!” Não no sentido diplomático, é claro. De turismo, quem sabe. Só faço contar o que vejo e o que vivo. Talvez já sirva para mostrar melhor “o que é que a Tanzânia tem”.
Embora eu já tivesse visto um tanto, Ngorongoro ainda me surpreenderia.





Ao que descemos, seguimos por essa estradinha de chão no interior da caldeira. Não é uma área pequena: são 260 Km², e os animais estão relativamente espalhados. Ainda assim, eles aqui são tão numerosos que você a todo momento vê algo — e às vezes vê uma multidão deles.
É como se houvessem desembarcado a Arca de Noé ali.





Ao que dirigimos às margens daquela água (uma lagoa que há na caldeira), vinha uma procissão de gnus e zebras a caminhar em direção a ela naquela manhã. Eram centenas, misturados como peregrinos.






Se ali era o céu, o centro do céu era uma árvore ficus, quase que por desenho posta diante de uma outra lagoa como se toda a paisagem tivesse sido projetada assim.
Tinha até wi-fi.

Sob a sombra da ficus você fica um tempo. Ouvem-se apenas os pássaros, o vento, e o borbulhar dos hipopótamos na água.




Nos detivemos um tempinho — a vontade que dava era de passar o resto da eternidade ali, tamanha a paz que era.
Seguimos caminho, deixando para trás a ficus. Há uma pequena floresta num certo canto desta caldeira, onde buscamos avistar leões. Sobretudo, buscávamos ver um dos 32 rinocerontes negros remanescentes — o que só consegui ver por binóculo a uma grande distância. (Como o veículo precisa permanecer nas estradinhas, não dá para simplesmente se aproximar onde quer que ele esteja.)

Os rinocerontes são dos animais mais ameaçados que há no planeta. Restam apenas cinco espécies, a maioria delas sob perigo. Três são asiáticas: uma habitando os sopés dos Himalaias entre o norte da Índia e o sul do Nepal, e as duas outras de ilhas da Indonésia, o rinoceronte de Java e o rinoceronte da Sumatra, onde a expansão agrícola devasta as florestas.
As duas espécies africanas, o rinoceronte negro e o rinoceronte branco, estão em situações muito distintas. O branco não é ameaçado, já o negro está à beira da extinção.
Há uma noção maluca no Vietnã e na China de que o pó de seus chifres serve de viagra.
As cores são equívocos de nomenclatura — todos têm essa cor cinza, chegam a pesar duas toneladas, são solitários (o que os deixa mais vulneráveis), reprodução demorada, e têm chifres curiosamente feitos, não de osso, mas de queratina, a mesma substância das unhas e cabelos humanos.
Como quase sempre, o ser humano é o responsável. Seus chifres são tradicionalmente usados para fazer cabo de punhal na Arábia. Sobretudo, há uma noção maluca no Vietnã e na China de que o pó de seus chifres serve de viagra ou até mesmo cura o câncer.
Os profissionais de Medicina Tradicional Chinesa repetem continuamente que nenhum manual cita esse “remédio”, mas vocês sabem como é gente. Há acordos proibindo o comércio desses chifres, mas clandestinamente ainda há um tráfico.


Eu ia aos poucos encerrando este longo safári, as experiências em paisagens maravilhosas.
Pretendi mostrar bastante, mas há sempre mais aqui em África. São tantos os animais, tantas as culturas.






O vale encantado que é esta caldeira faz você ter vontade de ficar por aqui. (Re?)Integrar-se ali àquele ambiente.
Mas era hora de encerrar este fabuloso périplo por parques ecológicos tanzanianos. Hora de conhecer algo mais das outras facetas deste país — seus outros lugares, outros ambientes, suas gentes.
Deixo vocês com mais algumas fotos deste lugar mágico nesta manhã. À tarde, após um almoço logo à saída da cratera, tomaríamos a estrada rumo de volta a Arusha. Despediria-me de Ally, e agora estava por conta própria na Tanzânia.





Que viagem incrível!