Romeu e Julieta, muito antes da goiabada com requeijão, configura talvez a mais famosa história romântica de todos os tempos. Há quem diga que todos os dramas de amor da ficção depois da consagrada obra de Shakespeare não passam de adaptações da mesma trama.
A quem desconhece os detalhes da obra de 1597, Romeu Montecchio e Julieta Capuleto são dois jovens que pertencem a tradicionais famílias rivais em Verona, mas apaixonam-se perdidamente. O pai de Julieta, entretanto, está determinado a casá-la a outro homem. A moça teima, consuma seu amor com Romeu, e entra num imbróglio para escapar do casamento arranjado.

Eu não vou contar a peça toda, mas acho que todos sabem que o fim é trágico. Aliás, não faltam duelos e assassínios durante toda a história. (Todas as novelas da Globo são versões mais light.)
Tem quem, no Brasil, ainda creia que o casal existiu de verdade, mas eles são personagens de uma peça de teatro, viu gente? A tal “Tumba de Julieta” no Museo degli Affreschi em Verona é imaginação das pessoas. Foi um arranjo do diretor dos museus de Verona em 1937 após o sucesso do primeiro filme da obra lançado em 1936.
William Shakespeare (1564-1616) deu o tom e o texto da história com sua habitual maestria de dramaturgo. Ele, no entanto, fez a peça com base numa obra anterior do seu compatriota inglês Arthur Brooke, A Trágica História de Romeu e Julieta (1562).
O drama se passa na Itália — e não na Inglaterra natal do dramaturgo ou do escritor — porque Brooke, por sua vez, se baseou numa novella do bispo (!) e romancista italiano Matteo Bandello.
Antes de ser bispo, Bandello era latino e italiano, e a Itália era referência em tudo o que tratava de cultura social nesse período por toda a Europa. Até a França depois tomar este lugar a partir do século XVII, as cidades italianas eram a principal referência europeia de “civilização”. Verona era das mais prósperas delas.
Verona está longe de ser meramente o cenário imaginado para Julieta e o seu Romeu. A cidade inteira é Patrimônio Mundial da Humanidade tombado pela UNESCO. Trata-se de uma cidade antiga, dos celtas, absorvida por Roma em 89 a.C., e que despontou na Renascença como um dos principais centros italianos de arte e pensamento.
Mesmo antes, na Idade Média, Verona já edificava pontes e muralhas que permanecem até hoje para visitação.


Eu cheguei a Verona à noite, a cidade ainda movimentada no seu centro, ainda que as demais ruas já estivessem quietas e com tudo fechado. Ao contrário das cidades latino-americanas onde os centros à noite são perigosos e as pessoas rumam aos shoppings, na Europa praticamente não há shoppings (os europeus, via de regra, detestam o conceito americano de shopping fechado), e os animados centros de cidade é que se enchem de vida.
Arcos medievais portentosos ainda iluminados pelo Natal tinham carros passando debaixo de si. A vetusta arena antiga da cidade, hoje iluminada, dava testemunho ao farfalhar dos jovens passeando, nestes tempos tão menos sangrentos que os de outrora.
Como que a imitar estrelas no céu escuro, luzes brancas dependuradas em cordas por sobre a praça iluminavam-na, e a decoração de Natal se misturava à arquitetura clássica do lugar.




Após esse périplo noturno inicial, eu na manhã seguinte estava pronto para visitar melhor a cidade.
Era uma ensolarada e quieta manhã de inverno. O frio tomava conta da manhãzinha tardia da cidade, os europeus — como de hábito — ainda embriocados na cama ou em casa até relativamente tarde. O dia aqui não começa cedo como nos trópicos. (É comum que muitas lojas só se abram às 10h ou às 11h.)
O relógio já marcava 9h da manhã quando eu era ainda das raras almas diante do Castelo Velho (Castelvecchio), construído no século XIV pela e para a família dominante de Verona, os Della Scala. Não era à toa que brigas entre famílias poderosas eram encenadas aqui. A realidade oferecia abundantes exemplos.


Esse castelo é hoje um sítio histórico que você pode visitar mediante um ingresso pago, mas o esplendor dele é mesmo esta vista externa.
Por detrás dele e por sobre o Ádige, fica a Ponte Scaligero construída exclusivamente para os governantes caso houvesse revolta popular ou invasão por outra das famílias dominantes de Vêneto ou Lombardia, para permitir-lhes fugir ao lado norte do rio.
Os Della Scala, manda-chuvas aqui por séculos, eram aliados dos germânicos do Sacro-Império na Idade Média e poderiam se abrigar com eles no Tirol, nos Alpes, em caso de algum alvoroço.
A ponte, hoje passagem exclusiva a pedestres, pode ser visitada sem custo e oferece magníficas vistas.


Os Della Scala eram uma família um tanto ciosa de seu poder. Foi Cangrande II, que “reinou” entre 1351 e 1359, quem ordenou a construção da ponte de fuga.
Os Della Scala haviam dominado amplas extensões da Itália no início do século XIV: não só toda a região de Vêneto como também cidades distantes como Parma e Lucca.
Como ele não confiava nem nos seus soldados, Cangrande della Scala II possuía uma guarda pessoal composta por germânicos de Brandemburgo sem vínculos com a política local, uma pretensão um tanto pretoriana, achando-se praticamente o Augusto de Verona.
Acabou, porém, sendo assassinado pelo próprio irmão em 1359. Fratricídios eram e seguiram sendo comum em Verona e nessa família, repetindo-se na geração seguinte.
Os Della Scala haviam dominado amplas extensões da Itália no início do século XIV: não só toda a região de Vêneto como também cidades distantes como Parma e Lucca. Haviam patrocinado eminentes artistas italianos como Dante Alighieri e Giotto, mas cederiam gradualmente espaço para Veneza e Florença ascenderem.
Aqui, eu conheci melhor o florido estilo gótico italiano.
Verona, todavia, seguiu sendo uma cidade comercial importante do norte da Itália, e você nota como aqueles acontecimentos faziam daqui um solo fértil à imaginação para novelas, tragédias e intrigas de toda sorte envolvendo famílias poderosas.
As igrejas desse tempo aqui, a propósito, são das mais belas que já vi na Itália. Aqui, eu conheci melhor o florido estilo gótico italiano. Vejam que espetáculo.






Se você se interessa, Verona oferece uma entrada-combo de acesso a quatro das suas principais igrejas históricas por um preço reduzido: (1) a Basílica de Santa Anastásia, (2) a Igreja de São Firmo, (3) a Igreja de São Zeno, e (4) a Catedral de Santa Maria Matricolare. É cada uma mais esplendorosa que a outra, um espetáculo de arte sacra e pura beleza arquitetônica italiana.
A Basílica de São Zeno — em cuja cripta teria ocorrido o casamento de Romeu e Julieta — foi erigida entre 967 e 1398 em estilo românico, anterior ao gótico.







São Zeno fica um pouco afastada do centro, mas ela vale a visita. Está sempre no périplo dos fãs de Romeu e Julieta por ter sido o lugar do casamento na história.
Esses fãs, assim como os turistas que vêm em grupo, invariavelmente também visitam o suposto “balcão de Julieta“, entre aspas porque é outra fabricação turística assim como o túmulo.

A antiga mansão da família Cappello caiu nas graças de algum empreendedor bem-sucedido que aqui criou La Casa di Giulietta, um museu onde se veem trajes e objetos de época, inclusos alguns do segundo filme da obra, este dirigido por Franco Zeffirelli e lançado em 1968.
Você entra por decisão própria (eu não fiz muita questão); só saiba que é um espaço inspirado na obra Romeu e Julieta.
O mais curioso são os rituais românticos das pessoas que vêm aqui. No que é uma espécie de fundo de beco, há uma estátua de metal de Julieta um pouco maior que o tamanho real — e com os peitos bem reluzentes de tanto os visitantes lhe porem as mãos.


Ao redor naquele beco, você também vê paredes cheias de chicletes, que — suponho — amantes mascaram um depois do outro, para não dizer “juntos”.
Não faltam tampouco vendas de cadeados onde você pode gravar os seus nomes, assim como de tecidos onde a loja oferece cozer sua alcunha e a da sua amada. Ou do seu amado.
O que eu acho curioso é as pessoas se fixarem na aventura, no risco, e aparentemente não levarem em conta que Romeu e Julieta é uma história de tragédia, em que ambos acabam mortos (perdão pelo spoiler) e sem realmente a chance de viverem felizes juntos. Não sei se é o fim em que eu quero me inspirar, mas vá lá.



A cidade acabou por se revelar bem mais rica e bonita do que eu imaginava. Verona com seus arcos antigos, arena romana, castelo medieval e pontes de pedra me impressionou.
Se você acha que viu tudo, que tal na Via Mazzini (o principal calçadão de Verona) e ruas adjacentes eu caminharia por — pasme — calçamento todo em mármore, um testemunho da histórica riqueza da cidade.



Para temperar, porém, os vossos suspiros de glamour com algo mais de humanidade, preciso notar que esse mármore rosa foi palco das cenas mais tristes que presenciei em Verona.
Como que um sóbrio lembrete das mazelas de um mundo ainda injusto, da manhã à noite na Via Mazzini você encontra pedintes por sobre o seu mármore. Imigrantes e não-imigrantes, pessoas que de rosto mórbido o abordam em italiano, ou às vezes de prostram parados de joelhos sustentando fotos de seus entes queridos e pedindo ajuda. Antes de qualquer julgamento, ponha-se no lugar deles tendo que exibir uma foto da sua mãe doente e a pedir auxílio.
Um tanto contrastante, ver a miséria humana por sobre o mármore ostentado no chão. Eu não os fotografei, mas venha e os verá aqui.
Seguindo a Via Mazzini desde a arena até o seu final, você chega à Piazza delle Erbe, a Praça das Ervas, a mais antiga e uma das mais emblemáticas de Verona.


Dali você pode explorar todas as miudezas do centro histórico de Verona envolto na curva que faz o Rio Ádige — quase que um nó em si mesmo, em forma de U invertido.
Lá na ponta fica o duomo, a Catedral de Santa Maria Matricolare. Novamente em estilo gótico italiano, ela é lindamente colorida, com afrescos por entre suas arcadas ogivais.
Ela é um complexo com duas entradas: a principal, para o duomo propriamente dito, e outra por detrás, onde você visita a antiga Igreja de Santa Elisa, original do século IV, e um batistério paleocristão (ou seja, da Antiguidade).




A saber, o ingresso coletivo para esse maravilhoso “giro” de 4 igrejas em Verona sai por meros €6 (€5 para idosos). O ingresso vale por um ano. Se você visitar duas das quatro igrejas, já o paga. A Chiesa di San Fermo eu não cheguei a visitar, mas ficou para a próxima.
Você fica impressionado com o número de belezas em Verona. Duas noites não me foram o bastante para ver tudo o que eu queria — recomendo três.
Seguindo por suas ruas, mármores e igrejas, terminei na Ponte Pietra, a Ponte de Pedra, construída em cerca de 100 a.C., portanto a mais antiga da cidade. É a principal entrada da cidade. (Assim sendo, ao chegar vindo da estação ferroviária e se deparar com a arena, saiba que assim está entrando em Verona pelos fundos. Naquela época, a arena era fora das muralhas da cidade.)
Lá no alto, o Castel San Pietro, aonde você pode subir de funicular. Ficou para uma outra vez, mas eu sei que as vistas lá de cima são fabulosas.


Ecce Verona, bem mais que apenas o cenário de Romeu e Julieta. Quando Shakespeare lá no século XVI escolheu essa história para trabalhar, você devia saber que à toa não foi.
Daqui, eu agora iria rever Pádua (Padova), a mera 1h de distância nesta densidade de belas e históricas cidades que é a Itália.

Magnifica. Esplendorosa, Um museu a céu aberto. Belíssima.
Meu jovem, quanta beleza. Encantei-me com esse repicado elegante, rico, alegre e vistoso gótico Italiano. Que lindo!… Que efeitos de leveza, de graça, detalhes e de beleza surpreendentes. Belos interiores. Belos, tons, belo jogo de luz e cores. Tudo fica bonito e iluminado. lindos templos, belíssimas construções, ricas de arte e de História. Com certeza ultrapassa a lenda.
Que chic essa avenida de mármore, uau. Não é fraca não a cidade. Belíssima avenida. Um charme.
Mas com certeza muito triste ver a situação deprimente e degradante dos pedintes, sua exposição e sua mendicância. Pobres vítimas da desigualdade e da ganância de muitos. Duro de ver e de passar adiante. Mesmo ajudando sabe=se que a necessidade continua. Muito triste. Não sei, meu jovem amigo viajante quando teremos um mundo mais humano e menos desigual?
Afora essa constatação que sabemos grassa em varias partes do planeta, ficamos encantada com Verona. Dela só tinha ouvido falar dos personagens famosos.
E que interessante ter visto o balcão onde o grande Giuseppe Garibaldi arregimentou a população da Italia com fins da sua Unificação. Lindo. Histórico o balcão. Eu adoro balcões.
Muito bem, meu jovem amigo. Estou apresentada à romântica, histórica e bela Verona. Prazer em conhecê-la, linda Verona. Amei.