Pádua (Padova) na Itália é um destino buscado pelos brasileiros sobretudo como peregrinação, sendo ela o lugar onde Santo Antônio passou boa parte da vida e faleceu.
Os portugueses católicos, porém, ficam azedos com quem diz “Santo Antônio de Pádua” em vez de “Santo Antônio de Lisboa”, preferindo referir-se à sua cidade de origem. (“Bom português não é“, vi certa vez escrito em Portugal sobre quem associa o santo a Pádua.)

Fernando Martins de Bulhões (1195-1231), conhecido pelo nome franciscano de Antônio (em referência ao cristão eremita da Antiguidade conhecido no nosso idioma como Santo Antão), nasceu numa família rica e largou tudo por devoção espiritual.
Não farei aqui uma hagiografia sobre Santo Antônio; basta dizer, por ora, que ele foi — e continua sendo — encaixado naquele contexto de disputa entre Cristandade e Islã que há muito domina as mentes ibéricas, e se tornaria figura-chave para o nacionalismo português.
Pádua, contudo, para além de Santo Antônio e sua basílica que tanto atrai fiéis, é um impressionante centro italiano do saber. Tem a segunda mais antiga universidade do país (de 1222, posterior apenas a Bolonha, de 1088), frequentemente considerada a melhor universidade italiana. É uma cidade de grande riqueza artística que também atraiu figuras renascentistas como Giotto e Galileu Galileu (o qual chegou a lecionar na Universidade de Pádua).
Talvez o lugar mais belo e atraente da cidade, para além da veneração a Antônio, seja a Cappella degli Scrovegni, cujo interior foi pintado pelo mestre Giotto entre 1304 e 1306. Ela é considerada uma das maiores obras de toda a arte ocidental.
Pádua tem bastante. Vamos cá conhecê-la um pouco melhor.

Duas colunas de fumaça saídas de alguma fábrica subiam rumo ao céu de nuvens rosadas daquele amanhecer em Verona. Faça-se saber que a poluição do ar tem sido a principal responsável pela deterioração dos afrescos medievais e renascentistas na Itália. Quem diria que o ambiente teria também esta forma de química com a arte.
Eu cheguei a Pádua à hora do almoço, vindo num bate-e-volta de trem desde lá, da cidade que serviu de cenário à shakespereana obra Romeu & Julieta. (Da próxima vez, fico mais tempo.)
Impressionei-me de ver Pádua uma cidade relativamente grande, de quase meio milhão de habitantes na sua região metropolitana. Não imagine um vilarejo remoto.


Antes de chegar a essa bela via, fui recebido por uma das onipresentes estátuas de Giuseppe Garibaldi pela Itália, em honra ao líder revolucionário da Unificação Italiana. A principal rua de Pádua também leva o seu nome.
Num parque, estrategicamente localizada entre a estação ferroviária e o centro histórico, a Cappella degli Scrovegni se indica com marcas pelo chão.
Por ali você chega à curiosa obra a mando de Enrico degli Scrovegni, um rico banqueiro cujo pai, Reginaldo degli Scrovegni, havia sido um usurário de marca maior, o qual Dante Alighieri viria a pôr como exemplo de tal pecado no sétimo inferno em sua Divina Comédia.
Enrico, dizem, quis penitenciar a família construindo um sagrado local de devoção anexo ao palazzo, à mansão familiar. Chamou, para isso, o melhor artista sacro do período, um homem que revolucionaria a pintura, ajudando a dar partida ao Renascimento: Giotto di Bondone.


Você precisa reservar sua visita à Cappella degli Scrovegni de antemão, pela internet e com hora marcada, mas não é nada do outro mundo. Basta acessar o site oficial e buscar Prenota la visita ou Book now em inglês. (Prenotazione, para reserva, é um termo fundamental para aprender em italiano.) Você daí será levado ao portal Vivaticket, que opera as vendas de inúmeras atrações italianas.
Tal agendamento é porque só entram no máximo 25 pessoas por vez. Você leva seu voucher adquirido com a compra pela internet, dá o nome da reserva, e coleta suas entradas na bilheteria. Não precisei mostrar o passaporte, embora eles peçam que o tenha consigo.
Em tese, basta estar lá no horário marcado, quando pontualmente a porta abre, mas recomendo chegar uns 30 min antes para retirar seus ingressos, ter tempo de visitar os arredores e ver uma sala audiovisual com coisas sobre Giotto.


Giotto di Bondone (1267-1337), nativo da República de Florença, foi talvez o maior responsável por romper com os padrões de pintura vigentes na época medieval.
Dominavam os padrões bizantinos de arte sacra e arte em geral, pois quase toda arte nesse tempo era sacra. As figuras religiosas eram pintadas como entes que estavam para além das paixões humanas. Ou, no mínimo, não era aceito que se representasse “demasiadamente” tais emoções.

Giotto começou a humanizar as figuras sacras, como Jesus e Maria, dando-lhes expressões emotivas nos olhos, posturas realistas, e perspectiva. Retrata já neste início de 1300 até um beijo entre São Joaquim e Santa Ana, os país de Maria — algo inimaginável na arte sacra bizantina. Já retrata um papa (de rosto indefinido) no inferno que retrata, o que viria a aparecer logo depois também na Divina Comédia de Dante Alighieri em 1320.
O interessante é notar como, ao contrário de como isso nos é às vezes ensinado, o Renascimento não foi um surgimento repentino, rápido, um rompante, como algo que (re)nasce onde antes não havia nada.
Diferente disso, o Renascimento construiu enormemente sobre o que a Idade Média desenvolveu: as universidades a partir de 1088, os avanços na representação artística com Giotto e outros, na literatura com Dante, e por aí vai. Os escolásticos e artistas italianos dessa Idade Média tardia, por sua vez, construíram bastante sobre o que desenvolveram os andaluzes da Ibéria moura entre 800-1100, como Averróis (Ibn Rushd) e outros.
A gente às vezes classifica a História didaticamente em períodos abstratos, invenções nossas, e passamos a crer demais nesses rótulos. O que houve na realidade foi um contínuo, não saltos.
Nesse contínuo, claro, houve quem personificasse esses avanços. Giotto foi um desses mestres, e na Cappella degli Scrovegni você vê do melhor de sua obra.



Na visita à capela, você assiste a um filme de 15 minutos em italiano (com legendas em inglês) dando os muitos detalhes da obra de Giotto aqui. O conceito todo da coisa e seu nível de detalhes são impressionantes.
Em seguida, você dispõe de cerca de outros 15-20 minutos no interior da capela para apreciá-la. É permitido tirar fotos sem flash. Um funcionário fica lá dentro, e depois soa algo indicando tempo esgotado. O tempo é suficiente para a maioria dos visitantes.




Assim a arte sacra da Idade Média ia gradualmente se transformando no que se convencionaria (mais tarde) chamar de Renascimento. Foi uma transformação ocidental rumo a um maior realismo e humanismo. Na Igreja Ortodoxa, persevera o padrão bizantino, como você continua a encontrar em países como Rússia, Ucrânia, Grécia, Bulgária ou Romênia, dentre outros.
Eu permaneci ainda um tempo olhando a lojinha antes de seguir rumo ao centro de Pádua. Uma pequena pausa para lanchar um pedaço de pizza acompanhado de um chocolate quente, e pernas adentro.

Quem vem a Pádua exclusivamente para visitar a Basílica de Santo Antônio (como fazem certos grupos turísticos) acabam perdendo de ver muita coisa da cidade.
Ela tem um delicioso e animado centro histórico de magras ruelas, que às vezes me lembram uma medina ou becos de Idade Média que se encontram entre praças e curvas.






Barracas de frutas, verduras e muambas fazem fila diante dos prédios de época no centro de Pádua. Pessoas passam lá e cá, como a ocasional moto ou bicicleta, por debaixo das arcadas com lojas, calçadas, ou becos. Parte disso era um gueto judeu, e ainda há uma sinagoga secular. Guardadas as devidas particularidades, Pádua parece uma viva cidade medieval contemporânea.
Era a hora de finalmente rumar à Basílica de Santo Antônio, algo afastada do centro. Ela fica aberta todos os dias até as 19:45, com o túmulo do santo num sarcófago de mármore verde onde os fieis oram e passam as mãos.


A Basílica de Santo Antônio, que experimentou contínuas reformas e ampliações, hoje é imensa, como é imenso também o movimento de pessoas. Lembra-me quase Aparecida ou Guadalupe (no México), com grande quantidade de peregrinos a todo momento.
Já era noite quando eu cheguei. Havia vários brasileiros que eu ouvia pela igreja, algumas famílias com tons de que chegaram cedo e haviam passado já várias horas ali, se não a tarde. Os últimos fieis do dia ainda formavam fila para ver de perto a dita “língua incorrupta” de Santo Antônio num relicário.


O que fizeram para a tumba de Santo Antônio excede em luxo qualquer túmulo de imperador romano que eu já tenha visto, com teto de detalhes dourados e murais de mármore branco esculpido em alto relevo nas paredes.
Acho um certo contra-senso diante de sua vida franciscana — franciscanos eles que fazem voto de pobreza como um de seus valores —, mas está lindo. Eu tenho vagas memórias de quando vim aqui (ainda imberbe) no século passado e era tudo um tanto mais simples, mas pelo visto tem entrado dinheiro na basílica.
O mais tocante e próprio, diga-se a verdade, são os painéis onde os fieis põem fotos de seus entes queridos. Você nota a fé de tantos, o que tem muito mais lastro que o ouro ou o mármore.



São inúmeras as imagens sacras, de época ou contemporâneas, que hoje adornam o interior da basílica. Muitas ilustram momentos famosos da vida do santo, como sua pregação, enquanto outras retratam os franciscanos de forma imaginada.

Não me surpreende que devotos passem horas aqui — a basílica é repleta de detalhes e pode ocupar-lhes um bom tempo. Ainda volto com mais calma. Tanto Antônio quanto seus contemporâneos da medieval e pujante Pádua o merecem. Definitivamente, não é uma cidade apenas para uma paradinha do ônibus nem para um bate-e-volta.
Fica aí este tira-gosto do que Pádua representa. Mais que “apenas” um sítio de peregrinação, uma das principais metrópoles italianas de referência desde a Idade Média. Talvez hoje a sua principal cidade estudantil, desde o tempo escolástico dos santos.
Belíssima, Padova!… Magnifica, portentosa, elegante, com bela , charmosa e larga avenida , ao mesmo tempo em que se revela , com suas ruelas antigas, como que saída do Medievo. Que interessante. Parece mesmo ser uma cidade medieval moderna. Ao mesmo tempo que guarda seu passado histórico sobretudo na sua arquitetura, mostra-se moderna no seu movimento citadino.
Como o senhor, meu caro amigo viajante , fiquei surpresa ao ver representada nessa bela postagem, uma Padova desse porte. Para mim seria a Catedral de Santo Antonio e algumas ruas em torno. Surpreendentemente vistosa e com seus ares do passado, no seu presente bem conservado. Um belíssimo conjunto arquitetônico, históricas e magnificas construções de estilos maravilhosos. Impressionantes.
E que interessante esse passado do destaque intelectual. Ótimo que ela preserva essa característica de ser um centro de iluminação acadêmica. Muito bom saber desse passado e desse presente. Uma senhora cidade. De grande porte, e de grande importância, histórica, cultural e religiosa.
Que beleza poder apreciar os encantos a arte e a genialidade de Giotto na Cappella degli Scrovegni, que sua amiga aqui ouvira falar mas não sabia que se encontrava em Padova. Espetacular. Impressionante, deslumbrante. Que gênio o desse moço. Difícil de descrever as emoções que animam os apreciadores da arte ao estar diante de tanta beleza. Um primor. Uma visita certamente inesquecível, marcante. A postagem está magnifica. Mostra com detalhes a beleza de cada parte e do conjunto. Corajoso, Giotto, nas inovações e no enquadramento de figuras públicas em algumas situações constrangedoras para elaS. O Renascimento teve disso, o que causou sérios problemas para os gênios que se viram perseguidos por isso.
Magnifica a basílica de Santo Antônio. maravilhosa, com certeza. Imagino o quanto de beleza ,arte, cultura e religiosidade ela traduz e as emoções que suscita em quem chega e aprecia sua magnifica arquitetura, seu interior fascinante, e com os olhos da alma contempla o belo túmulo daquele que foi um humilde grande amigo do também humilde Mestre de Nazareth. Revê seus passos naquela que ao seu tempo deveria ser uma igrejinha pobre dos franciscanos, pobres como seu Pai fundador, Francisco de Assis. Com certeza Antonio não está satisfeito com tanto luxo e riqueza que tanto ele como Francisco combateram. Poder e dinheiro não combinam com religião, já disse alguém. Mas que a Catedral é magnifica, lá isso ela é. Impressionante em beleza, arte e requinte. E muito bem posta na bela Padova, que viveu e conviveu com o grande Antonio, de Lisboa e de Padova, para contentar a todos ,e foi testemunha dos seus grandes feitos em nome de Jesus. Ele é muito amado e venerado aqui no Brasil seja vindo pelos imigrantes portugueses , seja pelos imigrantes italianos.
Linda, emocionante postagem . Amei Padova, Giotto, Antonio Santo e tantas belezas outras espalhadas por essa bela região. Salve Padova, salve Giotto, salve Antônio
E claro, parabéns ao jovem viajante que nos agracia com suas interessantes viagens, belas imagens, historias , comilanças, arte, cultura, natureza etc e tal , sempre. Valeu.