Faz quase 10 anos que fui pela primeira vez a Tallinn, uma cidade sobre a qual eu quase nada havia ouvido — exceto que era bonita. À ocasião, passei uma semana zanzando num evento que se distribuía por várias partes da cidade, conheci pessoas, e pude presenciar os fiscais da União Europeia flagrarem os organizadores usando fundos indevidamente. Obtiveram financiamento para um evento, e estavam organizando outro. Vocês fiquem aí pensando que certas coisas só ocorrem no Brasil.
Resolvi rever Tallinn, já sem o organizador gorducho que convidou a própria mãe para dar a palestra de abertura. (Essa coisa da cosa nostra familiar já está em voga há algum tempo.) A cidade, naturalmente, segue a mesma. Alguns anos não são nada para seu centro medieval, com elementos dos idos de 1300.
A Estônia é um país sobre o qual quase nada se ouve falar, exceto o pessoal do setor financeiro, que sabe que este é um país ultra-flexível nesse respeito. Inventaram o TransferWise, a ferramenta de transferir dinheiro internacionalmente sem pagar tarifas, e também o Skype, para se fazer — desde 2003, muito antes dos smartphones — chamadas à longa distância sem pagar. Há um quê avant garde aqui na Estônia.
Os estônios, 1,3 milhão de pessoas num país do tamanho do Estado do Rio de Janeiro, são parentes dos finlandeses. Ambos falam línguas urálicas (finlandês e estônio), que nada têm que ver com a família linguística indo-europeia. Eles vieram parar aqui em migrações longevas desde o atual centro da Rússia há milênios atrás.

O que imaginar deste lugar, ali entre os nórdicos e a Rússia?
A Estônia foi parte da União Soviética até separar-se em 1990, então seu o passado recente é de comunismo — você verá muitos daqueles prédios cinzentos característicos. Por outro lado, aqui há uma longeva história que remonta à Idade Média e que podemos conhecer.
Os estônios, coitados, agora é que estão conhecendo independência. Passaram a maior parte do último milênio dominados por um por outro.
O mais antigo registro que se tem de Tallinn data de 1219, quando da conquista destas terras pelo Reino da Dinamarca. Àquela altura, a expansão Viking podia ter passado, mas os reinos escandinavos — já cristianizados — expandiam-se da mesma forma por seus arredores e brigavam entre si.
Alguns sugerem que Tallinn pode ter sido a cidade que o viajante medieval árabe Muhammad al-Idrisi (1100-1165) descrevera nas suas viagens pela Europa como “uma pequena cidade [que é] como um grande castelo.“
De fato, ainda hoje não é difícil ver o (amplo) centro histórico de Tallinn como um grande castelo.


Este portão está documentado desde 1362, ligando o centro comercial de Tallinn às estradas que saíam continente adentro.
Entretanto, era por mar que se dava a maior parte do comércio medieval aqui. Tallinn em 1285 juntou-se à famosa Liga Hanseática de cidades mercantes como seu membro mais ao norte de todos. Eu já cheguei a falar sobre essa liga anteriormente, uma guilda “internacional” (entre aspas porque nesse tempo não existia o conceito de nação) de mercadores dos mares do Norte e Báltico.

À época, esta cidade era mais conhecida pelo nome germânico de Reval, uma adaptação do nome Revelia em latim, como esta região era conhecida pelos demais europeus durante o medievo. Uma das muitas variedades de alemão era a lingua franca da Liga, especificamente o hoje chamado “baixo alemão médio” oriundo da Saxônia.
São incontáveis as referências à Liga Hanseática e a esse período de fins da Idade Média no centro medieval de Tallinn.



Eu lhes digo com tranquilidade que, exceto talvez por Praga na Tchéquia, nenhuma outra capital europeia supera Tallinn em termos de aroma medieval.


Saibam que esses séculos nesta região foram de grandes batalhas pela cristianização destes recantos da Europa.
Não o digo de forma honrosa; sempre julguei ser um contrassenso se matar ou submeter os outros à força em nome de Jesus. Mas isso é o que foram as Cruzadas: conquistas de território, posses materiais e poder político em nome da religião.
Nesta região da Europa, foram os Cavaleiros Teutônicos o braço religioso armado responsável por conquistar e, mais tarde, governar terras e povos do leste europeu.
Enquanto que as Cruzadas (1096-1271) contra os muçulmanos na Terra Santa são mais famosas, houve ainda estas chamadas Cruzadas do Norte, em que sobretudo germânicos e escandinavos — já convertidos ao cristianismo — usaram-no como justificativa para dominar gentes eslavas e bálticas.
Enquanto ingleses, franceses e outros mais ao sul na Europa compuseram ordens famosas como os Cavaleiros Templários ou os Cavaleiros Hospitalários, aqui nesta região da Europa foram os Cavaleiros Teutônicos o braço religioso armado responsável por conquistar e, mais tarde, governar terras e povos do leste europeu. Dentre estes, os estônios e sua Tallinn.
Eu cheguei a apresentar em maiores detalhes as conquistas dos Cavaleiros Teutônicos no leste europeu anteriormente, na minha viagem à Polônia.
Eles representaram o primeiro esforço germânico de dominar o leste europeu, algo que seria explicitamente tentado novamente com Hitler no século XX e, segundo as más línguas, é também o que a Alemanha do século XXI re-tenta através da União Europeia.



Tallinn e toda esta região seria diretamente governada por ordens religiosas até 1561, quando a Ordem da Livônia — sub-grupo dos Teutônicos batizado com o nome pelo qual esta região era conhecida — foi derrotada pelo ascendente Reino da Suécia.
A ascensão mercantilista de poderosos reinos marcou o fim tanto das ligas comerciais independentes quanto do governo de territórios por ordens religiosas, algo que se deu tanto aqui quanto pelo Mediterrâneo.
Os suecos dominariam estas terras de 1561 até 1710, nos tempos áureos da Dinastia de Vasa. É em parte por essa influência que hoje, no centro de Tallinn, você encontra um casario colorido e de época muito semelhante àquele que você vê pelo centro antigo de Estocolmo (Gamla Stan).


Eu moro em Estocolmo e lhes digo que a Suécia tem até hoje com a Estônia uma relação que se assemelha em algo àquela de outros países europeus com suas ex-colônias. Mandam hoje seus bancos, empresas e indústrias a dominarem estes mercados menos desenvolvidos. Os bancos suecos vieram aqui em peso após o fim do comunismo, como os alemães também fizeram noutras bandas deste antiga Europa Oriental.
Em 1710, no entanto, a Suécia perdeu estas terras para outro reino ascendente, o vizinho oriental dos estônios: a Rússia.
Os russos anexaram todos os países bálticos como parte do seu território, e assim foi até 1990. Houve um breve respirar de independência em 1918, quando a Estônia se proclama um estado-nacional ao fim da Primeira Guerra Mundial. Porém, em 1940 durante a Segunda Guerra Mundial a União Soviética abocanharia estes países de volta ao domínio russo.
É por esse longo domínio de mais de dois séculos que você encontra hoje tanta coisa russa compondo o caleidoscópio cultural de Tallinn. A edificação mais emblemática da cidade, por exemplo, provavelmente é a Igreja Alexandre Nevsky, construída no fim do século XIX como parte do esforço de russificação destas terras — o que incluía a conversão ao cristianismo ortodoxo, diferente do protestantismo dos alemães e suecos.


Tanto essa catedral ortodoxa quanto o parlamento ficam numa parte alta do centro histórico, na chamada Colina de Toompea.
Você sobe dentro do centro histórico por uma longa rampa até esta parte que era uma espécie de cidadela, a parte mais nobre da cidade com a sede de governo e também a catedral não-ortodoxa, mais antiga.




São dois mundos quase que completamente distintos, dentro e fora do centro histórico. A Tallinn do exterior tem muito a cara da União Soviética, de que fez parte. Aqueles blocos de casas, ruas amplas, e um nível socioeconômico modesto. (Se quiser comer barato, sugiro fazê-lo fora das muralhas.)
Dentro, com essa arquitetura de época, boa parte dos restaurantes fazem o estilo taverna, com entradas através de escadas que descem, e mesas dentro de edificações medievais de pedra onde às vezes nem pega sinal de celular. Os preços no centro histórico também são outro nível, preços para turista, comparáveis a Munique ou Amsterdã.

Caso você esteja a se perguntar “o que se come na Estônia?”, é uma confluência de gastronomia russa, germânica e nórdica. Leiam-se batatas, sopas, chucrute, carnes, peixes e pães. Não vou lhes dizer que seja a minha mesa favorita, mas é possível encontrar pratos interessantes.



Foram muitas voltas por este centro de Tallinn onde é uma delícia perder-se. Cada hora você descobre um recanto, uma ruela, uma tangente.





Caso alguém esteja a se perguntar, ainda vivem mais de 300 mil russos aqui na Estônia — as pessoas não desapareceram com o fim do domínio soviético. Eles representam portanto em torno de 20-25% da população do país.
A integração entre estônios e russos aqui nem sempre é fácil. Há quase que uma economia paralela funcionando em russo, com russos muitas vezes preferindo ir a cabeleireiros e dentistas russos, etc. São pessoas que por vezes estão aqui há muitas gerações e não necessariamente têm a menor gana de ir morar na Rússia.


Pelo aeroporto eu chegara, mas não seria por ele a minha saída. Passadas algumas noites na cidade (recomendo duas ou três), eu tomaria um ônibus rumo a Riga, a capital da Letônia, país vizinho logo ao sul. Ônibus ainda são a forma mais eficaz de se deslocar entre estes três países.
Deixo vocês com mais algumas fotos da pitoresca Tallinn, uma das melhor preservadas cidades europeias medievais. Considerem-se apresentados.



Linda, fofa, apaixonante, Tallinn. Parece que se toma a máquina do tempo e desembarca na Idade Media, conservada, colorida, bela e encantadora. Uma graça.
Fiquei encantada com suas belas construções, seu lindo casario, seus belos estilos arquitetônicos, suas ruelas enfeitadas, seus carrinhos com cara de antiguidades e cores/coisas típicas, seus lindos e decorados restaurantes ao ar livre com mesinhas e cercadinhos floridos, suas carruagens vistosas com belíssimos cavalos, seus românticos lampiões e suas árvores no meio das ruas e pracinhas. Uma graça.
Amei essas lindas e bem cuidadas muralhas, com cones vermelhinhos, seus elegantes de pujantes portões, os charmosos caminhos do convento e a bela sede do Parlamento da Estônia. Charmosíssimos.
Belíssimos os estilos da antiga Prefeitura e da Catedral de Santa Maria, com suas torres lindas altas e pontiagudas. Destaque também para a portentosa Igreja Ortodoxa, Lindíssima.
Linda, Tallinn, uma gracinha!… Mimosa.
Creio que só não me agradaria descer nem subir por aquelas tocas escuras hahah.
Valeu, jovem viajante. Amei conhecer Tallinn e saber um pouco da sua História. O Báltico sempre me atraiu. até a próxima.
Olá. Passei por um lugar na Estônia naqueles becos medievais, onde havia um mural com pedras enormes, como se fossem pergaminhos antigos com essas escritas na parede. Tão antigas que havia algumas rachaduras.
Saberia me dizer o que são e onde exatamente eram? Na época apenas passei, mas até hoje não sei do que se tratava.
Muito obrigada pela excelência matéria.