Riga, a capital da Letônia e auto-proclamada “cidade da inspiração”, é pouco conhecida até mesmo dentre os europeus. Os germânicos, nórdicos e eslavos sabem um pouco melhor dela por serem seus vizinhos, mas mesmo assim são poucos dentre os quais sua fama lhe precede. Mais comumente, sua fama lhe sucede: as pessoas primeiro vêm aqui e só depois é que se dão conta. “Nossa!“
Com o seu centro tombado pela UNESCO como Patrimônio Mundial da Humanidade, eu poria Riga facilmente num Top 10 de capitais europeias a visitar.
Ela, a maior cidade dos Países Bálticos, é um esplendor de arquitetura maneirista e Art Nouveau. Tem belas praças, igrejas de época tanto ortodoxas quanto católicas ou protestantes, e um colorido centro histórico muito animado onde passear.



Riga é uma daquelas cidades secretas, conhecida apenas por quem a conhece. Do mesmo tamanho que Frankfurt ou Florença, mas geralmente fora dos radares de quem aqui nunca veio.
Eu vim pela primeira vez há mais de 10 anos, quando ela já tinha um festeiro elã neo-europeu, de atual vibe jovem, multicultural e carpe diem da Europa atual — pouco a ver com a Europa austera e conservadora que muitos ainda imaginamos, e que era a cara das gerações passadas.
Riga já abraça o espírito da União Europeia expandida, parte dela desde 2004 e circulando euro desde 2014. Eu ainda cheguei a alcançar o velho lat, a finada moeda que já não é mais aqui. São novos tempos.

Desta vez, eu voltava de ônibus a partir de Tallinn, uma década após a minha primeira visita para constatar que a Letônia segue relativamente pobre. Você logo percebe que se trata de um país mais precário que a vizinha Estônia. Estrada de mão dupla com ultrapassagens perigosas, e a rodoviária, uma esculhambação — um estacionamento de ônibus entre prédios soviéticos acabados e um canal feio.


Se há casas mal-acabadas na periferia, o centro histórico de Riga é belíssimo, com prédios de época imponentes e requintados.

Há bastante a conhecer sobre Riga, então iremos por partes. Ao fim, vocês notarão que, onde Tallinn (Estônia) é medieval, Riga é pré e pós barroco. Há também igrejas várias, belíssimas, e talvez o maior acervo de rua da chamada Arte Nova (Art Nouveau) de toda a Europa. Acompanhem-me.
Maneirismo (século XVI e começo do XVII)
Você viu aquele quase cor-de-rosa dos tijolinhos acima, nessa arquitetura toda enfeitada? É o estilo maneirista, inventado na Europa do século XVI.
Aquele estilo é mais especificamente o chamado maneirismo nórdico, uma alcunha um tanto imprecisa porque se refere à arte maneirista de Holanda, Flandres, França e Europa Central, não do que atualmente se conhece por Países Nórdicos.
Esse estilo renascentista foi o que sucedeu à sobriedade do gótico, e quem começou a resgatar elementos da arquitetura clássica greco-romana.
O maneirismo no Brasil seguiu mais as linhas portuguesas (naturalmente), e inclui frequentemente aquilo que chamamos de modo geral de “arquitetura colonial”. Está estampado em muitas igrejas de época em Salvador, Olinda, e Brasil afora.
Esse estilo renascentista foi o que sucedeu à sobriedade do gótico, e quem começou a resgatar elementos da arquitetura clássica greco-romana com seus arcos circulares etc. Antecedeu ao barroco, mais enfeitado.
Cá pela costa do Mar Báltico, o maneirismo foi quase sempre obra de arquitetos holandeses ou flamengos (de Flandres, na atual Bélgica). Lembrem-se de quem estávamos então na Era de Ouro destes povos, à mesma época em que eles invadiram o Brasil e buscavam expandir as suas influências por toda parte.

Os Cavaleiros Teutônicos & a Irmandade dos Cabeças Negras
O maior emblema arquitetônico em Riga provavelmente é essa sede de uma antiga irmandade. Os Cabeças Negras são uma ordem originalmente militar que surgiu no bojo da expansão germânica a estas terras bálticas durante a Idade Média.
Os teutônicos dedicaram-se particularmente a acompanhar a expansão de colonos e mercadores germânicos para o leste europeu, levando consigo o cristianismo.
Você nunca ouviu falar na Revolta da Noite de São Jorge? Eu também não tinha, mas este foi um evento que ajuda a entender algumas coisas por aqui.

Nos idos de 1343-1345, esta região dos atuais Países Bálticos — antigamente conhecida como Livônia — havia sido recentemente subjugada pelo rei dinamarquês. Os dinamarqueses a esta altura já não eram mais Vikings, mas cristãos.
Ocorriam desde os idos de 1100 as chamadas Cruzadas do Norte, esforços de monarcas e ordens religiosas do norte ou centro da Europa para converter ao cristianismo as populações bálticas e eslavas no leste europeu. De quebra, conquistar também as suas terras e fazer deles servos.

A própria cidade de Riga foi formalmente aqui fundada em 1201 quando mercadores germânicos se instalaram acompanhados por um bispo.
Os nativos naturalmente resistiram, não só à conversão forçada como também à dominação pelos forasteiros. Em 23 de abril de 1343, na noite de São Jorge, os estônios aqui vizinhos levantaram-se contra toda a classe mercante germânica cristã. Executaram mais de mil germânicos que vinha ganhando controle destes portos e cidades.
A revolta dos estônios só foi suprimida pela chegada dos Cavaleiros Teutônicos como reforços. Esta ordem militar, fundada em 1190 na Terra Santa (como os templários e hospitalários), dedicava-se à proteção de cristãos e ataques a não-cristãos em regiões de fronteira.
Os teutônicos dedicaram-se particularmente a acompanhar a expansão de colonos e mercadores germânicos para o leste europeu, levando consigo o cristianismo. Já dominavam bastante do que é hoje a Polônia, criando cismas entre germânicos e eslavos desde essa época. (Falei um pouco mais sobre a presença deles na Polônia medieval aqui e aqui.)
Foi nessa ocasião da revolta que dizem ter surgido a Irmandade dos Cabeças Negras, mercadores germânicos solteiros que irmanaram-se uns aos outros como uma outra ordem militar aqui na Livônia para defender suas cidades dessa ou outras insurreições. Sua alcunha advém da escolha pelo legionário São Maurício († 286 d.C.), que era núbio, como seu patrono.

Superada a revolta de nativos, o rei dinamarquês vendeu estas terras à Ordem Teutônica em 1346. Toda a Livônia passaria a ser governada diretamente pelos mercadores e cavaleiros cristãos.
Em 1477, a Irmandade dos Cabeças Negras criada em Tallinn estruturaria para si uma estalagem também aqui em Riga. É o edifício maneirista que vos mostrei acima, uma visita obrigatória aqui na cidade. Ele ganharia enfeites vários ao longo dos séculos seguintes conforme esses mercadores ganhavam dinheiro.


A irmandade desses cavaleiros solteiros defenderia suas cidades de reinos estrangeiros por diversas vezes, embora nem sempre com sucesso.
No princípio do século XVIII, o poderoso Império Russo conquistou estas terras bálticas, e a irmandade perdeu a sua função militar.
Os Cabeças Negras converteram-se então num clube social da elite mercantil. Nos idos dos séculos XVIII e XIX, davam festas e organizavam aqui eventos com notáveis. O compositor alemão Richard Wagner, por exemplo, hospedou-se nesta casa, certa feita.


A Letônia surgiria como um país independente apenas em 1918, ao fim da Primeira Guerra Mundial, ao lado das vizinhas Estônia e Lituânia, mas os russos não deixaram de ver estas terras como parte do seu império.
Em 1940, a União Soviética invadiu, e a irmandade burguesa foi desmantelada pelos comunistas. Os Cabeças Negras remanescentes fugiram para Hamburgo, na Alemanha, onde seguem atualmente sediados. A Letônia recobraria sua soberania apenas em 1990.
Catedrais. Mais de uma.
Outra das influências germânicas medievais são, claro, as igrejas, já que foram eles que trouxeram o cristianismo a estas bandas.
Várias foram construídas aqui no século XIII, todas inicialmente católicas romanas e mais tarde convertidas ao protestantismo luterano.








É claro que, quando chegaram os russos em 1710, estes quiseram impor aqui a sua vertente religiosa, o cristianismo ortodoxo, de rito grego e não latino. A Igreja Católica Apostólica Romana e a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa haviam se separado em 1053, e assim continuam quase um milênio depois.
Logo fora do centro histórico fica a impressionante Catedral da Natividade erigida pelos russos entre 1876 e 1883. Seu estilo é característico em arquitetura neo-bizantina com cúpulas douradas.
(Aviso aos navegantes que eles são um tanto mais conservadores e não admitem fotos no interior, nem que homens entrem de bermudas.)




Adeus, muralhas
Foram a pólvora e os canhões que tornaram cada vez menos úteis as vetustas muralhas medievais das cidades europeias.
As de Riga cederam entre 1857 e 1863, dando lugar a largos boulevards e a um agradável cinturão verde que compõe o conjunto de parques da cidade.
Eu nunca gostei do autoritarismo soviético, mas as áreas verdes e os parques públicos das ex-cidades soviéticas são dignos de nota. (O maniqueísmo que demonizou a União Soviética é uma análise imatura. Nada no mundo é bom por completo ou ruim por completo.)



O Art Nouveau (ou Arte Nova, como preferem alguns)
Nos idos de 1900, Riga era a quinta maior cidade de todo o enorme Império Russo. Ela experimentava um boom econômico e demográfico como um de seus principais portos, enquanto que letões do interior mudavam-se para cá e criavam uma classe média letrada.
Foi quando a moda na Europa era a chamada Arte Nova — ou Art Nouveau no original em francês, pois estávamos em finais da belle époque, e quem ditava os gostos europeus era a França.
A principal tônica do Art Nouveau são suas formas inspiradas na natureza, ricas de floreios e detalhes.
Entre 1890 e 1920, o Art Nouveau fazia a febre dos inovadores, movidos também por uma crescente sede de individualismo. Cada obra, portanto, é distintamente única, já que não procura repetir o modelo da outra. Talvez o mais famoso dos arquitetos dessa épcoa seja Antoni Gaudí, o pai da Sagrada Família e de tantas obras que atraem turistas até hoje em Barcelona.
A principal tônica do Art Nouveau são suas formas inspiradas na natureza, ricas de floreios e detalhes. Precedeu ao art déco e ao modernismo com suas formas geométricas.
A crescente classe média de Riga pôs seu dinheiro em mansões fora do centro da cidade — hoje a uma breve caminhada — e o fizeram quase todos em Art Nouveau.
No total, são mais de 800 edificações nesse estilo em Riga — mais do que em qualquer outra cidade do mundo. Não deixe de tirar umas horinhas escapar do centro e vir ver.





A Europa, nos idos de 1880-1910, viveu um notável — e, até então, raro — período de paz interna. Pelo contrário, reforçava-se o imperialismo na África e nos orientes próximo, médio e distante. Os europeus tinham contato com tendências “exóticas” de pensamento, de arte, e isto acabava também por fomentar o esoterismo europeu.


Quem nasce na Letônia é letão?
Não. Letão não é quem nasce na Letônia, mas quem tem sangue letão.
Foi naquele bojo da virada do século XIX para o XX, ainda sob influências germânicas e russas, que os bálticos letões imaginaram-se como entidade nacional — um povo com seu sangue e idioma próprios.
Os letões e lituanos são os últimos remanescentes da família báltica. (Os estônios são aparentados dos finlandeses, e não são etnicamente bálticos.) Étnica e linguisticamente, eles portanto não são relacionados nem aos povos germânicos, nem aos eslavos.
Sua língua (o letão) é uma onda.




Ainda hoje, cerca de meio milhão de pessoas na Letônia — 25% da população total do país (2 milhões) — são russos, não letões, o que dá um nó na cabeça de nós brasileiros a imaginar nacionalidade com base em terra e não em sangue.
Esses russos que aqui vivem podem até ter documentos da Letônia, mas não falam letão direito, nem se consideram letões. Você vê de ambos pelas ruas de Riga, embora nem sempre seja óbvio distingui-los só pela aparência.
A capital, de qualquer forma, é este amálgama de influências e culturas que registra a sua história. Um lugar animado — “inspirador”, eles diriam — com forte predileção a música ao vivo no centro histórico no verão.




Os letões e os lituanos são destes povos de quem eu gosto de graça. Talvez por apreço às minorias étnicas, mas também pelo seu humor e por frequentemente serem jocosos e desprendidos. Deve haver algo no idioma, na sua forma de pensar. (De quebra, as mulheres aqui são uns colírios.)
Vindo cá pessoalmente, procurem o Lido como restaurante típico onde comer. Não deixem de experimentar kvass, a bebida de pão fermentado típica em toda a ex-União Soviética, mas mais encorpado aqui que na Rússia.

Vale vir a Riga para se inspirar. Razões não faltam.
Ihhh que cidade bonita, charmosa, elegante, alegre, cheia de vida, de bela natureza, parques verdes, flores, jardins, água corrente, lugares românticos, com bela vegetação, banquinhos para ler, lugar para passear com crianças, belas praças, gente bonita cantando nas ruas, uma graça.
Charmosíssima essa rua em Art Nouveau em tons pastéis. Lindíssima. E que belo o estiloso Museu de Arte Letã. Impressionante a beleza dos seus estilos arquitetônicos. Construções imponentes, belíssimos templos e monumentos. Lindo Claustro.
Sobressai a pujante e espetacular Catedral Ortodoxa da Natividade, com seus magníficos duomos dourados. Esplendorosa.
O Museu de Art Nouveau com esse interior com escada de caracol é de uma beleza impar. Sem esquecer a belíssima construção da Casa da Irmandade dos cabeças negras e seu patrono, seu impressionante interior e seu luxuoso salão de baile digno da França da Belle Epoque. Uma história instigante.
Amei Riga. Inspiradora mesmo. Uma bela e rica cidade, história, cultura e arte. Prazer em conhecê-la, charmosa Riga.
Valeu, meu caro amigo..