O Pagode Shwedagon talvez seja o mais belo complexo que eu já visitei — e olhe que eu não andei pouco. Supremo entre os templos budistas de Yangon, em Myanmar, ele data pelo menos de 1362, senão de antes. A lenda diz que ele é tão antigo quanto Buda, e que até hoje conserva oito fios dos seus cabelos como relíquias sagradas (!)
É um excelente programa de fim de tarde, quando também o sol birmanês inclemente começa a baixar. Sair umas 16:30, e chegar cá umas 17h.
É obrigatório remover os sapatos e também as meias. Ao contrário da Tailândia e outros lugares budistas mais tolerantes, aqui eles não permitem meias no pé — você tem de estar realmente descalços — e o sol quente deixa o chão pelando durante o dia. Ao pôr do sol, a coisa já está mais leve, e você pode vê-lo tanto com a beleza do raiar quanto iluminado à noite.
Eles lhe dão um saquinho plástico onde carregar seus calçados. É preciso também estar de ombros e joelhos cobertos, caso contrário terá que alugar um pano para pôr por cima. Nada do outro mundo, só esteja preparado.
E, preparados, vamos conhecer um dos lugares que mais me impressionaram no mundo.


Entendendo Shwedagon
Shwedagon quer dizer “Dagon Dourado”. Dagon foi uma antiga vila de pescadores a partir do século VI a.C., que ajudaria a dar origem a esta cidade de que vos falo e que se tornou um bairro de Yangon, a maior cidade aqui de Myanmar. É onde fica este pagode.
Dizem que os primeiros discípulos laicos (isto é, não-monges) do Buda teriam sido os irmãos mercadores Tapussa e Bhallika. Estamos falando dos idos de 500 a.C., quando os historiadores sugerem que o Buda — título de “iluminado” recebido pelo príncipe Sidarta Gautama — viveu, aos sopés dos Himalaias, entre os atuais norte da Índia e o Nepal. Um pouquinho a oeste daqui.
Os irmãos teriam recebido fios de cabelo do Buda como relíquia (souvenir?) e os levado ao rei do seu povo, o povo Mon. O povo Mon é um dos mais antigos do Sudeste Asiático, o responsável por muito da difusão inicial do budismo para esta região. Não são um fóssil — ainda hoje existem mais de 1 milhão de pessoas dessa etnia aqui em Myanmar. Seu alfabeto foi que deu origem à sopa de curvas que é a escrita birmanesa.
O nobre rei Mon, que já teria em sua posse relíquias de Budas anteriores — pois as escrituras budistas apontam que Sidarta foi apenas um na sequência de muitos iluminados, incluindo aí gente da antiguidade mais remota — juntou tudo numa estupa, estas estruturas típicas da Ásia budista/hindu e que apontam para o céu, à iluminação. Assim fundou-se Shwedagon.


Os birmaneses entram gratuitamente. Já os estrangeiros pagamos 10 mil kyats, cerca de USD 8, mas a serem pagos na moeda local e em espécie. Nada demais. (Não adianta argumentar que você é budista etc., a menos que seja patente e óbvio tipo a Monja Coen.)
A entrada se dá por um dos quatro vastos pavilhões repletos de colunas douradas, acompanhadas de janelas de época decoradas com treliças de madeira em formato de arcos ogivais. Um esplendor.



O Ambiente em Shwedagon
Shwedagon possui aquela grande estupa principal mas também uma “floresta” de templos menores, edificações e recantos por onde você circular. Verá muitos birmaneses sentados no chão (limpo), às vezes atentando para algum monge pregando ao microfone, e os verá fazerem oferendas de flores, incensos e velas também.
É uma atmosfera que mistura “passeio na praça em família no fim da tarde” e religião.



Você leva um bom tempo para ver tudo. Eu cheguei umas 17h, e o sol geralmente se põe às 18h. Estando sozinho, eu pude circular rápido, mas venha antes se quiser mais tempo.






Você circula meio que sem saber para onde vai primeiro.
Há uma norma muito comentada de que se deve visitar um templo budista no sentindo horário, mas isto é quando se está fazendo circumambulação, uma coisa mais focada, quiçá em oração, não simplesmente um passeio. Passear, eu via as pessoas fazendo para lá ou para cá, em ambas as direções.
Entrei em alguns templos, onde por vezes via pessoas orando, ou simplesmente admirando.







Antes de mostrar mais além, permitam-me contar uma historieta de algo que se passou aqui, há muito tempo, e os sucedâneos.
Portugueses em Shwedagon (1608)
Quando o rei Mon da antiguidade levantou este pagode, ele não tinha nem sombra do tamanho que tem hoje. Mas os budistas têm uma coisa de elevar a estupa a alturas cada vez maiores.
Já no século XIV, teve-se nota de que o rei birmanês de então determinou sua elevação a 18m. É o primeiro registro escrito que se tem dele. Quando no século XVI os portugueses perambulavam a Ásia, Shwedagon já era o maior centro de peregrinação budista nestas terras, e um dos principais do continente.
Fernando Pessoa estava certo quando declarou que “nunca um verdadeiro português foi português: foi sempre tudo.”
Foi pouco depois disso em 1608 que apareceu por aqui Filipe de Brito, um mercenário e aventureiro português. Ele, que iniciou sua carreira como assistente de cabine, veio parar na Ásia nas navegações portuguesas e pode ter bem sido o primeiro europeu a pôr os olhos em Shwedagon.
Fernando Pessoa estava certo quando declarou que “nunca um verdadeiro português foi português: foi sempre tudo.” Filipe acabou no serviço do rei tailandês da época e se tornando governador da cidade portuária de Syriam (ou Sirião). Casou-se com a filha de um governante local, e atendia na Birmânia pelo apelido de Nga Zingar.

Como as aventuras daqueles tempos eram violentas e sangrentas, Filipe envolveu-se em guerras e chegou a saquear Shwedagon com a sua tropa de portugueses e asiáticos. Demoliu imagens budistas e levou embora o que alguns julgam ter sido o maior sino de bronze jamais feito, o Grande Sino de Dhammazedi, de 300 toneladas — e que acabou afundando no rio junto com a embarcação. Até hoje, jamais foi recuperado.
Filipe de Brito não estava nela. Antes estivesse, pois acabaria empalado em 1613 quando o rei birmanês o capturou numa outra guerra. Dizem que levou três dias para morrer, e os demais portugueses foram capturados.
Os britânicos em Shwedagon
Os britânicos, 250 anos mais tarde, invadiram o país e — sendo gente muito civilizada — fizeram do Pagode Shwedagon uma fortificação militar. Houve mesmo um oficial que quis fazer da estupa principal um armazém de pólvora (!).
Quando eles assumiram de vez seu domínio colonial sobre Myanmar em 1871, o templo manteve-se aberto para visitação dos fiéis locais, mas era uma comoção danada porque os britânicos se recusavam a remover os sapatos.
Isso viria a mudar nos fins do período colonial, que durou até 1948. Após as baixas na Primeira Guerra Mundial, o imperialismo britânico ficou um pouco mais mofino aqui. Cheguei a detalhar um pouco desse período no post anterior, e ele está bem retratado na obra Dias na Birmânia (1934), de George Orwell.

Sede de protestos pró-democracia em tempos atuais
Quem observa que a religião por demais vezes está aconchegada com os poderosos pode jubilar-se de ver aqui em Myanmar uma exceção nobre. Os monges birmaneses são dos que mais agitam pela democracia — inclusive mais que os seus vizinhos tailandeses.
Se Myanmar reabriu em 2011, isso foi em grande medida por uma onda de protestos que houve em 2007 liderada pelos monges — o que rendeu ao movimento o apelido de “Revolução Açafrão“, pela cor das suas vestes.


Eu mostro para vocês perceberem a simbologia religiosa e social que tem Shwedagon para os birmaneses.





O Pagode Shwedagon à noite
Quando a noite entra, tudo se ilumina. As velas ganham uma outra dimensão, a do sacro noturno, iluminando a escuridão. Há luzes, porém, e as pessoas permanecem ali ainda por muitas horas, até o templo fechar às 22:00.
É um outro ambiente.









Acabada a visita, você retorna à entrada para pôr nos pés de novo os seus mundanos sapatos e voltar ao mundano mundo.
Favor atentar para a entrada por onde entrou, pois há quatro, e à noite todos os gatos são pardos — também em Myanmar. Eu próprio tive um certo trabalho. Nesse ínterim, acabei encontrando um cidadão com cara desses gurus comerciais que apelam aos ocidentais, e que com seu livro de visitas assinado até por visitantes brasileiros quis me dar um tour do complexo que eu já havia visitado.
Fica à sua escolha. Eu preferi visitar o lugar na minha paz e no meu ritmo, sem essas pentelhações de conversa de vendedor. Teria me distraído da beleza de, como eu disse, um dos lugares mais belos que já vi.

Uuuuuuuu que é que é isso, pessoal..parece cenário de filme… Sem palavras para descrever a surpresa e o encantamento que me tomaram diante dessa esfuziante e insuspeitada beleza!… Nossa..O senhor está seguro que não entrou em uma nave intergalática e esbarrou em outro planeta, meu jovem? que espetáculo é esse!… É certo que é na Terra, no SE asiático e na antiga Birmânia? E certamente ha séculos ai sem que ninguém ou quase ninguém soubesse? Incrível, fantástico, extraordinário. Como é possivel tanta beleza escondida? uaauu. Sua amiga aqui está de boca aberta. É muita beleza. Indescritível a emoção. Vou precisar de um tempo para comentar. Magnifica postagem. Espetacular complexo religioso, artístico e cultural. Sem palavras e plena de emoção e encantamento Agora só vou apreciar.
Após ver e rever tanta maravilha resolvi tentar comentar.
É um verdadeiro espetáculo!… Uma cidade composta de templos, pagodes vários com suas imponentes, trabalhadas ,detalhadas e belas estupas , suas galerias, ricamente decoradas, com belíssimas janelas de madeira delicada, finamente trabalhadas e que revelam encantadores e floridos jardins. Um sonho!..
Tudo isso com uma arquitetura arrojada e rica em simbologia, em tons esfuziantes de dourado e verde ,enriquecidos pelo multicor das flores e frutas trazidas pelos fiéis e visitantes, sob a luz das velas e o certamente embriagante odor dos incensos. Surreal. Parece uma cidade de outro planeta. como diria um velho amigo: “coisa de cinema”.
E com o anoitecer o ambiente ganha novas cores e tons com a iluminação artificial e sob a beleza do ocaso e do céu enluarado. Magnifico. Impar. Imperdível. Impressionante na sua beleza e pujança. Amei. Eita SE asiático maravilhoso.
Que horror essa história e essas mortes violentas.
E como sempre a falta de respeito de alguns povos do Ocidente diante dos hábitos, religiosidades e cultura dos outros.
Belíssima postagem.
Magnifico o complexo religioso.