Olhem a cara de louco e a loucura. Eu não costumo dar muita bola a esses dizeres de coach sobre “sair da zona de conforto”, mas preciso admitir que, no fim das contas, as maiores durezas e perrengues frequentemente viram as mais memoráveis lembranças e histórias. Ainda mais em viagem.
Neste caso, fazíamos a trilha da Cachoeira da Fumaça, assim chamada porque a água se dissipa no ar de tão alta que ela é. Com 340m, ela é a segunda mais alta do Brasil (atrás apenas da Cachoeira do El Dorado, com 353m, na Serra do Aracá – AM).
São cerca de 12 Km de marcha com bastante desnível — basicamente 1h de subida por pedras como se fosse uma escadaria natural, seguida por uma caminhada relativamente mais plana. Levam-se algumas horas para os 6 Km de ida e outras para os 6 Km de volta com aquele teste maravilhoso para os seus joelhos na descida.
Iniciando-se a 80 Km da cidade de Lençóis, é um dos destinos mais cobiçados da Chapada Diamantina (BA). Foi aonde eu vim passar um dia de sol e chuva com minha amiga turca.
Os detalhes? Abaixo.

Chegando à Cachoeira da Fumaça
Você pode sair para esta trilha a partir do Vale do Capão (3 Km), que tem sua cidadezinha, ou a partir de Lençóis, principal cidade turística aqui da Chapada Diamantina a 80 Km de distância, o que portanto exige um carro. Foi o que eu fiz.
A época desta minha visita fim de dezembro, no verão, quando a Chapada Diamantina (BA) tem dias quentes e úmidos que tanto podem ser de sol forte quanto podem surpreender com aquela chuva torrencial de trovoada no fim da tarde. Lembra-me um pouco mais o clima do Sul/Sudeste que o da costa nordestina nessa época do ano.
Não chove todos os dias, mas pode ocorrer e não é raro.

Negociamos, minha amiga turca e eu, com um dos guias da Associação de Lençóis este passeio. Saiu-nos caro, a bagatela de R$ 200 por pessoa com tudo incluso, somente nós dois, no veículo do guia. (Em veículo próprio sai mais barato, e certamente você pode negociar melhor. Acho que eu estava ainda com os preços de Galápapos na cabeça como referência, tendo acabado de voltar de lá.)
“O preço é esse mesmo. Essa é uma das trilhas mais bonitas que tem, e tudo guia nativo…“, falou-nos com aquela cara de “não quero aceitar por menos” o guia que negociou. Dou o maior apoio à associação, mas os guias lá às vezes são meio fominhas. Sobretudo os que vendem, e que em geral não serão os mesmos que o acompanharão. Seja safo. Negocie. Não é raro que duas pessoas num mesmo passeio tenham pago preços distintos.
Chamaram um menino de seus 18 anos (e cara de 16) para nos conduzir até lá.
“Esse menino dirige?“, perguntou-me em segredo a minha amiga. Dirigia, e fez um bom trabalho, embora ficasse um pouco engraçado no carro pois ele era mirrado.

Trilhando o caminho à Cachoeira da Fumaça
As primeiras coisas primeiro
Era um meio pro fim da manhã quando chegamos à entrada da trilha à Cachoeira da Fumaça. Como de hábito, há uma lanchonete, uma vendinha e um espaço para café gourmet pois na Chapada Diamantina o ecoturismo e o gastroturismo muito se misturam.
Como eu não sou rato de trilha, e a carne é fraca, eu me detive antes da tomar um café.

A primeira coisa que fiz ao desembarcar do carro foi me sentar para tomar um café. O guia ficou me olhando com aquela cara de estranheza, mas aquiesceu.
O engraçado foi que, nessa casinha de café, uma funcionária era alemã de origem turca (o que muito há hoje na Alemanha devido às décadas de imigração, caso você não saiba). De repente, estavam ela e a minha amiga turca conversando aqui em turco em plena Chapada Diamantina. Achei surrealmente deliciosa a coincidência.
Minha amiga tomou um caldo de cana na venda, e tomamos finalmente rumo para o que seriam horas de caminhada.

O Trajeto
“Vocês deem graças a Deus que não tá com sol“, disse-nos lá da frente o guia quando lamentamos que estivesse tudo meio nublado.
Subíamos o íngreme trecho inicial da trilha, quase uma escadaria de pedra, que segundo o rapaz é de fritar o juízo no miolo do dia quando o sol está inclemente.
A caminhada fica gradualmente mais plana após a subida inicial, e lá em cima encontramos um tio de chapéu vendendo bebidas. O céu se fechava e se limpava conforme queria, e após um princípio cinzento nós vimos algo de azul.



O rapaz sabia “onde as cobras dormem”, como diria minha avó, apesar de sua tenra idade (sabe-se lá qual essa fosse — eu não perguntei). Pode não ser exatamente uma trilha que exige guia, mas ele bem veio a calhar quando o caminho por onde seguir estava tudo menos óbvio.
Por toda a nossa volta, tínhamos os arredores de colinas verdes e campos da Chapada Diamantina.



A vegetação aos poucos subiria à noite volta, e caminharíamos por uma mistura de rochas e lama. Algumas pessoas voltavam, já na direção contrária, e por vezes descalças. Era curioso.

“A água está dando no tornozelo“, disse uma. “A água vai até o joelho“, disse outra, para a minha incredulidade. Tolinho, ainda achava que não iria ter que tirar os sapatos.
O céu azul havia desaparecido, o pouco de sol que brilhou havia ido embora, e as chuvas de verão pareciam já ter nutrido os córregos daqui.



No alto da Cachoeira da Fumaça
A Cachoeira da Fumaça pôde ser ouvida antes de ser vista, como de costume. Acho que já é óbvio para todo mundo que esta não é uma cachoeira onde você se banha, mas que você vê do alto ela despencar — e toma o devido cuidado para não despencar junto.
Há uma rocha que se projeta ao abismo e de onde você pode olhar para baixo. A sugestão, naturalmente, é que você o faça deitado, para minimizar os riscos de perder o equilíbrio e cair.





Você fica ali no alto basicamente fazendo um ensaio fotográfico, como é de praxe hoje em dia, além de apreciando o som da água com o ambiente do lugar.
Todos molhados no que era uma mistura de alagação (salvo pelas rochas molhadas), chuvisco e brumas úmidas pelas gotículas de água da cachoeira que se esvaíam no ar, fazia quase frio aqui no coração da Bahia.

Como eu não sou maluco — e por um tempo ainda atendi pelo apelido de Mister M, como o mágico mascarado que revelava os truques na televisão —, acho que não surpreenderei muita gente ao revelar que não estava com as pernas dependuradas ao precipício. Havia um platô de rochas logo abaixo. (Mesmo assim, olho vivo se você vier com crianças, adolescentes ou gente atrapalhada. Os riscos requerem cuidado.)
O Retorno
O retorno, claro, é sempre mais rápido, mas são os mesmos 6 Km necessários para chegar até aqui. Dá um desânimo se você pensar demais nisso, sobretudo já encharcado como eu estava e se acontecer de estar cansado.
Tudo agora molhado frescamente pelo chuvisco que bateu, o desafio era não não tombar na lama.


O nosso guia, coitado, acho que ficou resfriado. A cada momento ia procurar ovos de Páscoa (como os alemães eufemisticamente dizem quando vão tirar água do joelho no mato).
Não fosse pelo fato de estarmos algo cansados e encharcados, a volta foi até tranquila. Ela quase não tem subidas; pelo contrário, você agora tem que descer tudo o que subiu. Traz outros desafios. Cuidado com os joelhos e com os escorregões. (Foi neste dia que eu aprendi a palavra gastrocnêmio, o nome do seu músculo da panturrilha que será severamente abusado aqui. Minha amiga turca acontece de ser doutora em biomecânica e se queixava em linguajar técnico.)



O pastel de jaca, do que às vezes é chamado de “palmito de jaca” (embora não tenha absolutamente tenha nada a ver com o palmito habitual exceto o fato de ser vegetal com textura algo similar), é uma iguaria aqui do Vale do Capão. Vale a pena experimentar. A visita não é completa sem ele. Muito saboroso, e acaba levando mesmo o gosto dos temperos — só que sem aquela ponta azeda de sabor que o palmito tem.
Retornaríamos a Lençóis, para estar quebrados feito pau, e amanhã pensarmos no que fazer.
A trilha da Cachoeira da Fumaça está mais que recomendada, mas venha mais cedo que a gente, e traga algo líquido e algo leve para beliscar no caminho.
Eita maravilha, meu jovem amigo. Espetaculares essas paisagens, esses meandros, essa natureza soberba, magnifica e selvagem. E que loucura essa de pendurar as pernas e de se deitar para ver tamanho precipício. Deus nos acuda.
Belíssima e perigosa aventura!… A cachoeira é mesmo impressionante, magnifica, pujante; o abismo terrível e as proezas do senhor são de tirar o fôlego. Nossa mãe, que risco. Deus me livre. Não me apetecem esses riscos. Prefiro locais mais amenos hahah.
Apesar dos riscos o lugar é maravilhoso e para quem tem coragem é mesmo imperdível, diante de tanta beleza.
Não conhecia essa iguaria: pastel de jaca. Parece saboroso. Aprecio bastante o suco de mangaba.
E que toró pegaram, heim? Andar naquelas trilhas, e com lama , deve ser tenebroso hahaha. Só o senhor com seu fair play para tirar de letra essa aventura e estar com essa cara de felicidade.
Parabéns, amigo viajante, pela instigante aventura, pela bela postagem e pela coragem demonstrada.
Que venham mais belezas.
Obrigada pela viagem e por nos fazer conhecer esse lindo rincão.