Muitas cidades aqui na Suécia têm nomes curiosos. Essa terminação köping, que curiosamente em sueco se pronuncia “shopping”, significa exatamente o que você supõe.
Norrköping quer dizer algo como “mercado do norte”, e há várias outras cidades de médio porte aqui com nomes como Nyköping (“novo mercado”), Linköping ou Jönköping, mercados que se referem a coisas locais. Morando na Suécia, você se acostuma com esse tanto de köpings no país.
São muitas as coisas que nós, de fora, não sabemos ou não entendemos acerca da Suécia, vidrados que ficamos naquela explicação da cultura pop de que aqui viviam os Vikings e, ploft, hoje temos aí este país desenvolvido de gente loura.
Parece até que nada ocorreu no meio.

Todas estas fotos são deste março, quando estive brevemente na cidade.
Se no Brasil as águas de março estão fechando o verão, aqui as neves de março fecham o inverno. (Volta e meia há ainda alguma neve metida em abril, mas é menos comum, pois a primavera entra de vez.)
Norrköping fica a 160 Km da capital Estocolmo, a sudoeste desta, no interior do país. A Suécia é maior do que parece, para um país europeu. É quase do tamanho da Bahia ou de Minas Gerais, espremida de norte a sul, mas ainda assim com umas boas centenas de quilômetros entre uma costa e outra.

Norrköping foi por muito tempo apelidada de a “Manchester da Suécia”, ou mesmo de “Pequim”, pelo seu papel na revolução industrial aqui. (Manchester, a quem não sabe, era uma das principais cidades britânicas de indústria têxtil, processando o algodão branco sujo de sangue dos escravos dos Estados Unidos que você vê em Django Livre e tantos outros filmes.)
A Suécia não tinha escravos; a coisa aqui se deu de modo diferente.
Das suas fundações medievais, pouco resta. As pessoas tinham por hábito pôr fogo e pilhar as cidades alheias quando os venciam em batalha. Muito aqui sendo feito de madeira, pela onipresença de coníferas na Escandinávia, não durava muito.
As habitações se davam, de qualquer maneira, nas vizinhanças do Rio Motala, que até hoje circula por aqui, ainda que há algum tempo envolto numa paisagem industrial.

Do tempo anterior à industrialização, restam as igrejas que ainda marcam a arquitetura tradicional pré-moderna aqui na Escandinávia. Hoje, como há bombeiros, eles até se atrevem a construir com madeira novamente — algo que chegou a ser proibido por lei na cidade no século XIX.
Os suecos, como seus vizinhos noruegueses e dinamarqueses, já haviam se convertido ao cristianismo desde os idos do ano 1000. A gente de fora nem sempre se dá conta, mas durante todo o segundo milênio a Escandinávia já era oficialmente cristã. (Ainda que muitas tradições pré-cristãs permaneçam de uma forma ou outra, como o midsummer no solstício de verão ou a curiosa festa pagã de Santa Luzia que se realiza aqui todo dezembro.)


Eram os idos de março — embora não aqueles que viram o fim de Júlio César —, e eu andava sozinho por essas ruas vazias, ainda mais na pandemia. Eu vim aqui a negócios, mas aproveitei para ver o que a cidade tinha e aprender algo sobre ela.
O frio de seus -3ºC ardiam minhas mãos quando tirava as luvas para tirar fotos. O vento percorria as ruas puras, sem ninguém. Embora fosse já fim de manhã, os negócios pareciam parados (ainda que aqui na Suécia não estejam forçados a fazê-lo).
Eram poucas as almas visíveis em Drottninggatan (a “rua da rainha”), a principal de Norrköping.


Norrköping do açúcar (brasileiro?) à guerra
Todo o centro de Norrköping tem um jeitão modernista meio antigo, mas é na dita área industrial no coração da cidade — com um belo prédio de época amarelo com um letreiro mostrando “1750” — que você tem as coisas do tempo que fez a cidade.
Nos idos de 1740-1760, quando negro no eito trabalhava no Brasil, seja na cana ou no cultivo de tabaco, eles aqui em Norrköping instalavam indústria para refino de açúcar. (Sim, isso que você e eu aprendemos que os holandeses faziam, agregando valor ao açúcar português, não era feito exclusivamente por holandeses.)
A Suécia vivia uma certa Era de Ouro nos séculos XVII e XVIII, e havia quem já investisse nessa agregação de valor aos produtos agrícolas por aqui.
Se o açúcar ou o tabaco que aqui chegaram vinham do Brasil ou não, eu não sei. A Suécia não tinha colônias, mas fazia parte do sistema através do qual a Europa enriqueceu às custas das veias abertas das Américas. (Ninguém caia naquela explicação a-histórica de que o desenvolvimento se dá por superioridade moral ou mérito individual das pessoas de hoje.)

Todo o meu respeito às pessoas do campo, mas nenhum grande país ficou rico só com agricultura. Até os Estados Unidos, que têm uma economia rural pujante, têm também a Apple, o Google e a Boeing.
A Suécia investe há muito tempo em industrialização. Lembram quando Trump impôs tarifas à importação de aço, inclusive oriundo do Brasil e de aliados europeus? A Suécia é grande fabricante de aço, e essa restrição pouco os afetou aqui porque ela produz ligas especiais de aço com alta tecnologia que os EUA não dominam, e que portanto não tiveram como deixar de importar. (Enquanto isso, na fazenda chamada Brasil…)


Confessemos que pode não ser assim a coisa mais pitoresca do mundo, mas não deixa de nos mostrar um pouco sobre esse período pouco comentado da História nórdica.




Boa parte destas fotos são dos anos 1950, quando Norrköping experimentou seu apogeu no pós-guerra.
Não me lembro de se comentar muito isso no Brasil, e é um ponto meio polêmico até hoje na Suécia, mas o país saiu sobremaneira em vantagem ao fim da Segunda Guerra Mundial. Não somente não se envolveu diretamente, como evitou ser invadido (ao contrário da vizinha Noruega, que só ficou rica depois de achar petróleo a partir do fim dos anos 1960) compactuando com os nazistas.
A Alemanha nazista podia usar livremente as ferrovias e comprar do minério de ferro e aço suecos. Ainda que a Suécia não se envolvesse em brigas, todo mundo aqui sabe que ela se beneficiou economicamente.
Na década de 1950, com a Europa praticamente inteira arrasada, as fábricas aqui estavam a pleno vapor — como também estava a vívida população masculina, que não virou bucha de canhão como nos demais países.
Norrköping viu as suas fábricas emergirem com milhares de empregados que trabalhavam para reabastecer a Europa.

A Suécia, sendo também uma monarquia parlamentarista (da brasileira Rainha Silvia, cujo palácio eu mostrei neste post), espelhava-se muito na Inglaterra e seus desenvolvimentos da época.
O que eles aqui souberam fazer a meu ver melhor, porém, e inclusive melhor que Portugal ou Espanha, que também saíram pouco destruídos no pós-guerra, foi reforçar sua democracia. Ao contrário dos Ibéricos, infelizmente mergulhados nas ditaduras de Franco e Salazar por décadas, até os anos 70; ou dos britânicos, que decaíram e viram sua sociedade degradar-se em crescente desigualdade a partir dos anos 80; os suecos, como os demais nórdicos, souberam construir uma pujante social-democracia em cima de suas riquezas. Não à toa, são dos países menos desiguais do mundo.

Norrköping também sofreu com a concorrência externa. Hoje, esse seu parque industrial é quase que apenas museu. Segue compondo um tanto a aura e a história da cidade. A Suécia, porém, segue em frente se renovando, com indústrias de ponta e certo vanguardismo nórdico.
Foi nessas que me detive numa Espresso House (rede onipresente aqui e que é praticamente o Starbucks sueco) para tomar um café neste dia frio.

Tal qual a música de Gabriela, rola um certo “Eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim” — que consigo imaginar na voz de Gal Costa dentro da minha cabeça — aqui para a Suécia, pulando o verso seguinte do “vou ser sempre assim”, pois o país bem que mudou em muita coisa (como a personagem também, ainda que talvez não o soubesse e Caymmi, na sua letra, não tenha sugerido tal autoconhecimento à personagem.)
Que apenas fique claro que ela, a Suécia, não saltou do tempo dos Vikings aos dias atuais, meus camarada (sic).
Era hora de eu voltar a Estocolmo.
Ihhh que cidadezinha linda. Parece saída dos secs. XVIII e XIX mesmo . Parece que a Rev. Industrial ainda dá as cartas por lá. Assemelha-se a um museu de época a céu aberto. Linda. Vê-se que é rica em historicidade. Respira os tempos das primeiras indústrias e também o clima do pós 2ª guerra. Muito bonitinha.Linda foto essa da saída da fábrica.
Interessante essas informações históricas sobre a postura da Suécia na Segunda Grande Guerra. Como de costume , do lado de cá do Brasil, nada se sabe sobre isso.
Amei o estilo arquitetônico, belíssimo, e a combinação dos tons ocre, com verde, com bege e marrom. Muito bonitos. Gosto muito desses tons.
O casario de tijolinhos vermelhos, janelinhas de esquadrias vermelhas é belíssimo. Lembra outras cidades do norte da Europa, como Amsterdam.
Essa foto inicial com a fabrica é portentosa. Linda.
O clima hibernal, com arvores ressequidas e a neve no chão, dão um toque especial à paisagem e à cidadezinha. O cinza dos telhadinhos combina com o chumbo do céu no inverno. Muito charmosa. Encantadora.
O senhor, todo enrolado, hahah parece parte da paisagem, meu caro amigo. Haja frio. Sua amiga do lado de cá , cheio de calor, ama o frio.
Que delicia esse aconchegante lugar para se tomar um abençoado cafezinho. Um dos pontos altos do inverno europeu. Amo.
A igrejinha de Sao Mateus, a torre de Santo Olavo e a Prefeitura são belíssimas. Juntas à charmosa arquitetura da fábrica do sec. XVIII, tornam o ambiente fascinante.
Amei a cidadezinha e a postagem.
Obrigada, jovem viajante por mais essa viagem no tempo.
Que venham mais belezas.