Ah, os entardeceres de Gotemburgo! Como já mostrei antes, o sol faz maravilhas multi-cores nestas altas latitudes do planeta Terra — e não é só a aurora boreal.
Eu morei um ano e meio em Gotemburgo, cidade fundada pelos holandeses na Suécia e que hoje é a segunda maior deste país de Greta Thunberg e Greta Garbo. (A quem tiver uma overdose de “Gretas”, saiba que em João & Maria, a historinha dos meninos que se perdem na floresta, o nome original da menina também é este. “Maria” foi tradução para os países latinos. Greta é abreviação carinhosa de Margareta.)
Voltemos a Gotemburgo, às margens do Mar do Norte, na costa ocidental sueca. Aqui, diga-se de passagem, fica a antiga área de Kattegat onde se dão os eventos iniciais do seriado Vikings, do History Channel. Eu mostrarei um pouco mais desta costa nas próximas postagens.
Eram os idos de 1621 quando os holandeses já sondavam o Nordeste brasileiro e aqui construiriam o principal porto comercial sueco. Por quê? Porque isso foi antes da abstrata noção de “estado-nação”, essa ideia de que certo pedaço de terra e seu governo pertencem à gente dali. O que tínhamos eram mercadores buscando oportunidades comerciais num reino que os acolhia — e pronto.

Hoje, Gotemburgo é talvez mais famosa por ser a sede mundial da Volvo, marca de veículos, além de ter um grande parque técnico-tecnológico que junta indústrias e universidades.
É uma cidade agradável onde morar, preciso dizer, e com algumas coisas belas a ver para quem quiser conhecer.
Antes de falar melhor dela, um pouco de curiosidade com materiais do museu da cidade.
Os Vikings vistos pelos árabes?
O Museu da Cidade de Gotemburgo tem peças e relatos fascinantes — de coisas que por vezes nos escapam ao conhecimento — sobre o tempo medieval dos Vikings, quando esta cidade ainda não era tal.

Muito sabemos sobre eles, guerreiros ferozes e temíveis, do ponto de vista dos ingleses ou demais europeus, mas como os viam os árabes, povo da civilização mais avançada da Idade Média no ocidente?
“Eles são o povo mais sujo já criado por Allah!“, narrou o viajante e cronista árabe Ahmed Ibn Fadlan em 922 d.C. no seu livro Risala, uma das principais fontes históricas primárias sobre os Vikings.
“Eles não se lavam depois de se aliviarem [isto é, de fazer suas necessidades fisiológicas]. Não se limpam depois de fazer sexo, nem lavam as mãos depois das refeições. Eles se comportam como jumentos selvagens“, vaticinou a pena do cronista, numa época em que a roda da fortuna estava ao contrário de como está hoje. Os árabes gozavam de uma civilização refinada e pujante, enquanto a Europa nórdica era um rincão pobre e de analfabetos.

Ibn Fadlan foi dos poucos a registrar por escrito o uso de barcos funerários pelos Vikings, que despachavam alguns de seus defuntos mais nobre para o fundo do rio ou do mar numa embarcação — como foi o caso do barco hoje exposto no Museu do Navio Viking em Oslo, na Noruega.
O árabe também nos conta o que viu dos sacrifícios feitos por Vikings suecos quando chegavam a outras partes do mundo conhecido — tão longe quanto Constantinopla, atual Istambul — para fazer trocas comerciais.
“Quando seus navios chegaram ao porto, cada membro da tripulação desceu à costa trazendo pão, carne, alho-poró, leite e bebida para uma alta imagem de madeira, com uma face esculpida como um ser humano. Rodeando o tronco havia figuras menores de madeira.
“O mercador vinha para a figura de madeira, punha-se em frente a ela e dizia: ‘Eu vos trago estes presentes’, que ele então punha no chão diante da estátua. Seguido de: ‘Eu gostaria que vós me trouxerdes um mercador repleto de dinares, e de dirhams, e que queira comprar pelo meu preço, sem discussão.'” (Ibn Fadlan, 922 d.C.)
Se a atividade comercial não se sucedesse como desejado, os Vikings retornavam com mais oferendas, inclusive para as estatuetas menores. Ao fim, dando tudo certo, sacrificavam-se ovelhas ou vacas,
“…várias, e dando parte de sua carne como caridade, o restante sendo posto em frente à grande estátua, e algo às pequenas… e as cabeças do gado ou dos carneiros penduradas em estacas no chão. Quando caiu a noite, os cães vieram e comeram tudo.” (Ibn Fadlan, 922 d.C.)
São alguns dos relatos que você encontra em detalhes no Museu da Cidade de Gotemburgo, que visitei.
Se você ficou curioso, o filme O 13º Guerreiro (1999) adapta precisamente um pouco dessas experiências, com Antonio Banderas fazendo o papel de Ibn Fadlan em meio aos Vikings do século X.

A fundação holandesa de Gotemburgo
Quem hoje vê os países nórdicos muito unidos, ou imagina os Vikings de outrora como bandos que guerreavam só com os outros, talvez não imagine o tanto de guerras que já houve entre Suécia, Noruega e Dinamarca. Eram como irmãos que se matavam com frequência.
A Dinamarca terminou a Idade Média como talvez o mais poderosos desses três reinos. Controlava com relativa dominância o Mar do Norte. Parte do que é hoje Suécia era então território dinamarquês, e a Noruega por muito tempo foi praticamente uma colônia danesa.
Uma curiosidade é que, cá no lado ocidental da atual Suécia, os suecos não tinham saída para o Mar do Norte (ver mapa abaixo). Ou tinham, mas elas eram controladas pelos dinamarqueses, que cobraram tarifa de quem quisesse navegar ao mar.
Os suecos não gostavam de nada disso. Suas cidades eram todas rio acima, e eles desembolsavam horrores pagando pedágio fluvial e marítimo aos vizinhos dinamarqueses para poder chegar aos mercados rentáveis da Europa Ocidental.

Em 1621, o rei sueco Gustavus Adolphus (1594-1632) — pois praticamente quase todo rei sueco é Gustavo, mas tente não confundi-los — afinal conseguiu fundar Gotemburgo numa espécie de “corredor polonês” para chegar à costa.
O rei o fez justo à foz do importante rio Göta, que lhe dá nome (Göteborg em sueco). Era a única cidade sueca aqui, cercada por território estrangeiro.
Talvez nem todo mundo se dê conta, mas nessa época corria a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), carcomendo a Europa num embate entre reinos católicos e protestantes.
A Suécia se deu muito bem nela, chegando a conquistar terras além-mar onde hoje são a Polônia e os Países Bálticos. Deu-melhor que a Dinamarca, e achou que era hora de dar um “chega pra lá” na vizinha.

Como que para ilustrar como motivações religiosas ou ideológicas frequentemente escondem razões pecuniárias no tabuleiro internacional, ambas Suécia e Dinamarca eram protestantes àquela altura do século XVII (e, formalmente, esta ainda é a religião dominante), mas chegava a hora de a Suécia dar um basta naquelas tarifas dinamarquesas.
Teve lugar a chamada Guerra de Torstensson (1643-1645), ao final do xadrez maior da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) na Europa. O nome vem do general sueco Lennart Torstensson, conde de Ortala e barão de Virestad.
A Suécia conquistou toda a região da Scania, atual sul do país, terra que era dinamarquesa (e, sim, também a origem da fábrica de caminhões), e ficou isenta de pagar os tais impostos à Dinamarca.
Iniciaria-se uma era próspera aos suecos, com maior intercâmbio com a principal potência marítima da época (a Holanda), assim como com os ingleses e escoceses, em ascensão para se tornar a potência comercial que viria a ser a Grã-Bretanha nos séculos seguintes.
Comerciantes holandeses vieram instalar-se aqui, faziam parte do conselho que governava a cidade, e nascia Gotemburgo repleta de canais.



Agora compare com a vista de hoje mostrando as mesmas edificações.



Gotemburgo hoje
“Nossa, achei bonita a cidade. Agora meio cinzenta, né?“, você talvez diga com base nas fotos acima. É que eu não escondo essas coisas; não faço como certos Instagrammers por aí que aplicam filtro de céu azul para fazer as fotos ficarem bonitas (sim, isso é corriqueiro; parte do que você vê por aí no Instagram é mentira.)
Nada tema. A Suécia, como todas as demais partes do globo fora dos trópicos, mudam muito de cara a depender da estação do ano. Isto aqui na primavera e no verão (ou seja, de abril a setembro) se transforma.



Se você gosta de História, pode subir até Skansen Kronan, a breve fortaleza na colina construída a mando do rei sueco ainda no século XVII caso os dinamarqueses tentassem tomar tudo de volta — o que eles de fato tentaram diversas vezes, mas sem sucesso.
É uma subida breve de seus 10 minutos, que rende uma bela vista para a cidade.




Os holandeses aos poucos deixariam a cidade, conforme seu poder mundial também decaía após os idos dos anos 1600. (Haviam chegado até mesmo a querer que o holandês se tornasse a língua oficial da cidade!)
Os suecos iam aos poucos os substituindo por aqui, e com isso a cara da cidade foi mudando. Muitos canais, talvez pouco práticos do ponto de vista dos não-holandeses, viriam a ser aterrados e depois transformados em vias de bondes elétricos — que aqui passam no meio da rua — a partir da industrialização das cidades.
Gotemburgo foi ganhando ares neoclássicos (e, em tempo, modernistas), distinto do que se vê hoje não cidades tradicionais holandesas. Os suecos também aprontariam outras…


Aqui jazem alguns canais, e jazem outras coisas da Gotemburgo de seus priscos tempos também. (“Das priscas eras, que bem longe vão”, como ditou Castro Alves no seu Espumas Flutuantes.)
Há quem hoje não valorize o turismo, ou enxergue apenas os efeitos nocivos do turismo de massa sobre lugares históricos como Veneza; mas não percebem que, em muitos lugares do mundo, é o turismo que sustenta a preservação.
“Gotemburgo nos anos 1950 passou o rodo no que era o seu casario antigo e construiu prédios de apartamentos no lugar.”
Até poucas décadas atrás, não era raro se passar o rodo em áreas urbanas históricas ditas velhas (ou deixá-las ao léu, como ocorria ao Pelourinho em Salvador até os anos 70).
Muitos de nós aprendemos sobre como os parisienses demoliram tantas das áreas medievais da cidade para construir seus bulevares, e se hoje não se encontram mais resquícios da Gotemburgo de séculos atrás, é porque aqui se demoliu tudo para construir casas de trabalhadores na Revolução Industrial ou prédios residenciais modernos tão recentemente quanto em 1950.
Gotemburgo nos anos 1950 passou o rodo no que era o seu casario antigo e construiu prédios de apartamentos no lugar. Entendo a lógica habitacional, embora lamente a perda do patrimônio histórico. É que à época a visão era outra; valorizavam-se artefatos da Antiguidade, mas não necessariamente casario de outrora.

As réplicas do casario de época fizeram muito pouco sucesso em Haga. A cidade desde os anos 1970 tenta promovê-la como distrito histórico, mas parece que de perto ela exala falsidade e pouco acontece aqui. Eu passava com frequência (pois era perto de casa, caminho para lugares) pelo que eram ruas muito paradas.
Quem se salvaram das escavadeiras de Gotemburgo foram as igrejas, quase todas elas também no neoclássico estilo dos fins do século XIX, quando a cidade crescia com sua atividade portuária pujante.






A minha igreja favorita, e talvez edificação mais bela na cidade (na minha opinião), é a Igreja de Oscar Fredrik (Oscar Fredriks Kyrka), inaugurada em estilo neogótico no domingo de Páscoa do ano de 1893. O nome se refere ao então rei sueco.
Ela ficava a dois minutos de onde eu morava, e era caminho até o meu ponto de bonde quando eu ia trabalhar.




Aí você tem a igreja que não é igreja: a Igreja do Peixe (Fish Church ou Feskekörka). Inaugurado em 1874, este mercado de peixe nunca pretendeu ser uma igreja, mas o arquiteto o fez tão parecido que não teve como o povo não o apelidar.
É um ótimo lugar aonde vir almoçar algo típico de Gotemburgo. Como a maioria da população sueca vive na costa e o país sempre foi bastante marítimo, além de ter dezenas de rios e lagos no interior, a típica gastronomia sueca inclui peixe, camarões, pães integrais, e laticínios (seja creme, maionese ou manteiga).



Se você gosta de água, pode procurar o passeio de barco que se faz ao redor dos canais e no rio. Há vários pontos de parada no centro da cidade onde você pode embarcar — não há como não ver. Vale a pena se for um dia de sol. É também uma boa forma de locomover para ver em poucas horas as várias partes da cidade. (Você pode subir e descer quantas vezes quiser.)
Eu diria que com um dia inteiro você vê tudo o que há para ver em Gotemburgo. Duas noites, portanto, me pareceriam o suficiente se eu viesse cá como turista.
Diga-se a verdade, ela é bem mais uma cidade boa de morar que uma cidade eminentemente turística. Embora eu viaje bastante — a ponto de a minha colega de apartamento apontar que eu pagava aluguel e passava mais tempo fora que dentro dele — eu circulei bastante por suas ruas.






As pessoas ficam à solta até o retornar do inverno, já pelos idos de novembro, quando ainda é formalmente outono mas os dias já estão frios, curtos e escuros.

Nessas é que eu ia trabalhar na universidade fundada por um mercador escocês lá do tempo da abertura aos holandeses e outros. A família Chalmers, de origem escocesa, radicou-se assim no século XVIII e o mercador William Chalmers, ao morrer sem deixar descendentes, legou a sua fortuna a uma instituição educacional. Fundaria a Universidade Técnica Chalmers, onde passei um par de anos da minha vida.
No inverno, o seu campus parece As Crônicas de Nárnia antes do degelo.




(A quem tiver sentido falta do outono, eu tenho um outro post todinho sobre ele aqui.)
ihhh que linda e charmosa cidade!… cosmopolita, com traços modernos e antigos, belo acervo arquitetônico, belas e bem arborizadas praças, largas avenidas, elegantes espaços, belos canais, bem cuidados e floridos jardins etc e tal. Belíssima. Encantei=me.
Adoro essas cidades que conseguem a proeza de unir, de forma estética e elegante, seu ontem e seu hoje. Mantem a graça do ontem e se enche de espaços vitais para o hoje. Uma graça a cidade. E populosa.
Apreciei bastante sua organização, seus boullevares a céu aberto, belas calçadas, belíssimos templos e edificações várias, museus, monumentos, tudo isso com a participação/presença alegre ou ressequida, mas sempre bela, da natureza. Mesmo com as mudanças sazonais. Bela, em qualquer das estações.
Linda com a neve, esplendorosa no Outono (fui rever a postagem do senhor no outono e fiquei extasiada com tanta beleza)e na Primavera , e charmosa no Verão.
Amei. Linda. Tem traços do estilo holandês mesmo.Mas o ponto alto, ao meu ver são os belíssimos pôres de sol, De babar… hahaha. Magníficos, parecem pinturas de geniais pintores, mestre nos pincéis e nos efeitos. Belíssima natureza. Salve o Criador.
Parabéns pela bela e charmosa Universidade onde o senhor trabalha, meu jovem.
Bela postagem, linda cidade. Belo e organizado país.
Nossa!… Que horror!… Hum hum hum. Sugismundos mesmo.. hahah …Creio que o viajante árabe está certo. O povo daqueles tempos do lado de cá do Ocidente não primava pela Higiene, haja visto o que se pensava do corpo na Idade Média, como algo a ser desprezado. E a religião mais tarde piorou a situação. E olhe que eles ja estavam ali antes da IM. Eles tem aspecto de pouco caso mesmo com o corpo e a aparência, hahaha. Deus me livre.
Esse campus da Universidade, sob a neve e com luzes acesas é belíssimo, assim como o jardim e o interior da deslumbrante igreja..
Tudo é encantador em Gottemborg.
Amei.
Que costumes horriveis: jogar os defuntos ao mar, matar os bichos e pendurar as cabeças, exigir a venda das mercadorias com o preço deles e tomar os presentes que deu hahahahahah. Horrorosos hahaha