Ninguém mais espere ver guerreiros em embarcações de madeira, nem rituais nórdicos (ao menos não os sangrentos, os não-sangrentos seguem em voga, como o famoso midsummer).
Estamos na costa ocidental sueca, onde você atira uma pedra e acerta a Dinamarca. (Sério, dá para ver do outro lado, embora você precise da força de Thor para conseguir tal feito com a pedra.)
Kattegat, os fãs do seriado Vikings sabem, é uma área por onde eles andavam navegavam. Há quem pense que se trata de uma região ficcional, mas ela é de verdade. Só há algumas imprecisões históricas, que a gente acaba ignorando quando assiste a tais seriados.

A sequência se dará um século depois da série original, quando já há um movimento forte de cristianização nestas bandas. Sim, por volta do ano 1000 o cristianismo já estava em vias de se tornar a religião oficial, ainda que na prática a população permanecesse dividida e fosse aí misturar as religiões por muitos séculos além.
Voltemos a Kattegat, que é como os holandeses (!) mais tarde chamariam este trecho de mar hoje entre a Suécia e a Dinamarca, que conecta o Mar do Norte ao Mar Báltico.

Como é esta região hoje? Linda, mas talvez diferente do que você imagina, e distinta também dos famosos e mui visitados fiordes noruegueses. Aqui, praticamente não há fiordes, e as elevações são baixas.
A origem holandesa do nome “Kattegat”
Desculpem dizer, mas os Vikings não chamavam isto aqui de Kattegat, pela simples razão que este nome é holandês e só surgiria séculos depois, pelos idos de 1200-1500.
Os holandeses e demais germânicos é que depois chamariam isto aqui de “buraco de gato” (Katte gat).
Ao que se sabe, os Vikings chamavam estas bandas de Mar da Jutlândia (Jótlandshaf é como o nome está registrado numa das sagas, escrita em 1250). Os romanos antigos, que navegaram isto aqui embora pouco o currículo escolar fale das navegações romanas, chamavam a região de sinus codanus.
Os holandeses e demais germânicos (psiu, não diga a um holandês que eu os chamei de germânicos, ou eles piram na batatinha; etnicamente o são, mas têm uma identidade nacional própria e, sobretudo depois de serem invadidos pela Alemanha na Segunda Guerra, detestam se ver misturados assim) é que depois chamariam isto aqui de “buraco de gato” (Katte gat).
Isso se deu no contexto das navegações comerciais da chamada Liga Hanseática, a liga de cidades comerciais (Hamburgo, Riga, Bergen…) que nos idos de 1200-1500 foram grande motor de trocas aqui.
Eles diziam que, nestes mares estreitos e cheio de partes rasas, onde às vezes os navios precisam contornar recifes para achar partes profundas onde navegar sem encalhar, são como meandros onde os gatos se enfiam e se apertam para passar.




Kattegat hoje
A costa ocidental da Suécia hoje é repleta de cidadezinhas fofas. Se você ficou lá atrás, atualizemo-nos.
Os suecos tomaram esta costa dos dinamarqueses (os quais dominavam todas as costas nesta área de Kattegat) no século XVII, quando da fundação de Gotemburgo, hoje segunda maior cidade do país.
Como eu morei lá um tempo, pude vir ver várias dessas cidadezinhas — pois não há nada que os suecos e demais nórdicos gostem mais do que estar envolto na natureza.
Enquanto os brasileiros vão para a praia ou o sítio no feriadão, eles aqui vêm às suas casas de madeira pintada no litoral ou à beira de algum lago. Fazem caminhada, banham-se, assam coisas ao ar livre, fazem esportes de inverno no inverno e tomam umas no verão.




Essa na foto acima é Marstrand — caso você esteja a se perguntar “Ok, eu quero ir, pra onde é que eu vou??“.
Preciso dizer que estes lugares são muito desolados no inverno, mas no verão (especialmente entre junho e agosto) eles realmente ganham vida, ainda que nunca percam esse idilismo algo pacato.
O destino mais fácil são as ilhas do arquipélago nas vizinhanças de Gotemburgo, algo que você pode tirar um dia para visitar livremente se vier à cidade.
Não é preciso nenhum tipo de agência nem transporte especial: como muito aqui na Escandinávia, o transporte público está aí para levá-lo aonde quiser. Com o mesmo cartão de transporte da cidade de Gotemburgo você pode tomar o bonde n.11 até o fim de linha em Saltholmen, e de lá entrar num dos barcos públicos a qualquer uma das ilhas.



Se você vier aqui, vale a pena baixar no celular o aplicativo Västtrafik, de transportes em toda a província de Västra Götaland (onde estamos). Ele lhe dá todos os horários de saída e chegada dos barcos. (Pode ser uma mão na roda, pois a frequência às vezes é de hora em hora, ou mesmo a cada duas horas, a depender da rota que você deseje.)




Brännö e Styrsö são as ilhas mais visitadas e com mais infraestrutura. Mas se você quer algo mais aconchegante ou histórico, pode achar seu caminho até Marstrand ou Lysekil, cidadezinhas pitorescas à beira-mar algo ao norte de Gotemburgo.
Você chega a ambas viajando de ônibus desde a rodoviária dessa cidade. (Cerca de 1h de viagem, com várias saídas ao dia. Você encontra os horários naquele aplicativo que recomendei ou aqui, no site oficial de transportes.)
Lá você pode ver um pouco mais do que é Kattegat hoje.



Quando me refiro a casario “de época”, é claro que neste caso não é da época vetusta dos Vikings.
Do tempo Viking no que veio a ser chamado posteriormente de Kattegat, só restam artefatos arqueológicos. Até mesmo porque eles edificavam em madeira, que não dura tanto. Construções de pedra aqui só surgiriam bem depois, já na Idade Moderna.

Marstrand já era uma cidadezinha de pescadores nos idos de 1200, mas foi somente com a conquista sueca desta costa (tomada dos dinamarqueses no século XVII) que a cidade ganhou mais notoriedade.
O rei sueco Carlos Gustavo X (1622-1660) tem aqui uma fortaleza construída em sua homenagem a partir de 1671 para defender estas terras recém-conquistadas. Os dinamarqueses, de fato, tentaram várias vezes retomá-la.
Eles chegaram a conquistar a fortaleza, assim como os noruegueses também o fariam mais tarde, mas ela sempre voltou a ser sueca. Jamais uma nação dominaria todos os lados de Kattegat novamente.
(Uma curiosidade é que o rei Carlos Gustavo X não foi o décimo do seu nome. É que o IX era um curioso, leu uma história fictícia, e contabilizou que portanto seria o nono da Suécia. Abraçou o número e daí a contagem se manteve. Na real, Carlos Gustavo X foi o quarto. Brinque com as excentricidades dos monarcas europeus.)




Se você gosta de mais atividade que apenas percorrer estas simples e quietas ruelas, pode fazer várias caminhadas ao redor da ilha. Sim, Marstrand fica numa pequena ilha à costa. Daí a chegada de barco, de algumas das fotos acima, inclusive a de abertura.



Lysekil, a terceira opção que recomendo a quem quiser conhecer Kattegat hoje, fica um pouco mais ao norte (cerca de 2h desde Gotemburgo).


Assim é o aspecto de muita coisa na Suécia hoje: um aspecto do fim do século XIX e início do XX, quando o país expandiu notavelmente a urbanização do que dantes era um reino eminentemente rural.

São lugares onde vir relaxar um fim de semana, talvez passar uma noite, para não ter que ir e voltar no mesmo dia e poder apreciar tudo com mais tranquilidade. (Os suecos vêm com as suas famílias por dias ou semanas a fio no verão.)




Eis um pouco do que Kattegat é, do que veio a se tornar desde que lhe deram esse nome.
Muito bom. Bem escrito e as fotos completam a narrativa. Dá vontade de viajar pra conhecer esses lugares de perto. Embora nascido em Maceió, Alagoas, moro em Porto Velho, Rondonia, estado da Amazônia brasileira. Gostaria de estabelecer contato com algum brasileiro que viva num desses locais nórdicos para trocar conhecimentos e fatos locais.
Valeu!! Abraço.
Olá. Tive ampliada minha enorme vontade de conhecer tais lugares!
Agradeço, Artur e Renata! Sejam bem-vindos!
Parabéns muito legal e bem feita as imagens, fotos e reportagem.
Um dia ainda vou conhecer um desses países.