Colinas de chocolate? Sim, elas ficam em Bohol, uma das várias ilhas das Filipinas, mas isso é só apelido. (Perdão a quem pensou em morros realmente feitos de chocolate. Imagina?)
O nome se dá pela coloração marrom que essas curiosas colinas ganham na época seca, e que algum filipino espirituoso com alma marqueteira apelidou como tal. Há quem fale que lembram morretes de açúcar, peitos saindo do chão… toda sorte de coisa. É um bafafá danado, neste país onde as pessoas já são mesmo chegadas a uma zoeira ou a uma coisa capciosa.
Vocês alguma vez já viram foto do társio, aquele animalzinho que é um dos menores primatas do planeta? Ele é endêmico daqui. Vive exclusivamente nas ilhas entre esta parte das Filipinas e a Indonésia.
Tem coisas curiosas, a natureza daqui. Foi um passeio divertido que eu faria desde Alona Beach, organizado lá, e que me trouxe a ver algumas coisas tanto da natureza filipina quanto da natureza dos filipinos.




Um Passeio por Bohol
Bohol [lê-se algo próximo de borról] é uma das ilhas mais visitadas das Filipinas, por um conjunto de fatores.
Além de sua natureza peculiar — que ainda vou mostrar melhor — este lugar também marcou o início da presença jesuíta nas Filipinas. Após alguns primeiros contatos e conflitos que resultaram na a morte de Fernão de Magalhães em Cebu em 1521, foi aqui em Bohol que se deu o início da colonização espanhola. Deu-se formalmente em 1565 com um famoso — e literal — “pacto de sangue” entre nativos e espanhóis. Há aqui um monumento sobre isso, que vos mostrarei.




Bohol é uma ilha algo arredondada, com seus 25 Km de raio, e tem um rio. O Rio Loboc de águas verdes, que você vê na foto acima, serve de lugar a pequenos cruzeiros de almoço aqui.
Uma das primeiras paradas do nosso passeio desde Alona Beach foi precisamente para verificar uma ponte pênsil sobre esse rio — daquelas à là Indiana Jones, hoje em dia ótimas para derrubar o celular durante a selfie.
A ponte fica no município de Sevilha, Filipinas. Foi obviamente nomeado assim por conta da cidade espanhola homônima. Os espanhóis faziam dessas repetições de nomes mais que os portugueses — nunca soube por que. (Daí a América Latina ser repleta de duplicatas espanholas como Córdoba, Mérida, Cartagena & cia. Sevilha eu nunca tinha visto, até encontrá-la aqui nas Filipinas.)



Não há filme de Indiana Jones sem encontrar, nestes ambientes, aquela pessoa especialmente bruta.
Aqui, você encontra — se não ele próprio, pelo menos o anúncio de sua pessoa — Felipe Tacogdoy, o chamado Rei do Coco (buko king entre os filipinos, lembrando que estes chamam coco de buko e não de coconut). É um boholano famoso.
Se você aí, brasileiro, está inocentemente achando que se trata de um vendedor de cocos, enganou-se. Ele recebe tal alcunha porque habilmente descasca coco verde com os dentes a uma velocidade incrível. Assista, e pasme. (Crianças, não tentem fazer isso em casa. O acesso a dentista está limitado nestes tempos de covid.)
Foi com este pessoal que os espanhóis, em 1565, fizeram um pacto de sangue para firmar amizade. Leia-se dominação, embora talvez os filipinos da época não o soubessem.
“De acordo com o costume, os dois líderes cortavam seus pulsos levemente e deixavam cair gotas de sangue numa bebida.”
Miguel López de Legazpi, quando aqui chegou vindo do México (então Nova Espanha) com cinco navios e cerca de 500 homens em 1565, retornou à mesma ilha de Cebu, onde Fernão de Magalhães havia aportado mais de 40 anos antes — e morrido. Os portugueses àquela altura, não sei se por vingança ou pura pilhagem, vinham com frequência desde as Ilhas das Especiarias (na Indonésia, mais a sul) para inclusive escravizar pessoas daqui e levá-las embora.
Os espanhóis tiveram um trabalho em convencer os nativos de que não eram o mesmo povo, mas outro, supostamente disposto apenas a fazer comércio e amizade. (Revelariam-se, à sua maneira, deveras brutos.)
Os filipinos, para bem ou mal, lhes creram. Realizou-se aqui em Bohol então — pois Cebu já não queria mais conversa — um literal pacto de sangue para sacramentar essa “amizade” que se instalava entre filipinos e espanhóis. De acordo com o costume, os dois líderes cortavam seus pulsos levemente e deixavam cair gotas de sangue numa bebida, que podia ser alcoólica ou outra, e então a repartiam em duas partes para ambos beberem dos seus sangues misturados.
Um monumento aqui em Bohol hoje ilustra esse marco importante da História filipina.

Em 1595, os padres jesuítas Juan de Torres e Gabriel Sánchez fundariam aqui em Bohol a mais antiga colônia jesuíta da região. As dinâmicas de catequese seriam muito semelhantes àquelas ocorridas no Brasil.
Segue de pé a igreja erigida em 1737 nesse local, a Igreja da Paróquia La Purisima Concepción de la Virgen Maria — mais conhecida hoje como Igreja de Baclayon (Baclayon Church), pelo nome do município onde fica.
É um belo prédio histórico que, como tanto aqui nas Filipinas, me evoca a América Latina. Parecia que eu estava no Peru ou no México, não na Ásia.



O dia não estava exatamente para praia, como vocês hão de notar.
Nós nos dirigíamos afinal às tais Colinas de Chocolate, que no tempo seco ficam marrom-cacau, mas nesta época úmida ficam bem verdinhas feito colinas dos Teletubbies (embora mais íngremes).
Elas são uma formação geológica deveras curiosa, de rocha calcária coberta por grama. Há mais de mil desses morretes que você vê abaixo e que alguém achou parecido com aquelas “gotas de chocolate” da Hershey’s.
A bem da verdade, as colinas não são tão marrons assim — acho que só se secar muito. A maioria acaba dando um “grau” no Photoshop para as fotos que você vê no Google. Na realidade, elas são muito mais simples, embora não deixem de ser algo curioso — e uma bela vista cá de cima, do promontório elevado aonde você sobe para olhá-las.




É uma paisagem sui generis neste rol de coisas curiosas que há em Bohol.
Os társios, mostrados no começo, nós vimos aqui num santuário onde eles são conservados. Atente na hora de reservar o passeio, se a agência leva mesmo ao santuário e não a algum zoológico com társios enjaulados.
É bonitinho e ao mesmo tempo estranho ver aquelas criaturinhas agarradas aos ramos e vinhas, indivíduos sencientes a observá-los com seus olhões, como se fossem miniaturas dos ewoks (de O Retorno de Jedi) ou do Mestre Yoda, ou ainda de Dobby, o elfo doméstico.




Era hora do almoço, e társios não se comem — que fique claro. Comem-os as cobras e os lagartos, já que são pequenos. Os társios, por sua vez, são estritamente carnívoros (o que não é comum entre os primatas), e comem animais menores.
Eu, por meu turno, me preparava para um belo almoço bufê no cruzeiro que tínhamos pelo Rio Loboc. Incluiu, como entrada, um chá de cadeira numa espécie de sala de embarque com televisão, na qual eu já estava a ponto de ter um “passamento” por fome. Levou bem uns 45-60 minutos até chegar a vez de o nosso grupo embarcar, mas eu também depois lavaria a égua.






Foi um passeio sossegado pelo rio. Eu, que não conhecia mais ninguém no barco, me relaxava ali com o reboliço das famílias e algumas crianças a brincar.
Como os filipinos adoram cantar e aprendem inglês bem desde a infância, acabam inundando os bares (e o YouTube) com versões de canções anglófonas de outrora ou do momento.
Não demorou a ligarem o som após o almoço e alguém entoar Let it Be (dos Beatles) no microfone, como você ouve no pequeno vídeo abaixo.
Você reparou nas cabanas de beira de rio onde parecia haver pessoas esperando algo?
Há muitos grupos culturais comunitários — sobretudo garotas de escola fazendo apresentações de dança — que se apresentam aos turistas à espera de contribuições ou gorjetas.
As pessoas aqui são pobres e vivem do turismo, o que vejo dizer que tem sido muito difícil nestes tempos de pandemia. (Eu vim antes do pandemônio.)
Eu gravei uma dessas apresentações de adolescentes — coisa simples, que me lembrou escolas algo humildes do interior do Brasil. Atrás das meninas a dançar, uma imagem bem colorida de Nossa Senhora de Guadalupe, pra dar um cheiro assim bem de América Latina, ainda que estejamos na Ásia. É que as Filipinas são mesmo um país singular.
Os filipinos são um povo animado, como você já deve ter percebido. São em geral algo conservadores nos costumes, mas muito joviais e sem empáfia.
O barco foi a certo ponto do Rio Loboc e depois retornou a onde embarcamos. Ao fim do dia, estávamos de volta a Alona Beach, e eu à pousada das primas.
Eu fiz o tour com esta empresa, a Valeroso (que eles falam “Valerosso”). As experiências dos clientes variam, mas a minha foi boa. Foram pontuais, fomos a todos os lugares. Só houve um tanto de espera até podermos finalmente tomar o cruzeiro do almoço. Tome nota, todavia, de que esses passeios aqui em Bohol geralmente não incluem as entradas, alimentação etc. O tour é bem barato, tipo U$ 10 por pessoa, mas tudo é à parte.


Epílogo: Estrada para a Perdição e voo para o paraíso
“Não posso ficar nem mais um minuto com você. Sinto muito amor, mas não pode ser.” Eu via a hora de me despedir da pousada e destas bandas das Filipinas. Um paraíso do outro lado do país me esperava.
Em Alona Beach, já que estávamos com ameaços — às vezes concretizados — de chuva, passei mais um tempo na pousada. À tarde, as pessoas assistiam a novelas filipinas, e no horário nobre há programas de calouros.
Quase todo filipino é bilingue, a escola é em inglês, então misturam-se livremente frases nesse idioma e em tagalog, a língua nativa dominante. Há desenhos animados americanos mostrados no original, sem dublagem. Já os programas de auditório contam com convidados que ficam mudando pra lá e pra cá.
Um par de primos, um garoto de 7 anos e outro de 3, ali brincavam de tiro. Chegavam na sala repletos de revólveres de plástico, ou até de papelão recortado na cintura, o mais velho ocasionalmente com um quepe verde do exército (à là aquele usado ocasionalmente pelo presidente filipino Rodrigo Duterte).
Eu ali, o menino achava estranho quando me perguntava: “Você gosta das minhas armas?”, e eu respondia que não. No tablet, dali a pouco faria sua lavagem cerebral mirim assistindo a tiroteios em filmes e vídeos do YouTube.
Posso soar careta pra caramba, mas é tipo você assistir à Estrada para a Perdição com esta cultura de armas aqui talvez herdada da colonização espanhola e depois pelos EUA, com influência contínua da indústria cultural desse. Depois ninguém se surpreenda que as Filipinas sejam de longe o país com mais violência urbana no Sudeste Asiático. Seu número de homicídios que é o quádruplo do segundo lugar (a Tailândia).
Ainda que sejam taxas menores que as nossas, elas fazem novamente as Filipinas mais semelhantes à América Latina que aos seus vizinhos asiáticos. Fosse um país americano, estaria atrás apenas de Brasil, México, EUA e Colômbia — e à frente de todos os demais.
Levantam-se perguntas difíceis sobre o porquê desses paralelos, e os possíveis papeis da colonização, da religião, e das principais influências culturais atuais. Correlações dolorosas de se perceber. Causas, não sei.
Bem, era hora de tomar o avião desde o novo Aeroporto de Tagbilaran até outra parte deste país tropical também abençoado por Deus e bonito por natureza, e com semelhanças até demais com um certo outro.
Vejo vocês numa outra ilha.
Ihhhh, que maravilha de região e de postagem. Meu jovem, impressionante. Salve as matas, salve os trópicos!… Salve as águas…Nossa que beleza!… Quanto verde. Que belas matas, que águas verdes, claras, tranquilas e calmas… Que lindas colinas. Que Paz… Uauu… Emocionante ver essa natureza esplendorosa e quase intocada. Belíssima.
Achei bonitinho o pequeno do olhão, haha . Mas ele lá e eu cá, haha sem intimidades. Tem dentes e garras hahaha. Mas é interessante e parece na dele.
Que horror esse tal pacto de sangue. Tenebroso, assim como esse outro horror de descascar um coco verde no dente. Jesus.
Adorei a dancinha das garotas. Bem harmônica e leve.
Nossa, a comilança deu água na boca. Adoro comida do SE asiático.
E mais uma vez encantada com essas águas azuladas e essas fotos tiradas do avião. Parece o paraíso.
O passeio de barco parece ter sido ótimo.
Adorei a postagem. Gostaria de conhecer esse paraíso.
Obrigada, jovem viajante brasileiro. Que venham mais belezas.
Procedente, ao meu ver, a vossa observação sobre o estímulo e o cultivo desses hábitos violentos, nocivos à educação infantil, que estão na raiz de tantos males da nossa suposta “civilização”. Na minha visão o mundo precisa de valores outros, como solidariedade, fraternidade, proteção ambiental etc e tal. E não violência.