A Ilha de Java é a mais populosa da Indonésia, este país que só devagarinho entra nos radares brasileiros. Um arquipélago imenso (17 mil ilhas!), com uma massa de terra do tamanho do México — quebrada em pedaços — e muita água. São 276 milhões de pessoas, dos quais 145 milhões estão em Java.
Java é mais ou menos do tamanho de Pernambuco ou do Ceará. Imagine aí com aquele tanto de gente. É uma região histórica, de antigos reinos hindus e budistas que depois se transformaram em sultanatos islâmicos. O legado milenar permanece, e eu o mostrarei.
Quem imaginou a Ilha de Java como um lugar selvagem, às margens da civilização, somente onde vulcões explodem e pouco há de gente, ainda está em tempo de rever seu conceito. Aqui há bastante presença humana.

Quando eu vim a Java pela primeira vez, vi uma paisagem dessa a partir de um trem lotado em que vim dormindo no chão, por cima de folhas de jornal e quase “de conchinha” com uma tia desconhecida — por falta de espaço.
Eu detalhei essa experiência no meu post dessa viagem, há dez anos atrás, quando vi os campos de arroz ao amanhecer.
Não quero sufocar ninguém com minha conversa sobre densidade de pessoas. Apesar dessa densidade, você circula pelos lugares sem pânico, e eles são muito agradáveis. Só não quero é excluir os indonésios, sua história e sua cultura do que se imagina ser a Ilha de Java.




De volta à Indonésia
Já é possível visitar a Indonésia sem precisar de visto, sequer aquele comprado na chegada. Essa era ainda uma exigência para brasileiros até 2016, mas já não mais. Portugueses igualmente podem passar até 30 dias como turistas. Eis a página oficial.
As infames taxas de partida (departure taxes), que ainda eram norma na Indonésia e pegavam muita gente desavisada até recentemente, também já passaram a ser normalmente incorporadas nos preços das passagens de avião.
Na minha segunda vinda aqui, em 2014, quase que eu não embarco porque meu dinheiro indonésio havia acabado e o caixa automático não funcionava. Foi sorte eu ter um bilhete de 10 euros à mão. Mas estes problemas já se acabaram.
Eu me instalei num frondoso hotel, o mesmo onde havia ficado em 2014. Continua lindo, e o segredo aqui é que até certos hotéis 5 estrelas saem barato. (Este, o Sheraton Mustika Yogyakarta sai por menos de USD 50 a noite.)




É de hábito aqui no Sudeste Asiático se fazer uma refeição no prato como café da manhã — como se fosse almoço. Há, em geral, opções com mais cara de café da manhã ocidental nos locais turísticos (incluso neste hotel), mas não é o típico. O típico indonésio é arroz com legumes, carnes, peixes no molho apimentado, etc. Você fica louco, se gostar de comida asiática. (Se não gostar, ficará louco no mau sentido.)
Jakarta vs. Yogyakarta
Já houve quem me perguntasse se eu estava falando de Jakarta, quando tratei de Yogyakarta. (Não ajuda que os indonésios chamem esta última como se fosse “Jog-jakarta”, às vezes apelidada de “Jog-Ja”.)
São duas cidades distintas — talvez as duas mais importantes de Java. Jakarta é sua principal cidade, a capital do país (até o momento), e uma das maiores cidades do mundo, com 33 milhões de pessoas (!) na sua região metropolitana. Só perde para Tóquio. É também uma cidade que está rapidamente afundando no mar, então se quiser vê-la, venha logo.



Notem os canais pela cidade. Não deixa mentir que a colonização foi holandesa, com seus canais que lembram os de Amsterdã e que os holandeses buscavam construir em todos os lugares — desde Gotemburgo, que fundaram na Suécia no século XVII, ao Recife no Brasil.

Você conhece a marca de laticínios Batavo no Brasil? Foi feita por uma cooperativa de imigrantes holandeses do Paraná. Batavia era como parte do que é hoje a Holanda foi chamada pelos romanos antigos.
Batávia foi, portanto, como os holandeses chamaram a cidade que construíram em Java em 1619 sobre as ruínas de Jayakarta — que eles próprios destruíram.
Se alguma vez lhe passou pela cabeça imaginar como seria o Brasil se tivesse vingado por mais tempo a invasão holandesa, a Indonésia talvez seja seu melhor referencial. Esteve quase 350 anos sob dominação da Holanda. (O Suriname é outra alternativa mais próxima de casa. Foi colônia holandesa até 1975.)
Eu deixarei para falar mais de Jakarta — como voltou a ser chamada após a independência da Indonésia em 1949 — quando lhe fizer propriamente uma visita. Minha experiência na cidade, por ora, é mais de ficar preso em engarrafamentos de carro que qualquer outra coisa. (As pessoas chegam a almoçar dentro do carro quando precisam ser deslocar nesse horário, para ir matando o tempo.)
Por ora, deixo destacado que Jakarta está afundando — tanto quanto 10cm por ano em média —, e se prevê que em 2050 seus distritos mais próximos do mar estarão 95% debaixo d’água. Parabéns! Você aí que achou que a crise ambiental era uma coisa para o futuro mais distante, é capaz que veja com os próprios olhos ainda nesta vida.
A razão é que se construiu demais sobre um solo fofo, com retiradas de água subterrânea que terminaram por fofar a coisa ainda a mais. Sob o peso, afunda. Com as chuvas e a elevação dos oceanos devido ao aquecimento global, inunda.

Como a situação é provavelmente irreversível, o presidente Joko Widodo em 2019 prometeu construir uma nova capital — à là Brasília — na ilha de Borneo e transferir o governo nacional para lá assim que possível.
Voltemos agora a Yogyakarta, a capital cultural da ilha — e que afortunadamente está em região mais elevada de Java.
Yogyakarta, capital cultural de Java
A Indonésia tem diferentes culturas. Ela é um tanto como outros países plurinacionais, como Bolívia, México, Rússia e tantos outros.
Cada parte deste extenso arquipélago tem as suas próprias tradições e, além disso, as suas próprias línguas locais, ainda que todos hoje em dia falem o “indonésio” (Bahasa indonesia), que é na verdade a língua malaia, adotada do país vizinho na era colonial como uma solução pacificadora. A lingua franca não será a de ninguém, mas uma de fora e que seja estrangeira a todos.
Há o javanês, que é uma língua distinta, assim como muitas outras aqui na própria Ilha de Java. Acaba sendo segunda ou terceira língua de muita gente.
Yogyakarta acaba sendo vista como capital cultural deste lugar que já foi sítio de muitos sultanatos diferentes séculos atrás, e de reinos budistas ou hindus distintos antes disso. Afinal, você deve ter percebido que Indo+nésia vem de Índia, com o sufixo “ésia” para arquipélagos (Polinésia, Melanésia…).
Yogyakarta (ꦔꦪꦺꦴꦒꦾꦏꦂꦠ em javanês) vem de Ayodhya, a cidade hindu antiga onde teria nascido Rama, do clássico Ramayana e do Hare Rama Hare Krishna hare hare. Ele é tido pelos hindus como a encarnação de Vishnu anterior a Krishna — pessoas que teriam existido de verdade, mas cuja comprovação irrefutável é difícil de obter devido à antiguidade remota da coisa.



Note os seus pés descalços, os coloridos adornos, a pose cerimoniosa, e você perceberá muitas semelhanças com as artes ancestrais hindus também encontradas no Camboja, nas gravuras do complexo de Angkor Wat, e naturalmente na ilha de Bali, onde o hinduísmo permanece.

No restante da Indonésia, exceto por alguns bolsões cristãos criados pelos portugueses e holandeses, as pessoas se tornaram predominantemente muçulmanas a partir da Idade Média.
Com os navegadores árabes e persas, veio a conversão destas terras, pois adotar a religião daqueles parceiros comerciais trazia vantagens aos javaneses. (Foi um pouco como ocorreu ao cristianismo na Europa medieval, quando conversão religiosa era também — ou sobretudo — um cálculo político-econômico.)
Neste sentido, é interessante dissociar islamismo de cultura árabe. Não são a mesma coisa, embora no Ocidente façamos essa confusão cotidianamente. Claro, há muito da cultura atual árabe que advém do Islã, mas nem tudo. Da mesma forma que nem tudo da cultura latina advém do cristianismo.
Embora haja crescente fundamentalismo também na Indonésia, o islã aqui do Sudeste Asiático é bem mais “sussa” que o do Oriente Médio no dia-dia, ainda que fanáticos haja em todo lugar. Por exemplo, no olhômetro (pois não há estatísticas oficiais sobre isso), eu diria que metade das mulheres muçulmanas na Indonésia não usam véu, e a outra metade usa.
De todo modo, independentemente da religião, há uma cultura social asiática — compartilhada com os filipinos, cambojanos, e até os polinésios, povos que compõem a família linguística e étnica austronésia (culpe o currículo eurocentrado se nunca ouviu falar neles) — muito afável, simpática, relativamente reservada, e “de boa” que é muito distinta dos árabes, turcos e persas (ainda que estes também possam ser boa gente, obviamente; só a atitude é que é distinta.)



Ou seja, aqui são muçulmanos que não se importam em visitar o templo budista e tirar foto. Isso já diz muita coisa.
Eu, desta vez, reveria o templo de Borobudur (maior templo budista do mundo) assim como Prambanan, um monumento histórico hindu ainda mais antigo que Angkor Wat, no Camboja.
Mas eu visitaria também o miolão da cidade, a Rua Malioboro (Jalan Malioboro) no centro de Yogyakarta. Não há como passar por aqui sem experimentar novamente da sua muvuca, do seu calor tropical, e — é claro — um gudeg, prato javanês típico aqui de Yogyakarta feito com jaca verde no molho de leite de coco e pimenta. (A quem não sabe, a jaca é uma fruta asiática e nós é que a importamos, nos barcos dos navegantes portugueses.)




Sim, é movimentado, mas nada muito diferente de um centro de cidade brasileiro — só que bem mais seguro aqui que no Brasil.

Esta loja fica quase de frente ao Vredeburg, um forte holandês transformado em museu em 1992.
Ele rende uma boa visita para você conhecer melhor dos tempos da colonização holandesa aqui em Java, assim como acerca dos esforços de Independência da Indonésia durante e após a Segunda Guerra Mundial.
A Indonésia foi invadida pelo Japão, como tantas colônias ocidentais na Ásia, e depois da guerra os povos já não queriam mais retornar ao jugo europeu. Não aceitariam mais o jugo de ninguém, nem de ocidentais nem de japoneses. A Indonésia se tornaria um país independente com este nome em 1949.


Este forte foi completado em 1787, e seu nome em holandês (“Forte da Paz”) se refere à harmonia entre o poder colonizador e os sultão aqui desta parte de Java, que consentiu a colonização e manteve seus privilégios. Não foi muito diferente daquilo que os britânicos fizeram na Índia, mantendo os marajás para ajudar a controlar a população.


Se lhe faltar dinheiro, o Mulia Money Changer é talvez sua melhor escolha aqui na Jalan Malioboro. Venha com espécie — são ainda poucos os lugares onde se paga com cartão. E, sobretudo, venha com espaço na bagagem para carregar tudo. Depois não diga que eu não avisei.
Eu daqui visitaria os milenares complexos dos templos de Prambanan e Borobudur nos dias seguintes, acompanhados deste centrinho comercial e histórico de Yogyakarta. Vir novamente a estas paragens é sempre um gosto pra mim, que vai além do gudeg.


O sultão de Yogyakarta, só para vocês saberem, ainda existe. Segue tendo funções simbólicas e políticas na região, ainda que enquanto país a Indonésia seja uma democracia. Ele é o governador. Um pouco como se, sei lá, Tocantins fosse uma monarquia — da sultana Kátia Abreu, hipoteticamente — com governo hereditário dentro da democracia brasileira. Por aí.

Sim, daqui eu escuto alguns de vocês a se perguntar se, nesta estrutura algo conservadora, a filha mais velha poderá mesmo herdar seu trono. A resposta é sim. Antes não podia, mas agora pode.
Esse sultão foi quem pela primeira vez determinou que sim. Houve críticas por partes mais conservadoras, incluso de parentes homens que queriam herdar o trono, mas ele respondeu dizendo que era prerrogativa dele definir isso — e tirou os parentes olheiros da linha de sucessão.
Dança javanesa?
Quem viu a foto de abertura talvez tenha ficado a se perguntar se não haveria dança típica aqui. Há muitas danças javanesas, quase todas elas cerimoniosas, feitas em grupo e acompanhadas de um bling-bling de fundo e, às vezes, encenação de marionetes — como num grande teatro, que é a origem cortesã destes espetáculos culturais.
Se você buscar por “Javanese dance” no YouTube encontrará dezenas de vídeos com performances inteiras (embora eu já lhes avise que a coisa tem um ritmo um tanto lento e que pode ser enfadonho de ver pela tela.)
Eu optei por compartilhar algo mais animado, que mostra o quê da dança mas também do lado lúdico dos indonésios, com um flash sob (manifestação repentina de rua) de dança javanesa em Yogyakarta. Volto com vocês em seguida para visitar os templos e lugares históricos destes arredores do centro de Java.
Ihh que cidade interessante!… Bela cultura. Bem arborizada, com muito verde. Lindas paisagens. Locais aprazíveis, lindas construções, povo simpático, sorridente. Belas planícies e imponente vulcão.
Belíssimo esse hotel. Bela arquitetura, ótima arte javanesa, delicada, com lindos detalhes, de muito bom gosto, colorido leve e elegante. Lindo tanto no seu interior como no exterior e arredores.
Belissímas essas construções em estilo colonial e outros. Muito bonitas.
Movimentada essa avenida. Imensa e cheia de atrativos. Maravilha esse lojão com produtos típicos da região. Tem essa região central da cidade aparências e semelhanças com bairros e ruas com comercio popular do Brasil, particularmente no NE , Salvador, e também em em outras regiões como no SE, em São Paulo, capital.
Apreciei muito a dança e a comilança. Original essa comilança com jaca. Parece saborosa.
Curiosa e bela essa arte do Batik. Lembro de uma outra postagem com detalhes dela. Muito bonita.
Muito interessante a postagem e muito bonita a região. Magnifica a ilha de Java. Famosa.
Que notícia desagradável essa de que Jakarta está afundando. Que pena. Parece ser uma cidade pujante e desenvolvida. E com essa população toda. Que horror. E haja dinheiro e tempo para se construir outra. E que rapidez esse afundamento. Notre Dame, Coitado do povo e dos empreendimentos.
E que situação essa do senhor ter dormido sobre jornal e no chão do trem, e com gente passando por cima hahah …Jesus… Quell’hourreur!… ô coitado do viajante hahah ossos do ofício.
Pois é. Que não se repita hahaha ninguém merece hahah