Bali é a ilha mais visitada da Indonésia, ainda que haja tantas outras neste arquipélago-país.
Por que?
É que Bali é especial. Tem uma cultura própria e charme muito particulares. É a ilha onde sobrevive o milenar hinduísmo, apesar das tentativas de conversão vindas dos cristãos daqui e dos muçulmanos dali. (É hoje o único lugar historicamente hindu fora da Índia.)
Bali tornou-se uma menina dos olhos ocidental nos anos 70, com os surfistas que descobriram as suas praias e a sua vibe alternativa. Vínhamos da contracultura dos anos 60 com sua descoberta das religiões orientais e visões de mundo alternativas (à convencional do Ocidente).
Hoje, Bali está bastante diferente. Endureceu, ainda que sem perder a ternura.
Uma década após vir aqui pela primeira vez (relatado neste post), eu voltava à charmosa cidadezinha de Ubud, talvez o coração cultural e turístico de Bali.




Bali hoje — bem-vindos a Ubud
Quem disse que só as garotas de Ipanema merecem nota?
As balinesas são um doce. “De cor morena, boca pequena, e olhar trocista“, como cantou Amália Rodrigues em Ai, Mouraria. (Trocista é quem é dado a fazer troça, rir das coisas e dos outros, zombeteiro, como são os indonésios em geral.)
Eu respirava novamente aquele ar tropical algo fresco, refrescado pelo orvalho das muitas plantas, num leve ar montanhoso que faz Bali mais refrescante que o calor do Brasil.
É que estamos num lugar equatorial, porém de montanhas. Não são picos como os andinos, mas um relevo elevado e verde que recobre esta ilha que é do tamanho do nosso Distrito Federal.


Ah, a urbanização de Bali — é um inferno, para você aí que achou que eram os vulcões ativos ainda presentes nesta ilha.
Como muito da Indonésia, Bali tem uma pestilência chamada “congestionamento”, em muito devido à dependência de automóveis e falta de um transporte coletivo digno do nome.
Se você chegar pelo Aeroporto de Denpasar (o único da ilha) e quiser ir a Ubud, meros 37 Km lhe custarão para mais de 1h de tráfego. As rodovias e ruas têm partes estreitas — pois simplesmente há pouco espaço — onde se levam eras, com você a ouvir o motorista desembrulhar mais uma bala para chupar enquanto espera pacientemente para avançar mais cinco metros.
Foi assim quando cheguei. Luzes de motos e carros misturados na noite, chuvosa, enquanto que o motorista balinês silencioso — um rapaz quieto de seus 35 anos — só interrompia o som do pára-brisa do carro com a sua tosse recorrente de fumante. (Os homens indonésios fumam feito umas caiporas, embora não o fizesse dentro do veículo.)

Por sorte, esse pandemônio urbano de modernidade desorganizada é limitado às partes mais próximas do aeroporto — o mal-falado sul de Bali, super-explorado e de praias algo já batidas e sujas. A maioria dos que conhecem Bali lhe dirão que fuja para o mais longe que puder do aeroporto, seja para ver praias ou a vida balinesa mais autêntica.
Ubud já foi mais quieta, mas segue charmosa.
A coisa era mais pacata quando eu vim cá em 2011; suas ruas eram mais quietas, menos congestionadas de carros (e motos), e com menos gente. Hoje, a população de visitantes parece ter dobrado. (Na verdade, os números mostram que quase triplicou: foram 2.7 milhões de turistas em Bali em 2011 e 6.3 milhões em 2019, o último ano normal antes das restrições da pandemia. Esse crescimento é visível aos olhos.)
Não são só as pessoas e o movimento, mas a internacionalização de coisas também. Achei curioso ver uma loja de açaí — eminentemente amazônico — em plena Ubud. Ou loja chamada Ipanema. São mais de 300 mil estrangeiros vivendo em Bali, muitos deles com negócios.



Os charmes de Ubud
Ubud, como você já deve ter notado pelas fotos acima, mistura urbanidade de Terceiro Mundo — semelhantes às do Brasil — e charmes peculiares. Da urbanidade eu já falei o bastante; falemos dos charmes agora.
Embora haja toda esta modernização em curso aqui em Bali, há um quê de vida simples que não se perdeu.


Eu me alegro em perceber que, apesar de toda esta internacionalização e de certo turismo de massa aqui, Bali não se descaracterizou.
Pelo contrário, tem sabido usar o turismo a seu favor, como fonte de renda, valorização cultural, e para obter uma respeitabilidade geral dentro da Indonésia que seria mais difícil neste país de ampla maioria muçulmana. Bali é uma galinha dos ovos de ouro que só põe ovos se for mantida do jeito que é. Preservemos Bali, portanto.
Não faltam pousadas familiares repletas de jardins, flores, templos e gente simpática em Ubud. A religiosidade hindu-budista permeia por toda parte. Em todo lugar se vê uma imagem com oferendas de flores, frutas e doces, ou uma água a correr. Não é só para turista ver.




Se você está a se perguntar sobre esta religiosidade aqui de Bali, não se preocupe, eu tratarei mais dela nos posts seguintes visitando templos e outros lugares sagrados desta ilha.
Por ora, o que posso fazer é reiterar a observação — que fiz quando vi Bali pela primeira vez — de que ela parece a mim uma combinação de Índia e Havaí. Aquela coisa das flores, das praias e dos vulcões integrada à religiosidade de matriz hindu.
(Não é por acaso. Os balineses, como os indonésios em geral, são parentes dos polinésios, grupo que inclui os havaianos. É uma matriz cultural comum.)




Os austronésios, a quem se sentir perdido na fila do pão, são grupo étnico e linguístico que inclui os indonésios, filipinos, malaios, cambojanos, e polinésios vários (maoris, samoanos, taitianos, havaianos e outros).
Eles são relativamente parecidos, tanto física quanto culturalmente em algumas coisas, ainda que a História tenha lhes dado destinos bastante distintos aqui e ali. Seus idiomas também se assemelham.




O Templo de Saraswati e a arquitetura tradicional balinesa em Ubud
Você, que já está praticamente se sentindo à vontade e em casa em Ubud, não pode deixar de ver o Templo de Sarawasti — um dos muitos templos hindus balineses que há por aqui, talvez o mais belo deles.
Digo “hindu balinês” porque a matriz religiosa é hindu, mas a arquitetura balinesa é conspícua, tem traços próprios, da mesma forma que as catedrais góticas italianas são distintas das catedrais góticas do norte da Europa.
Em Bali, temos típicos tons de laranja e cinza dominando, construções bem verticais, bem adornadas e por vezes com característicos portais no meio.





Esses guardiães em Bali são chamados bedogol na língua balinesa, e costumam vir em pares. São figuras hindu-budistas também vistas na Tailândia e no Japão.
Aqui, eles são frequentemente postos à entrada — um à direita e outro à esquerda de uma porta ou lugar simbólico — e costumam ser simétricos. Essa simetria remete ao equilíbrio, e o seu propósito é precisamente equilibrar as energias, como a daqueles que adentram as portas de um templo. Hoje, há aqui quem os tenha também em casa.

Há templos por toda a cidade, e eles tendem a ser de acesso livre.
O mais belo deles, porém, é o Templo de Saraswati, deusa hindu das artes, da música, da sabedoria e do conhecimento. Ela é bastante reverenciada aqui em Bali, e se as pessoas nas fotos estão vestidas a caráter, em branco e amarelo (suas cores), é porque eu tive a fortuna de vir aqui bem nessa época.
Há um “Dia de Saraswati” como os católicos celebram o Dia de Santo Antônio, o São João, e afins. Só que, como o calendário tradicional balinês é lunar, o dia de Sarawasti ocorre a cada 210 dias, portanto pode se repetir num mesmo ano civil.
Há lotus cobrindo espelhos d’água dos dois lados de uma passagem fina onde todos tentavam uma selfie.




A Floresta dos Macacos (Monkey Forest)
Eis, finalmente, acho que o lugar mais popular entre os turistas em toda Ubud: a Floresta dos Macacos, com seus templos e macacos de verdade a circular.
Não engana que a rua principal da cidade se chame Monkey Forest Road. Ela realmente leva à supracitada floresta, uma espécie de bosque e parte onde você pode dar umas voltas.
Só se certifique de, antes, deixar guardada qualquer sacola plástica que tenha consigo. Sabe-se lá por que cargas d’água, os macacos têm uma fixação por estas sacolas e o assaltarão sem piedade. (Quase nos levaram um passaporte, embora não exatamente o meu.)





É um lugar agradável onde caminhar por uma hora ou duas. Só fique que de olho nos seus pertences, e não dê muita ousadia aos macacos. Há um guarda-volumes, mas saiba que há várias entradas.


O que se come em Bali?
Caso alguém tenha sentido falta das minhas típicas fotos de comida local, nada tema. Eu comi bem aqui.
Come-se bem em Bali se você gosta de comida asiática, tipo aqueles pratos de arroz acompanhado de algo no molho temperado — embora o paladar turístico tenha alterado a oferta em alguma medida. Já há bastante coisa ocidental também em oferta, feito pizza, Starbucks em plena Ubud, etc.
(Minha única queixa, e eu sei que é uma queixa muito pessoal, é que me irrita que eles diminuam consideravelmente a pimenta porque a maioria dos ocidentais não aguenta. Os indonésios em geral comem pratos bombados na pimenta, mas ainda que você peça pra eles mandarem “a coisa como ela é”, eles olham para a sua cara estrangeira e subestimam. Dá vontade de dizer: “Atocha a pimenta nessa zorra, minha tia! Bota pra lascar“, mas dificilmente adianta muito.)




A Dança do Transe e do Fogo
Por fim, vamos a um dos muitos espetáculos que se podem ver aqui em Ubud.
Não faltam encenações de passagens do clássico hindu Ramayana, semelhantes àqueles a que se pode assistir em Java. As danças cerimoniais javanesas que mencionei antes, em Yogyakarta, são bastante parecidas às danças balinesas que você pode ver aqui.
Cuidado: elas são danças curiosas, mas é um pouco como assistir a um teatro mudo, com os bailarinos a “explicar” a história com as cenas e seus movimentos, enquanto se entoa uma música algo repetitiva ao fundo. Assista, mas não vá com tanta sede ao pote: há quem ache enfadonho depois dos primeiros 20 minutos.
São muitos os lugares que oferecem. Eu, pessoalmente, acho as apresentações em templo mais interessantes que aquelas em casas de espetáculos.
A coisa mais improvisada, às vezes numa roda, me parece mais genuína, de raiz. Grosso modo, é a diferença entre um samba de roda na rua vs. assistir samba no teatro.


Ao final, havia a chamada dança kecak do transe e da dança (Kecak fire and trance dance), algo típico aqui de Bali, embora também presente em partes da vizinha Oceania: o ato do fulano que, numa espécie de transe, caminha sobre o fogo ou pedras quentes.
Eles, sabidamente, deixam essa rápida parte para o final. Um dos homens não somente caminharia, como dançaria sobre cascas de coco em brasa. Foi impressionante.

Como eles pediram para não filmar, eu não filmei. Na internet você encontra algumas dessas danças kecak em outros lugares, embora as que eu tenha visto não sejam tão intensas quanto a que presenciei. Aqui o tio realmente “sambou” sobre o fogo.
Depois, eles acendem as luzes e você pode se aproximar se quiser, e o dançarino acordado agradece gorjetas que você queira lhe dar.



A Indonésia tem dessas figuras, e Ubud, aqui em Bali, é dos melhores centros desta ilha onde ver tais espetáculos.
Inclusive, era aqui de Ubud o curandeiro Ketut Liyer, que ficou famoso por aparecer no livro (e depois no filme) Comer, Rezar e Amar. Há quem ainda o procure por aqui, mas ele faleceu em 2016.
Há outros do gênero aqui em Ubud, mas olho vivo, pois joio se mistura com o trigo. Como, dentre outros, esse senhor aí da foto abaixo alertou.

Não faltam estrangeiros fissurados em terapias alternativas vindo visitar ou até viver em Bali. Durante a pandemia, virou um certo problema que tantos deles — ao contrário dos próprios balineses e os expondo — sejam anti-vacina, rejeitem adotar medidas de proteção, e até preguem que o coronavírus é uma conspiração de Bill Gates para implantar um chip nas pessoas. O que já teve de estrangeiro aqui tomando multa não está no gibi.
Esta vinda foi antes da pandemia. Não deixe de se vacinar. Depois venha a Bali. Eu conto mais sobre outros lugares da ilha em seguida.
Nossa, meu jovem amigo, que fofura essa cidadezinha. Que riqueza de cultura, de religiosidade, de cores, de flores, de verde, de gente simpática, de ruelinhas gostosas, ajardinadas, floridas, de recantos encantadores, de belíssimos portais de requintados monumentos, de fantásticas e ricas portas que parece que se abrem para um céu diáfano. Magnifico mundo oriental, cheio de deidades, guardiões, histórias, lendas, todas vivas nas mentes e nos corações desse povo sem igual.
Belíssimo legado, linda região, mais uma joia do Oriente. Magníficat.