Bali é a ilha mais visitada da Indonésia, e não é sem razão. Seu charme singular — sendo a única ilha hindu num arquipélago predominantemente muçulmano — atrai turistas em grande número.
O charme das suas cidadezinhas (como mostrei em Ubud) e o exotismo dos seus templos e festivais religiosos, como mostrei no post anterior, fazem desta ilha um lugar especial.
Hora de tomar um tour pelo seu interior. São muitos os templos pitorescos, paisagens e montanhas sagradas nesta ilha de 100×150 Km, uma pequena notável no mundo.
Vamos ver um pouco mais de “o que é que a Bali tem”.



A Caverna do Elefante & a Velha Corte de Justiça
Lá estou eu de sarongue de novo, naquele saião budista obrigatório para se entrar nos templos aqui em Bali. Chegaremos aos grandes templos novamente, mas sigamos por partes neste tour.
O primeiro lugar onde paramos foi a vetusta Caverna do Elefante (Goa Gajah), ainda nas proximidades de Ubud, uma cripta milenar dedicada ao Senhor Ganesha — aquela deidade hindu com cabeça de elefante. Ele é considerado o removedor de obstáculos.

Ganesha não é, em si, um elefante. Na mitologia hindu, ele é filho de Shiva e sua esposa Parvati. É um garoto que perde a cabeça numa disputa com seu pai (Shiva), e este a substitui por uma cabeça de elefante.
Há elefantes também na Indonésia, e não é difícil perceber como os antigos se encantaram de respeito por essas magníficas criaturas, misturando-as na sua mitologia. É semelhante ao zoomorfismo encontrado também no Antigo Egito.
Goa Gajah é um santuário que existe desde o século IX — uma simples caverna com a entrada decorada. Foi redescoberta já no século XX depois de cair em desuso. Há quem diga que seu nome, Caverna do Elefante, se refere ao próprio Ganesha (o mais provável); outros que é porque os aldeões da região viam a figura de um elefante na entrada.





Daqui seguimos à Antiga Corte de Justiça de Bali, dos velhos tempos de sua monarquia. O dia clareava um pouco, dando ares de que faria sol. A manhã aos poucos esquentava.
Ao chegarmos, o nosso quieto motorista balinês de seus 35 anos já buscava avidamente o cigarro, que ele curtia ali parado sob o sol com os seus óculos escuros. Com a outra mão, buscava o celular. Não era um guia, então se limitava a ficar esperando.
Eu então segui para ver, ali adiante, o pavilhão em arquitetura tradicional balinesa rodeado por água e flores de lótus. Os tijolinhos e imagens estavam cobertas de limo — um efeito inevitável das chuvas frequentes destes trópicos —, mas as flores novas davam um tom refrescante ao ambiente.




Esta obra data dos idos de 1700, quando os holandeses já governavam a maior parte da Indonésia.
Lembram que anteriormente eu falei da poderosa Dinastia Gelgel, que governou toda Bali nos idos de 1500? Ela um dia acabou e deu lugar a nove reinos menores na ilha.
Quem tentou herdar (sem sucesso) o poderio prestigioso dos Gelgel foi um dos seus descendentes aqui nesta área chamada Klungkung, em 1686, onde viriam a construir este palácio com corte de justiça.
O palácio em si foi devastado pelos holandeses, que às alturas de 1905-1908 ainda estavam atacando Bali para consolidar o domínio sobre estas ilhas do que viria a ser chamado de “Indonésia”.
Sobra-nos hoje a Corte de Justiça, restaurada, onde brahmins (a mais alta casta hindu, dos homens de saber, juízes-sacerdotes) faziam seu tribunal. No teto decorado dentro do pavilhão, os réus podiam ver cenas do pós-vida de sofrência dos criminosos no outro mundo.

No interior do pavilhão aberto, um senhor sentado reproduzia no papel os intrincados desenhos do teto.


Você olha para o teto e fica percorrendo com a vista os detalhes.



Café com paisagens de Bali
Saídos daquele festival, tomamos estrada rumo ao norte da ilha de Bali. O caminho nos reservaria lindas vistas — além de uma breve parada numa chácara de especiarias onde se recebem os turistas para mostrar o que Bali produz.

O curioso é que o nosso acerto incluía uma pausa no fim da manhã para tomar um café em algum lugar, possivelmente numa das tais chácaras de especiarias se ali houvesse. (A parada para o café me é fundamental.)
Não está de todo errada a associação que fazem entre as drogas e a violência. Eu, dependente químico, quase desci a mão no motorista quando casualmente lhe perguntei no carro “E o lugar do café?“, e ele me responde “Eu acho que passou” com a cara mais lavada do mundo.
Aqui no Sudeste Asiático é assim; eles são pacíficos, em geral gentis, sem discussão, mas enrolam sem o menor pudor. Esse “sem discussão” significa que lhes falta transparência — às vezes alteram o programa na cabeça deles e não lhe dizem nada, para evitar o risco de você não gostar e gerar alguma discussão.
Fiz ele voltar. Umas estradinhas de chão ali por perto reservavam várias dessas chácaras que plantam especiarias para turista visitar. Ali eu tomaria uns cafés bastante curiosos e assim toda a violência foi evitada.

Na chácara, dariam-nos a degustar vários cafés temperados com esta ou aquela especiaria — desde café com leite de coco a café com leite e batata-doce.
Detivemos-nos, afinal, numa dessas várias chácaras turísticas com plantios. Não é o tipo de coisa que vai impressionar demais quem vem do Brasil; é o típico programa feito para gringo que bebeu café a vida inteira sem jamais ter visto a planta, mas pode ser interessante. Você não precisa ficar tempo demais se não quiser. Meu objetivo era basicamente tomar um.
Acabou saindo melhor que a encomenda. Na chácara, dariam-nos a degustar vários cafés temperados com esta ou aquela especiaria — desde café com leite de coco a café com leite e batata-doce (!), além de chás locais. Tudo, é claro, estava à venda para quem quisesse comprar. Era a lógica.


Foi daqui que fomos ao Templo Besakih, onde presenciamos a romaria e as oferendas hindus do Festival de Saraswati — o que mostrei em detalhes no post anterior.
Dali nós seguiríamos ilha adentro, rumo ao elevado Monte Batur (1.717m), um vulcão ativo no norte da ilha. À sua base, o maior lago de Bali, que você viu na foto de abertura e talvez tenha pensado se tratar do mar.



Rumo a Tirta Empul, o Templo da Fonte Sagrada
O Templo da Fonte Sagrada (Tirta Empul) é um que eu recomendo não deixar de visitar aqui em Bali, junto com o Besakih. Foi dos que mais me impressionaram.
Antes de chegar lá, havia apenas um almoço no meio do caminho — ou pelo menos deveria haver.
O motorista, cujo silêncio só era interrompido por sua mal-contida tosse recorrente de fumante, parecia no escuro quanto a onde iríamos almoçar. Eu lhe disse que parasse em qualquer bodega de beira de pista, o que ele dali a um tempo afinal fez. Fiquei com a impressão de que, pelo gosto dele, ou talvez habituado aos turistas anglófonos que passam o dia só comendo biscoito e sanduíche no banco de trás, teríamos passado o dia sem almoço.

O ambiente era o de um destes típicos “restaurantes” da zona rural, com a mulher na cozinha e o homem a servir, com as garrafas de refrigerante ali expostas (como decoração) sem geladeira, e uma televisão desligada.

Puxamos daquelas cadeiras plásticas, nos preparamos para o PF (prato feito) que viria por sobre aquela familiar toalha plástica transparente sobre o balcão.
A comida? Arroz, por supuesto, acompanhado de tempeh (um primo do tofu, só que mais firme) com saborosas raspas de coco queimado, e uma salada com molho picante.
Virei-me a tempo de ver o tio pôr com a mão a salada no meu prato, tirando-a de um vasilhame dentro de uma daquelas vitrines de pipoqueiro de rua.
Você dá aquela risadinha para si mesmo e adota a filosofia do “Tá no inferno, abraça o capeta“. Sem juízo de valor. Aliás, com juízo positivo de valor, pois embora não fosse assim um buffet, a comida estava saborosa e com a pimenta na medida não-turística que me agrada. Estava óbvio que turistas não paravam para comer aqui — até pelo preço: 1 dólar pelo almoço em plena Bali.


Alimentados, dali a um tempo estaríamos no Templo da Fonte Sagrada — ou melhor, das fontes sagradas, no plural.
Como sempre aqui em Bali, são espaços sagrados bem mais abertos que fechados, com pavilhões ao ar livre — e, neste caso, fontes de água a jorrar, onde você pode entrar para se banhar se quiser. Não faltavam turistas molhados.



Eu já estava até pegando o jeito e sentindo-me à vontade de sarongue.
Notam-se ali os típicos portais, assim como os pavilhões de vários tamanhos com o telhado balinês de piaçava. Aqui, porém, o mais especial são mesmo as fontes d’água onde é possível entrar para se banhar.
Este templo data do ano 962, então não estamos falando de uma fonte qualquer. Há mais de um milênio, este tem sido um lugar para os banhos rituais hindus, seja de algum festival ou simplesmente para limpar-se.
Ainda que você não queira se molhar, o lugar é encantador.



As pessoas entravam, banhavam-se, e circulavam molhadas por ali. Via-se a cara de alegria especialmente dos turistas, como que a realizar algo especial. Adentravam, punham-se em fila até chegar a hora de estar à fonte, e depois retornavam.
Hoje em dia há questionamentos (e avaliações) sobre a qualidade da água, dada a deterioração ambiental mundo afora e os riscos de contaminação. Não sei como anda a daqui.
Eu não estava com espírito de banho sagrado hoje, então me contentei em circular pelos encantadores pátios e pavilhões deste templo.






Dá para passar mais de 1h ali circulando, ainda que você não entre na água.
Era fim de tarde, destas tardes tropicais que vão amainando, e nós aos poucos concluindo o passeio. À saída deste complexo, um interessante camelódromo de barracas e souvenires à venda.

Encerrando o dia e o passeio
Nós tínhamos apenas mais uma parada, os Teggalaland rice fields, para ver os arquetípicos terraços escalonados de plantio de arroz, comuns aqui em Bali e por muito da Ásia tropical.
A lógica é que a água vai irrigando o arroz e descendo naturalmente para irrigar os “degraus” inferiores. É um sistema que se encaixa bem nestes relevos de elevações.
Normalmente, você vê desses terraços de arroz pelo interior de Bali ou da Ásia afora, mas aqui em Teggalaland você pode visitar (custa 10.000 rúpias, cerca de um dólar) para subir e descer por lá. Acaba sendo mais uma atração turística, com muitas lojas pela rua.


Eu, que há muitos anos atrás havia vindo a Bali e feito um tour destes (incluso a visitar o Tanah Lot, o templo à beira-mar), havia ficado a me perguntar se hoje veria os mesmos exatos lugares.
Acabaram sendo templos diferentes, o que foi bom. Ficou claro que há lugares demais para vermos todos eles num único dia. Ou seja: se você tiver tempo e quiser ver mais, vale a pena fazer dois tours de dia inteiro pelo interior de Bali, pois os lugares são muitos e não é possível ir a todos eles num só dia.
Organizar estes tours pelo interior de Bali é a coisa mais fácil do mundo. Qualquer acomodação em Ubud ou outras partes da ilha fazem isso de um dia para o outro, com motorista que vai lhe levando aqui e ali. A sua escolha é basicamente decidir aonde quer ir. Eles sempre mostram um livrinho de fotos com as várias opções.
Sai super barato, tipo USD 25 pelo carro o dia inteiro. A notar que o motorista não é um guia, então ele fica basicamente esperando enquanto você visita isso e aquilo.
Faço apenas dois pequenos alertas culturais:
- Como é de costume no Sudeste Asiático nestes casos de passeio particular, a acomodação ou agência dirá sempre que o almoço do motorista é pela conta dele próprio, mas na prática ele esperará que você pague o dele. Eles aqui na Indonésia têm uma cultura muito senhorial, na qual o obedecem e atendem quase como servos, mas esperam Vossa Magnanimidade lhes estendendo tais generosas ofertas. Um negócio meio Brasil Colônia, com uma pegada de Casa Grande & Senzala.
- Fique de olho (e seja firme) quanto à hora de parar para almoçar ou tomar um café, pois eles aqui enrolam para o lado disso. Você pode facilmente se ver às 2h da tarde sem ter almoçado ainda, e com o motorista a dizer no maior sossego: “Tem um lugar daqui a pouco, a gente pode ver se para“, e ainda levar uma era pra chegar. Não ache que sacralidade brasileira com a dignidade de almoçar ou a parada para o cafezinho é compartilhada pelo mundo inteiro.
Por ora, eu me despediria de Bali e da Indonésia. Era hora de singrar outros mares.