Eu me considero uma pessoa deveras versátil, cosmopolita, de adaptação fácil a várias realidades. São virtudes que quem viaja necessita cultivar.
Claro, há limites para tudo, e nem tudo você precisa aprovar. Eu, por exemplo, nunca me habituarei ao autoritarismo de certas culturas, nem curtirei o individualismo exacerbado de outras. São coisas que a gente meio que já imagina que vai encontrar. Crítica sociocultural eu faço quase em todos os posts, mas não é sobre isso que verso aqui hoje.
Refiro-me hoje aqui a hábitos que supomos serem iguais em todo o mundo, só que não. A maioria são choques culturais que me pegaram desprevenido; algumas delas, coisas com que ainda reluto, e com as quais receio que nunca me acostumarei.
Há uma diversidade de coisas. Algumas delas vocês reconhecerão, já outras, provavelmente não. Mas todas me deram aquela sensação de “Oi?! Como assim??“. Algumas você pode achar um pouco bizarras, e outras nem saber que existem ou são corriqueiras em outras partes do mundo.
Vamos lá.

1. Assento sanitário e papel higiênico não são a norma por toda parte
Sim. Você leu corretamente. Você aí que, como um dia também eu, julga que no mundo inteiro se utiliza papel higiênico, enganou-se. Se também cai no conto da expressão popular de “mais velho que cagar sentado“, saiba que fazê-lo nessa posição é relativa inovação — longe de ser compartilhada no mundo inteiro.
Lembra aquele frenesi de compra de papel higiênico no início da pandemia? Acho que fazia centenas de milhões de pessoas mundo afora rirem da dependência ocidental de ter rolos e rolos de papel branco no banheiro. Grande parte — se não a maioria — do mundo utiliza água e se limpa com a mão (esquerda) após usar o sanitário.
Já encontrei brasileiros de minha idade que cresceram usando bidê. Para mim é uma peça que mais evoca o século XIX que o XXI, mas bidês, chuveirinhos, ou o simples balde plástico onde fazer um splash seguem sendo a ordem do dia em muito do mundo muçulmano, na Índia, grande parte da Ásia e da África — assim como em alguns bolsões na Europa, embora esta hoje viva à base de papel.
Só para constar, o papel higiênico foi inventado na China no século VI, mas foi pelo Ocidente rico que ele se disseminou mais, sobretudo entre as classes abastadas dos idos de 1880 para cá. Daí é que se tornaria popular e viraria hoje item indispensável em muitos lares, mas está longe de ser onipresente mundo afora. Eu passei a viajar com um sempre por perto.
Já sobre a posição…

Assento sanitário é outra inovação que a gente julga ser o “normal” por toda parte, só que não.
Notem que eu sequer usei a palavra “vaso”, pois sei que mais tradicionalmente — e ainda em certos lugares no interior — se usam assentos de madeira. A questão é se há onde sentar ou a expectativa de que você fique em pé ou de cócoras.
Os especialistas amam dizer que, fisiologicamente, o mais correto seria fazê-lo de cócoras, e certamente sabem do que estão falando. Mas confesso minhas limitações para mudar de hábito.
Quando morei na Indonésia, vivi mais de um mês com o banheiro abaixo. C’est la vie, a gente tolera, mas não vou lhe dizer que me adaptei.

Para encerrar esta parte escatológica do post, digo-lhes que tampouco se usa chuveiro ou banheira. Os banhos ali em muito da Ásia é na base do balde com a cuia. Nesse banheiro indonésio que tive, havia um tanquinho para encher de água.
É o normal e o padrão para centenas de milhões de pessoas, ainda que não para mim.

2. Almoço doce
Poucas vezes tomei um touché cultural tão bem tomado — e me embaracei tanto em choques inesperados — quanto quando, em algumas ocasiões, convidado às casas de amigos ou familiares de amigos, fui surpreendido ao saber que o almoço seria algo doce.
Sim, em certas culturas por aí mundo afora, é concebível que o almoço seja açucarado em vez de algo salgado. E não estou falando dos mui conhecidos “almoços” fast food da América do Norte, que podem ser qualquer coisa, mas de almoços no prato — só que doces.
A quem aí já estiver empolgado, sentindo-se reafirmado na sua ocidentalidade, a pensar que se trata de algo oriental ou de alguma cultura “exótica” das ilhas do Pacífico, saiba se tratar de algo da Europa Central (Alemanha, Áustria, Hungria, Tchéquia…). Sim, algo que nos é exótico nessa cultura.
Ali, o almoço com convidados às vezes acontece de ser bolo frito com açúcar por cima (como o austríaco kaiserschmarrn na foto), ou panquecas com geleia, ou ainda bolinhos de massa com compotas de frutas e creme. Adoraria para a sobremesa, mas como almoço?

Acho que a primeira vez que vi isso foi quando uma amiga tcheca, na Tchéquia, me chamou para almoçar na casa da avó dela. O almoço eram bolinhos fervidos com fruta dentro, açúcar fino e manteiga derretida por cima.
“Gostou?“, perguntou-me a avó, que havia se refugiado nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial e portanto falava inglês. Receio que a minha cara respondeu antes da minha língua.
Eu depois esbarraria nesse mesmo costume na Alemanha, com panquecas de morango para o almoço. Ou com uma amiga húngara que às vezes me chama para almoçar e eu já suplico: “por favor, que não seja doce”. Ela me olha com aquela cara de como se eu tivesse dito que não como arroz. Ah, os hábitos…!
3. A vírgula fora do lugar
Este é um hábito cultural bobo, do qual eu nunca havia me dado conta, mas que noto aqui porque foi algo com que me deparei e para o que ninguém havia me preparado.
Que número é este: 10,00,000?
Ficou atrapalhado? Não soube ler 1 milhão? É que boa parte da humanidade escreve assim — não com as nossas vírgulas a cada três algarismos. E isso não seria chamado de um milhão, mas de dez lakhs.
É algo característico da Índia, que me deixou chocado como algo tão simples — para o qual ninguém havia me preparado — foi capaz de me confundir tanto. Talvez meus amigos mais hábeis em matemática saibam levar numa boa que os indianos usem as unidades de lakh e crore em vez de milhares e milhões.
Cem mil equivalem a 1 lakh (1,00,000), e dez lakhs equivalem a 1 crore (1,00,00,000). Eles usam isso cotidianamente na conversa, em pleno inglês, e você fica ali tentando entender.
Ah, a diferença que fazem os meros pontos e vírgulas!
Eu próprio, confesso, não imaginei que dependesse tanto delas.
De quebra, os indianos também às vezes dizem “1 quilo” para se referir a quilômetro e não a quilograma. “Fica a mais ou menos um quilo daqui“, já me disseram nas ruas de Délhi, e eu ali tentando entender, como quando a gente está conversando com doido.
Não era loucura, são os pequenos choques culturais do tipo que não te contam.
4. Passar dias sem tomar banho
“Mairon, é verdade que os franceses não tomam banho?” Já me perguntaram assim literalmente. Este é um choque cultural até bem comentado — e não limitado à França. O que me surpreendeu exatamente aqui foi a difusão da coisa.
Não é como se povo X ou Y fossem sujismundos. Nós, os brasileiros (e em certa medida nossos vizinhos latino-americanos), é que somos a exceção. A maioria do mundo toma bem menos banho.
Primeiro que ainda é muito comum mundo afora aquele banho de banheira em que você fica imerso na água suja em vez de deixá-la correr. Segundo, tomam menos banho mesmo. Há estatísticas sobre isso, e você nota como somos o ponto fora da curva. Quel horreur!

Somos dos povos mais higiênicos que há. A despeito da pobreza e do que possa ser dito sobre o Brasil, a grande maioria temos por hábito cultural tomar banho todos os dias, há pias com sabão em praças de alimentação e outros lugares públicos, se ensina às crianças lavar as mãos antes de comer, etc.
Eu me choco quando às vezes, em viagens juntos, amigos estrangeiros fazem a cara de estranhamento e me perguntam: “Você vai tomar banho de novo? Não já tomou de manhã?“, isso depois de passar o dia na rua.

“Ah, é pelo clima tropical. Nos outros lugares eles tomam pouco banho porque faz frio.”
Sim e não. O buraco é mais embaixo. Primeiro, nem todo o restante do mundo é frio. Sugiro você dar uma voltinha em aeroportos da África — onde gente grã-fina, os endinheirados do continente, estarão desfilando suas vestes e por vezes seus odores — ou na Índia, ou no Oriente Médio.
Segundo, não faz frio o ano inteiro em lugar nenhum fora da Antártida. O clima pode até ter ajudado a moldar certas culturas, mas os hábitos ganharam existência própria. Você circular por certos lugares fechados da Europa no verão — não apenas na França — é às vezes certeza de que cruzará com alguém emanando CC, caatinga, cheiro de sebo.
E isso é pensando nos espaços públicos. Já teve a sensação de cheirar o cangote de alguém e se dar conta de que a pessoa não tomou banho? É um baixa-tesão poderoso.
Claro que não é todo mundo: há pessoas limpas e de bons hábitos em todas as culturas, mas isso é menos comum em certos lugares que em outros. Na Europa, eu diria até que — hoje em dia — a maioria se banha bem mais que as gerações anteriores, mas volta e meia você encontra o que não quer.

5. Onde cumprimentar os outros é falta de educação
Este é um daqueles choques culturais que dão um nó na minha cabeça, e eu uso de toda a empatia cognitiva que consigo conjurar para entender.
Nos países nórdicos, há muitas situações em que cumprimentar a outra pessoa é deseducado. O educado é fingir que não viu, passar para o outro lado da rua, olhar para o passarinho no céu… tudo para não “incomodá-la”.
São notórios — e objetos frequente de meme — na Suécia e países vizinhos o costume de evitar sair do apartamento ou tomar o elevador quando há alguém conhecido por ali, ou o de fazer que não viu fulano na rua, etc. Já vivi situações cômicas em que o vizinho literalmente corre como se, de repente, tivesse se lembrado de um compromisso.
Dirigir-se à pessoa ou — por Deus! — puxar conversa é considerado falta de educação. A norma cultural diz que se deve deixar as outras pessoas em paz, sem importuná-las com a sua presença.
Chega a ser engraçado quando há crianças, que prontamente me reconhecem na vizinhança onde moro em Estocolmo, enquanto os pais ficam desajeitadíssimos tentando puxar a criança pro lado como quem diz “não incomode ele.”

Eu sei, alguém aí já deve estar pensando: “Mas também ninguém gosta de vizinho chato, né?”. É claro. Eu tampouco curto muito aquelas pessoas conversadeiras que, no Brasil, às vezes pegam você na clínica ou dentro do ônibus. Nem 8 nem 80.
Essa de o cumprimento ser rude me surpreendeu. É claro, não é em todas as circunstâncias, mas usual entre pessoas que não sejam próximas. Uma amiga sueca certa vez me explicou que, se alguém estranho fala com você, é porque vai pedir alguma coisa — então evite.
Viajar é inevitavelmente se deparar com estes contrastes. Isso inclui aqueles choques culturais que já imaginávamos, mas que às vezes se revelam não serem bem daquele jeito, e os choques culturais de que nem fazíamos ideia.
É claro, apesar do nome que usamos, nem todos os choques culturais são negativos. Não vou ser bairrista. Há coisas maravilhosas que descobrimos por aí mundo afora, seja a disciplina de certos hábitos, as cortesias comuns entre este ou aquele povo, ou costumes legais que encontramos e que adotaríamos de bom grado. Uma hora faço um post só sobre isso.
É que, apesar da plasticidade que possamos ter, há limites — e cada um terá os seus. Eu, onde estiver, quero banhos diários e almoços salgados.
E você, que choques culturais já teve por aí?
Hahahaha … Notre Dame !…hahah Quell’hourreur.. haha… Divertido e terrivel . Acho que não me acostumaria também. Todas as situações horríveis, principalmente a do banheiro sem vaso, sem chuveiro , a falta de banho, com o cheiro de pituim e a do almoço doce. Jesus. Uma calamidade hahahah. Tô fora hahah.
E que doideira esse hábito com as vírgulas em locais diferentes. Arremaria.. Ficaria mais tonta que cego em tiroteio hahah.
O banheiro sem papel higiênico, sem porta, sem vaso, sem descarga, sem chuveiro, é inconcebível hahah
Almoço doce e café titica de manha, tô fora hahaha. Gosto de café nordestino ou asiático , com sustança, como diz o povo daqui. Uuaauu. E almoço com cara e sabor de almoço e não de sobremesa. Comigo, não hahaha
No que se refere à falta ou rarefação do uso diário dos banhos, achei tenebroso o mau hábito, até porque irrita os olfatos dos demais. Dá tontura hahah
Sua amiga, como professora, ja teve dessas desagradáveis experiências, inclusive ensinando em locais frequentados por pessoas/crianças/jovens de posses. Um horror!… O pituim de manhã , em alguns ,era de matar o guarda hahah. Ainda bem que eram poucos.
Mas de uma forma geral, como o senhor constatou, os banhos por aqui pelo Brasil, sobretudo nas regiões mais tropicais, como N-NE, acontecem várias vezes ao dia, a depender da Estação. Herança dos tão perseguidos e desvalorizados silvícolas, segundo alguns estudiosos.
Quanto aos nórdicos caramujos dentro da concha, ainda é compreensível, embora desagradável, desconfortável para quem, como nós latinos, parlare, parlare, parlare
é essencial hahaha.
Adorei a postagem. Dei boas risadas, mas não gostaria de estar em algumas dessas situações.