Bem-vindos a Bratislava, a capital da Eslováquia — uma cidade que é capital por acaso, e aonde eu vim parar pela primeira vez também por acidente.
Não me entendam mal: Bratislava tem as suas belezas e atrativos. Mas é preciso compreender que, ao contrário das outras capitais na Europa Central, como Viena, Praga ou Budapeste, esta não é bem uma metrópole. Cidade um tanto esquartejada entre vários povos, ela sequer se chamava “Bratislava” até muito recentemente.
Vamos conhecer aquela que muito provavelmente é a menos turística de todas as capitais da Europa Central. Quiçá das menos turísticas de toda a Europa.

A Eslováquia em poucas palavras
Se você reparar bem no mapa, verá que Bratislava fica a um tapa de Viena, na vizinha Áustria. São meros 50 minutos de trem. Acho que não há, na Europa, duas capitais tão próximas quanto estas.
Proximidade que contudo esconde realidades muito diferentes.
A Eslováquia sofre um pouco de desconhecimento geral, um tanto como o restante do chamado Leste Europeu.
Lembro-me de quando eu havia estado na Eslovênia (outro país!) e mencionei isso a uns brasileiros — até estudados. “Eslovênia…”, repetiu a moça com ares de terra incognita como se eu houvesse dito que fui a uma lua de Júpiter.
A Eslováquia fala eslovaco, uma língua muitíssimo semelhante ao tcheco. Ambos são línguas eslavas assemelhadas também ao polonês e, em certa menor medida, ao russo, sérvio-croata e outras línguas eslavas. São um tanto parecidas como com as línguas latinas entre si.

São 5,5 milhões de cidadãos no país, mas nem todos eles são eslovacos (aí é que dou um nó na cabeça dos brasileiros). Cerca de 10% da população são húngaros, o que significa que falam húngaro em casa, têm nomes húngaro, sangue húngaro e se consideram húngaros apesar de terem documentos e certidões da Eslováquia. Moram aqui, é sua terra natal, porque até as Guerras Mundiais muito deste território pertencia à vizinha Hungria.
Bratislava foi por muito tempo, inclusive, a capital do Reino da Hungria. Os húngaros até hoje a chamam de Pozsony [zs em húngaro tem som de J como em Juliana]. Já os alemães e austríacos a chamam Pressburg.
Os eslovacos eram mera minoria étnica neste miolo da Europa. Estiveram, no entanto, no lado vencedor das Guerras Mundiais e conseguiram mais território num estado nacional seu.
“Bratislava”, eles optaram por chamá-la, resgatando termos medievais, desejando adotar um nome que fizesse a cidade soar eslava. Conseguiram.

Como eu acabei em Bratislava
Era um longínquo verão quando eu me encontrava em Viena, a vizinha capital austríaca. Lembro-me do albergue, e de como os austríacos funcionários — animados e com seus sotaques germânicos — comentavam que volta e meia gostavam de ir “do nada” para Bratislava, só porque era perto.
“Não dá pra entender nada“, comentou naquele espírito de zoeira non-sense o que estava à recepção.
“Às vezes, a gente vai lá e compra alguma coisa aleatória no supermercado. Em casa descobre o que é, já que não dá pra entender o rótulo. Uma vez comprei um negócio e era molho de tomate com sei lá o que“, completou ele rindo e achando aquilo divertidíssimo.
Eu sorri, sem me dar conta de que dentro em breve, antes do previsto, eu tomaria rumo para lá.
Retornei à recepção mais tarde para estender minha estadia em Viena. Novato que eu era, deixei para em cima da hora — desprevenido e sujeito àquelas delícias do acaso que fazem da vida mais juvenil uma aventura.
“Já está lotado“, disse-me com tranquilidade segura o colega do funcionário anterior. “Eu posso tentar ligar pra outros albergues e ver se alguém tem vaga.”
Eu viajava sozinho, no meu primeiro mochilão pela Europa. De repente, a possibilidade de ficar sem ter onde dormir me deu um certo frisson.

— “Lamento. Viena inteira está lotada.“, ainda me lembro das palavras do rapaz.
— “E aí? O que que eu faço?“, perguntei com sinceridade.
— “Você pode ir pra Bratislava“, conjecturou um outro que estava também ali à recepção. Os demais fizeram um silêncio de concordância.
Em poucas horas, estaria eu de mochila e cuia numa estação periférica de Viena a esperar meu transporte. Um albergue em Bratislava estava à minha espera.
Bratislava à primeira vista
Nunca imaginei que uma distância tão curta pudesse reservar tamanhos contrastes. Este aqui só foi comparável à primeiríssima vez em que cruzei ao Leste Europeu para passar um Ano Novo na Tchéquia alguns anos antes, e os carros enferrujados em frente a casas simples e velhas na beira da ferrovia me chamaram a atenção.
Em tempo eu descobriria as atrações e atrativos desta Europa pós-comunista (eu passaria até a preferi-la em certos aspectos), mas os contrastes socioeconômicos saltam aos olhos assim numa distância tão curta. Parecia que eu havia deixado a Europa em Viena e, no espaço de 50 minutos, viajado até a América Latina.

A Zona Schengen de livre movimento na Europa já se celebrava, portanto não havia mais controle de fronteiras entre a Áustria e a Eslováquia. Tampouco conheci a antiga moeda (a coroa eslovaca), pois ela já havia sido substituída pelo euro.
Dentre as minhas primeiras impressões positivas estavam os preços: por 0.50 euro comprei um sorvete na rua.
Por outro lado, ao desembarcar eu achei que havia chegado de repente à minha cidade natal de Feira de Santana.


Lembrava o Brasil, mas não era. Dentre outros aspectos, o nível de insegurança não se compara. Embora as ruas de Bratislava me tivessem um aspecto familiar, não são as brasileiras.
Eu segui em frente, ainda que de olhos abertos, até chegar ao centro mais antigo da cidade — a sua parte bela, onde ainda predominam os calçadões de outras eras margeados pelo casario barroco em vez dos prédios comunistas cinzentos.



Pelo centro de Bratislava
Bratislava é uma cidade pequena. Ainda hoje, são apenas 550 mil habitantes nesta capital — meros 10% da população do país.
As pessoas foram compelidas a migrar para cá apenas recentemente, quando ela se tornou centro político e econômico do novo país. Quase todo mundo tem raízes fora. Muitos germânicos e húngaros foram embora, e deram lugar a eslovacos do interior — que portanto esvaziam a cidade nas férias, quando vão visitar os avós. Foi o que me contaram uns eslovacos aqui.
O centro desta cidade é uma mistura do que havia antes e do que passou a haver depois de 1945.
Muito também foi adaptado ou convertido, onde a História é escondida dos seus olhos a menos que você a conheça.



O monumento mais mimoso deste centro todo provavelmente é a Igreja Azul de Santa Elizabeth — da Hungria.
Santa Elizabeth (1207-1231), hoje venerada pela Igreja Católica, foi uma contemporânea de São Francisco. Era uma princesa húngara, nascida aqui na então Poznony do Reino da Hungria, que se casou aos 14, ficou viúva aos 20 anos, e após pôs todo o dinheiro num hospital em que se dedicou ao cuidado aos carentes.
Sua igreja foi construída em estilo Art Nouveau húngaro — chamado secessionista húngaro, por buscar romper com as convenções artísticas ditadas pela Academia de Artes de Viena. Ela data de 1908-1913, e é católica.



Ah, o outono! O outono em Bratislava é uma vibe outra, completamente distinta daquilo que é no verão.
Se no verão você aqui pela Europa Central respira o calor dos rios e frescor das matas, no outono as matas ficam frias, derrubam suas folhas, e você começa a querer buscar os ambientes internos — exceto quando o Natal se aproxima, quando você aí sai para tomar vinho quente e perambular pelas feirinhas da época.






Voltando ao verão, e vendo mais de Bratislava
Bratislava, claro, é mais que o seu centrinho histórico. Ela cresceu de 1950 para cá — ainda que nem sempre de forma muito apreciada pelos olhos.
O Rio Danúbio passa bem aqui, eu não falei ainda, mas à margem da cidade — não no meio como em Budapeste. Claro que a cidade aí cresceu e passou a ter bairros dos dois lados.
Uma ponte o leva ao lado aonde você provavelmente nunca irá, pois não há o que fazer lá, mas você não deixará de notar a curiosa estrutura de observação que os eslovacos hoje em dia brincam chamado de UFO ou OVNI.



Ok, parei. Chega de prédios de época da Guerra Fria, antes que eu perca leitores.
Algo inspirado por aqueles costumes soviéticos, porém, e que hoje divertem o centro de Bratislava são suas várias esculturas de bronze. Elas datam de a partir dos anos 1990 com a mudança de regime. São um toque humorístico no que era — e em alguns lugares de influência soviética ainda é — uma tradição dos governos em espaços públicos. (Skopje na Macedônia do Norte, e as várias cidades da Rússia, são plenas de estátuas de bronze.)



Castelos — dentro e fora da cidade
Você talvez se lembre de que, na foto de abertura, havia um castelo quase encantado.
Aquele é o hoje chamado de Castelo de Bratislava, um ícone da cidade, e que ninguém ficará surpreso de saber que recebia outros nomes antes.
Aquela originalmente é uma fortificação antiquíssima, de antes mesmo do tempo dos romanos. Colina diante do caudaloso Rio Danúbio, sempre foi posto importante de onde vigiar — e controlar — o tráfego no rio.
Os romanos antigos, a quem não sabe, tinham o Rio Danúbio como um dos limites do seu território. Mais a norte e a leste viviam os “bárbaros”.
É claro que muita coisa mudou de lá para cá, inclusa a aparência do castelo.

Um desses povos “bárbaros” que ocupariam esta região no declínio do Império Romano do Ocidente foram os eslavos — dentre eles, os ancestrais dos eslovacos de hoje.
Formou-se aqui a Grande Morávia nos primeiros séculos da Idade Média, como expliquei em visita a Olomouc e a Brno, na vizinha República Tcheca (ambas a curta viagem aqui de Bratislava, ainda que hoje do outro lado da fronteira).
No entanto, foi somente com os húngaros, invadindo esta região no século X, que faria-se ali um grande castelo de rocha no século XI. Deste castelo, os húngaros repeliriam ataques tanto dos germânicos quanto dos boêmios (tchecos). Este foi, inclusive, uma das poucas fortificações a resistir à invasão mongol em 1241 (sim, eles chegaram à Europa e atacaram também Cracóvia, na atual Polônia.)
Por séculos, este castelo passaria a abrigar (literalmente) as jóias da coroa húngara, e a ser a sede da monarquia húngara após os turcos otomanos conquistarem em 1541 o que é hoje Budapeste. Seria liberada em 1686 — mas a esta altura os húngaros, que viviam entre esta área de Pozsony (Bratislava) e Viena, já estavam bem entrelaçados com os austríacos dos Habsburgo. Daí você ter, no século XIX, a tal Áustria-Hungria como um país só, que sobrevive até a Primeira Guerra Mundial.

O outro castelo — este ainda em suas ruínas originais — nesta região é o Castelo Devín, nos arredores da cidade. Você pode tomar um ônibus comum até ele. (Qualquer acomodação lhe informa.)
Tal como o Castelo de Bratislava, Devín é uma fortificação desde a pré-história. Foi, naturalmente, elaborada pelos celtas, depois pelos romanos, e o que você lá encontra hoje é fruto dos morávios medievais e, posteriormente, dos húngaros entre os séculos IX e XV.
Como o seu par dentro da cidade, ele também está à margem do Rio Danúbio. A vista é grande parte da graça de vir até aqui.




Essa visita ao Castelo Devín faz alguns anos, mas sendo que as ruínas datam do século XV para trás, não faz diferença.
Eu caminhava ali por entre as pedras no chão de grama, lembro de ouvir uns turistas canadenses a conversar naquele carregadíssimo francês quebequense, e lembro-me sobretudo de como encontrei uma grande amoreira sozinho ao ponto de ônibus.
Olhei para o chão naquele dia de calor, vi as amoras esmagadas, e olhei para cima. Fiquei encantado — novamente com uma certa sensação de Brasil — ao estar aqui, com uma árvore frutífera ao ponto de ônibus. Isso jamais me havia ocorrido ou me ocorreria na Holanda, o país rico da Europa Ocidental onde eu morava, com tudo arrumado, privatizado, controlado. O Leste Europeu parece ainda guardar certo bucolismo campestre mesmo perto da capital.
Eu daqui seguiria meus rumos. Você só não pode sair é antes de tomar uma Kofola, a imitação eslovaca da Coca-cola. Tem um certo gosto de aspirina diluída em Pepsi, mas é preciso experimentar se vier aqui.

É das coisas que fazem o colorido da Bratislava de hoje em dia.
Nossa!… que maravilha essa foto de abertura. Lindo esse castelo. Em estilo e em tons. Pujante.
Amei esse centrinho antigo. Lindinho.
Lindo esse casario, com seus gostosos tons. Esse verdinho é uma gracinha.
Apreciei as praças, os portais, os arcos, as lindas igrejas, os amados telhadinhos vermelhos e as ruas com mesinhas.
Espetacular esse teatro. Belíssimo. Magnífico. Arrojado. Belo estilo, lindas linhas.
Apaixonei-me pela igrejinha azul de Santa Elizabeth. Linda e simples.
O Danúbio, belo e sinuoso dá o toque final na bela região.
E que encantadora fica no Natal. Fofa. As luzes a deixam com ar de festa. Lindinha.
Pena constatar esse ar cotidiano de pouco desenvolvimento e um certo abandono mostrando a pobreza que ainda há em muito dos países europeus, sobretudo aqueles do Leste que sofreram com o domínio soviético.
E por falar em soviético, estou para ver arquitetura pior que a desse período. Tenebrosa. anti-arte, um horror. Detesto. As cidades ficam horríveis. Ainda bem que sobraram esses recantos lindos.
Valeu, meu jovem amigo viajante. essas aventuras são ótimas.