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Austria

Linz e a linzertorte na Áustria

Não é todo dia que eu visito uma cidade por causa de um doce. Bem-vindos, contudo, a Linz, a terceira maior cidade da Áustria!

Estamos na província da Alta Áustria (Oberösterreich), no noroeste do país, bem próximo da fronteira tcheca e da turística cidadezinha de Český Krumlov do outro lado. 

Ainda não é tão alto quanto os Alpes mais adiante, mas já se nota uma certa elevação nestas terras por onde passa o Danúbio antes de ele ir encontrar Viena bem mais adiante.

Quando eu falei em doce, referi-me à linzertorte — ou “torta de Linz” — um bolo com o qual eu tenho um certo histórico que vos conto daqui a pouco. De passagem, resolvi comer dele aqui na origem. Acabei por ver mais coisas da cidade.

Linzertorte
Eis a linzertorte, sem demoras, uma tradicionalíssima receita austríaca aqui de Linz. Dos bolos mais típicos da Europa Central e, para mim, algo especial por ter sido o primeiro que eu fiz na vida.

Bem-vindos a Linz, a cidade

Como nem só do pão (ou do bolo) vive o homem, deixem-me ter a fineza de vos mostrar também a cidade.

Embora antiga (fundada pelos romanos) e com o rio Danúbio passando em seu meio, Linz não é lá muito turística. Aqui viveram ao menos três famosos: o astrônomo alemão Johannes Kepler (a universidade da cidade recebe o seu nome), e os austríacos Ludwig Wittgenstein e Adolph Hitler.

Glup. Sim, Hitler cresceu aqui, e chamava Linz de sua cidade natal, embora tenha realmente nascido num vilarejo aqui próximo. Quando chegou ao poder, investiu em Linz, quis fazer dela um poderio econômico e artístico maior que Viena, e projetou um museu em homenagem própria (o Führermuseum) que abrigaria sua coleção de arte pilhada pelos nazistas Europa afora.

Seria um dos maiores museus de toda a Europa, sem jamais ter sido. Linz, porém, reserva-nos algo da herança de cidade do Sacro-Império Romano Germânico (o Primeiro Reich, naquela contabilidade alemã), com prédios de época e uma magnífica catedral neogótica no que é em grande medida uma cidade moderna.

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Ruela no centro de Linz. (Não, aquela igreja barroca ali não é a catedral...)
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A catedral é esta, formalmente a Catedral da Imaculada Conceição de Maria (Mariä-Empfängnis-Dom, ou encurtada Mariendom).
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O interior da catedral neogótica de Linz. Ela data da virada do século XIX para o XX.
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Arcadas internas da imensa catedral.

Vamos ao que interessa

Eu chegava a Linz naquela manhã de sol de verão europeu. Cidade tranquila, algo mais calma e sossegada que Graz. Menos imigrantes nas ruas, afora os ocasionais tchecos vindos aqui de perto a passar conversando, realmente à vontade, como moradores de longa data da cidade.

Suas calçadas de asfalto davam este tom da ideia torta que alguém teve num passado não muito distante nesta parte da Europa de não usar pedras calçamento, já que asfalto é mais barato de remendar. Coisas que reprovo no urbanismo moderno da Europa Central, junto com os outdoors de propaganda sobre edifícios de época e andaimes de igrejas em restauração. Ô, Áustria.

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A parte moderna do centro de Linz, com os tons pasteis característicos e a fiação dos ônibus elétricos.

Fui ao Café Jindrak, sítio original da linzertorte, uma das mais famosas tortas tradicionais austríacas e uma especial para mim.

Foi a primeira torta que assei na vida, há muito tempo atrás, numa galáxia muito distante, seguindo a receita de umas amigas suíças que a haviam feito num aniversário na nossa residência universitária. (Havia sido o meu próprio? Já nem lembro; só lembro da torta.)

É uma torta deliciosa, com um geleia azedinha de framboesa que quebra um pouco o doce, e a magia são as especiarias na massa: cravo e noz-moscada.

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Ali fica uma das três localidades do tradicional Café Jindrak em Linz. Vamos à prova.
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Pedi um café e, naturalmente, uma fatia de linzertorte. Note o recheio, sua massa tipicamente escura, e os filetes de amêndoas em cima para enfeitar.
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Eu com uma fatia de linzertorte em Linz, 15 anos após tomar conhecimento dela. (Às vezes as coisas demoram na vida, mas a gente chega lá.)

Seria muito atrevimento eu dizer que a minha ficou melhor, pois aqui puseram água um pouquinho demais, ou manteiga de menos, e a massa ficou um tanto quebradiça. Imagina se eu ia dizer isso.

Quando comentei com uma amiga húngara, anos-luz mais familiarizada com assados centro-europeus que eu, sua resposta foi de “eu não tenho dúvida nenhuma de que a sua saiu melhor; essas tortas de confeitaria nunca ficam tão boas quanto as caseiras.

Talvez isso seja ainda mais verdade aqui que no Brasil, onde volta e meia se encontram confeiteiras nota dez. Eles aqui economizaram em ingredientes — as especiarias que você põe em menor ou maior número na massa, que encarecem a receita mas deixam a torta muito mais saborosa. (É igual vatapá lá na Bahia, onde às vezes economizam a castanha de caju ou no camarão seco, e acaba saindo um pirão com dendê.)

Portanto, não venha com muita sede ao pote. Pela internet há receitas a se tentar em casa, mas não creia em nenhuma que não inclua cravo e canela. Importante a geleia também ser de qualidade, com gosto da fruta e não de açúcar. (Esta foi talvez a receita mais completa de linzertorte que encontrei em português, caso você queira experimentar fazer.)

Valeu a experiência. A vida, naturalmente, segue, e Linz estava diante de nós.

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Linz, no seu centro histórico.

O Danúbio e o centro histórico de Linz

O rio Danúbio sempre fez a economia desta cidade. Como já disse antes, o romanos o tinham como um dos limites do seu império — para lá mais a leste e ao norte ficavam as terras “bárbaras”, consideradas incivilizadas.

Com o tempo, faria-se um castelo aqui à margem do rio para coletar impostos de quem passasse. Foi como muito da economia medieval da cidade se dava, ela que foi no Sacro-Império Romano Germânico (800-1806) um importante entreposto comercial também entre Viena e o que é hoje a Alemanha, como entre Praga mais ao norte no então Reino da Boêmia e o mundo mediterrâneo mais ao sul.   

Rua no centro histórico de Linz
Jovens a conversar, no que é o pequeno e pacato centro histórico de Linz.
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Olha que simpático?
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No centro.

Este não é um centro histórico movimentado. Mal vi outras pessoas a tirar fotos. As ruelas, embora belas, pareciam-me ausentes de turistas e até de muitas pessoas em geral.

O movimento era maior nas partes modernas da cidade — e na sua praça principal, a Hauptplatz.

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A ampla praça principal (Hauptplatz) de Linz neste dia de verão.
Coluna barroca na praça principal de Linz
Como de hábito aqui pelas antigas terras austríacas dos Habsburgo, há um monumento barroco a decorar.
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Barroco em Linz.

É dessa época, em verdade — do século XVIII, apogeu dos Habsburgo na Europa com a imperatriz Maria Theresa — que temos as obras mais impressionantes de Linz.

Ainda que sua catedral seja neogótica, as igrejas barrocas talvez tenham me impressionado ainda mais.

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Esta, por exemplo, é a antiga catedral (Alter Dom), igreja jesuíta de Santo Inácio de Loyola fundada no século XVII, e que foi catedral de Linz durante os séculos XVIII e XIX — até que vos mostrei antes ficar pronta em 1909.
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Seu interior. Bem-vindos ao barroco.
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Interior da antiga catedral de Linz (Alter dom ou Ignatiuskirche). Foi feita entre 1669 e 1683.
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O órgão acima da entrada, como de hábito.

Já o castelo de Linz, em si, foi bastante reformado e hoje é um museu misturão de tudo — moedas, artes, etc. (Não me atraiu muito.) Você o vê melhor da ponte que cruza o rio Danúbio. 

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O rio Danúbio com a versão atual do palácio de Linz ali na outra margem, atualmente um museu no que já foi uma fortificação para controlar — e cobrar pedágio — das embarcações que passavam.
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Da ponte que cruza o Danúbio em Linz.

O rio Danúbio, como você pode notar, não é azul. Nunca foi — aquela letra foi imaginação de Strauss. Ele tem, todavia, o seu porte.

A cidade fica praticamente toda ela de um lado só, aquele lado do palácio-museu. Até o século XV, não havia sequer ponte sobre o rio aqui. Mais recentemente é que a cidade começou a se expandir do outro lado.

O que há de mais interessante lá — a atração mais atraente de Linz — é o caminho para a colina de Pöstlingberg, que naturalmente ficava fora da cidade, e aonde hoje você chega num simpático bonde com ar antigo. 

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O bonde moderno de ar antigo que leva à colina de Pöstlingberg em Linz.

A Pöstlingbergbahn e a igreja na colina

Este bonde da linha 50 (Pöstlingbergbahn) sai a cada 30min da Hauptplatz. É um ticket especial que você pode comprar a cartão ou dinheiro na maquineta. Custou-me 10,40 euros ao todo, subida e descida, uma passagem especial que de quebra lhe dá direito a usar todo o transporte público da cidade pelas próximas 24h. (Não vi opção de comprar só ida ou algo assim.)

São ao todo 15 minutos de jornada até o alto da colina de Pöstlingberg, uma das viagens de bonde mais íngremes de toda a Europa — só perde para Lisboa.

Ele enche. Eu sugiro que você o pegue cá no fim de linha, na Hauptplatz, e evite os assentos preferenciais pois não faltarão idosos e gente com carrinhos de bebê entrando pelo caminho. Mesmo com a ausência de muitos turistas, o meu foi cheio numa despretensiosa tarde de meio de semana.

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A parada da linha 50 aqui à direita na Hauptplatz, e a maquineta onde comprar as passagens antecipadamente. Nos dias de semana, ele passa a cada meia hora. (Há uma tabela de horários ali.)
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Lá em cima com o bonde na Pöstlingberg, simpática colina histórica nos arredores de Linz.

Pöstlingberg surge no século XVIII por iniciativa dos frades capuchinhos, como um lugar de peregrinação. Com o tempo, a igrejinha de madeira deu lugar ao que é hoje uma bela basílica menor barroca.

Não há nada do outro mundo, mas é uma bela igreja e você dá umas voltas pela área verde com lanchonetes e vista para a cidade lá embaixo. Até olhar, você não se dá conta de que o bonde subiu tanto!

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O ambiente lá no alto é todo campestre. Note a cidade como ficou longe, lá embaixo.
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Vi estas pessoas fazendo alguma confraternização aqui.
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A barroca igreja de Pöstlingberg, na colina.
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O interior da igreja barroca, do século XVIII.
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O teto. Este é um chamado “barroco tardio”, mais claro e vívido que aquele (mais sombrio) do século XVII.

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Desci, e circulei por aquelas movimentadas ruas modernas de Linz, onde os prédios barrocos de cores claras misturam-se às edificações modernas. As pessoas passavam, as bicicletas passavam, e às vezes também um e outro de patinete elétrico naquele zum-zum-zum de fim de tarde.

É um tanto o que é Linz — para além da torta.

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Fim de tarde nas ruas de Linz.
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O movimento das ruas de hoje; a atmosfera geral de Linz é assim.

Não é uma cidade onde se deter muito tempo — ao menos na minha opinião, há quem sugira passar vários dias aqui, e visitar museus de tecnologia como o Ars Electronica Center e outros. Eu não vejo muita graça nisso, e acho que 1 dia bem passado aqui é o suficiente. Mais noites aqui servem para, aí sim, ir à fofa cidade de Steyr — um excelente bate e volta que eu faria no dia seguinte. Vocês verão.

Por ora, vim, vi, e comi. A torta deixou um pouco a desejar mas valeu conhecer a cidade.

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Linz, uma charmosa cidade moderna com um pequeno centrinho mais antigo.
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Belas cores e arquitetura…
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… no que é, eminentemente, uma cidade moderna — a terceira maior da Áustria.
Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

One thought on “Linz e a linzertorte na Áustria

  1. Ihhh!, que lindinha. Mais uma joia dessa linda terra chamada Áustria. Fofa!… Cada cidadezinha mais bonita que a outra.
    Esta me encantou pelos lindos templos com seu belíssimo barroco e neo-gótico, além dos recantos gostosos com ruelinhas e belas floreiras. Amei seu charmoso e acolhedor centrinho e sua elegante e florida praça.
    O belo casario com suas lindas e delicadas cores delicadas e os monumentos chamam a atenção de quem a vê.
    O Danúbio, cantado em prosa musica e verso, belo, e histórico continua cheio de charme e é um espetáculo à parte.
    Achei lindinho o bonde com ar retrô mas moderno. A igrejinha la em cima também é uma gracinha. A casinha amarelinha é fofa, parece de chocolate branco hahaha.
    Os interiores fabulosos dos templos são , para mim, o ponto alto da cidadezinha que é um brinco. Linda, florida e bem cuidada.
    Amei conhecê-la. Bem movimentada.
    E a torta parece muito boa. Valeu viajante brasileiro.
    Linda postagem!…

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