Se Hallstatt não é a cidade(zinha) mais pitoresca e fotogênica da Áustria, é uma séria candidata a ser. Há quem a chame de “a cidade mais instagramável do mundo“, o que é ao mesmo tempo uma bênção e uma maldição.
Hallstatt me apareceu de repente. Eu não a conhecia, sequer tinha ouvido falar, até o meu Instagram de uns anos para cá ficar pleno de vistas daqui. Fotos desse vilarejo de aspecto mágico à margem de um lago e rodeado por montanhas no interior austríaco. Eu precisei olhar no mapa onde ele ficava, afinal.
Acho que nenhuma outra cidade austríaca de fato tem sido tão “instagramada” nos últimos tempos. Eu, que me jacto de conhecer vários recantos ou de no mínimo ter ouvido falar deles, confesso que fiquei intrigado com esse lugar de repente hiper-popular e que eu não conhecia nem de nome, ou tampouco sabia de alguém que o houvesse realmente visitado.


A repentina fama de Hallstatt
Minha ignorância se deu, pelo visto, porque eu ainda não havia assistido a Frozen, a animação da Disney de 2013 que já rendeu dois filmes hiper-populares entre as crianças e alguns adultos (pelo visto muitos adultos, mas daqui a pouco a gente chega lá).

A história, que visualmente contem algo de montanhesco e invernal (como algo dos anteriores A Era do Gelo), apresenta as aventuras da Princesa Elsa de Arendelle, numa realidade inspirada nas realezas escandinavas,
Frozen se baseia em mais um conto de Hans Christian Andersen (1805-1875), o escritor dinamarquês — que já foi até enredo de escola de samba — autor dos já-famosos O Soldadinho de Chumbo, O Patinho Feio, A Pequena Sereia e tantos outros. Agora, foi a vez do seu conto A Rainha das Neves (1844) virar animação.
Não importa que o reino fictício de Arendelle tenha sido declaradamente inspirado em lugares da Noruega, como partes da cidade de Bergen e a catedral medieval de Nidaros em Trondheim. Alguém — sabe-se lá quem — o achou parecido com este vilarejo austríaco, que desde 1997 é reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Mundial da Humanidade pelo seu legado arquitetônico e cultural, e a mania se espalhou.


Nada contra a fantasia. Conheço alegres crianças que adoram as personagens de Frozen, inclusive meninas inspiradas pela coragem da princesa — que aqui é a real protagonista que resolve as coisas em vez de ficar esperando príncipe encantado.
(Acho muito bom para combater o perfil tradicional de princesas lerdas que não resolviam nada, sempre a esperar serem salvas por um homem.)
Eu só não sei é até que ponto este vilarejo histórico habitado por menos de 1.000 pessoas estava preparado para, de repente, ser rotulado como “a Arendelle da vida real”.

Hallstatt fica a um pulo de Salzburgo — é possível vir e voltar no mesmo dia. Em verdade, grande parte dos turistas aqui chegam em ônibus cheios e não passam mais que algumas horas, ou até menos. (Você nunca participou daquelas excursões em que o guia dá X de “tempo livre” antes de tomar a estrada novamente? Eu já estive em várias.)
Se em 2011 eram em média 100 turistas por dia em Hallstatt, estima-se que em 2020 antes da pandemia esse número já havia crescido em duas ordens de magnitude para cerca de 10 mil visitantes diários. Portanto, meus queridos, minhas queridas, tomem com um grão de sal aquelas fotos enganosas da internet que mostram a cidade vazia, quieta, como se você pudesse ouvir até o vento no lago.
A Europa estando ainda fechada à maioria dos visitantes estrangeiros neste verão do hemisfério norte, eu julguei que não haveria tanta gente assim. (Em verdade, eu tampouco sabia que o lugar era tão popular.)
Ledo engano: tivemos dificuldade para achar vaga para o carro num dos vários estacionamentos organizados que há nos arredores da cidadezinha, e um ônibus de turistas ia já bem à nossa frente no que cruzávamos os túneis alpinos que levam a Hallstatt.

Visitando Hallstatt
A viagem de carro leva 1h e pouco desde Salzburgo, no que são 75 Km passando por Bad Ischl e outras paisagens de lagos e cidadezinhas entre as montanhas. (Veja depois no meu post seguinte pelo Vale Gosau.)
Se você não vier cá de carro nem de ônibus turístico, há a possibilidade de vir de transporte público. A viagem de trem dura cerca de 2h30 a 3h, devido à volta que é preciso dar e à necessidade de fazer conexões, mas ainda assim é possível como bate e volta de Salzburgo.
De trem há a vantagem de você, ao fim, desembarcar na estação ferroviária Hallstatt Bahnhof — do outro lado do lago que margeia a cidade — e atravessar num breve ferry, com ótima vista para a cidadezinha.

Nós, que chegamos de carro, pegamos a última vaga de um dos estacionamentos. Estava cheio.
Descemos do veículo, e não se demora a perceber o quanto o lugar é embasbacante.



Você não demora muito a encontrar os grupos de turistas e as vendas voltadas a eles.
O lugar é relativamente pequeno. Hallstatt tem basicamente uma única rua que se estende pela cidadezinha como um promenade à margem do lago, e os visitantes estão por toda parte.



Confesso certa surpresa.
Tendo acabado de chegar de Bad Ischl, onde os visitantes eram sobretudo outros austríacos sentados para tomar algo tranquilamente, provar das coisas típicas e ouvir música clássica ao vivo nas varandas dos restaurantes, a predominância do turismo de massa aqui me surpreendeu.
Afora a quantidade de gente, o grosso das pessoas parecia minimamente interessado na região em si. Parecia ser tudo ou quase tudo ou quase tudo pela fama após o filme, o bafafá, e a foto.


Havia gente de todas as sortes e origens — de várias cores, idades e amores. Desde famílias muçulmanas com suas mulheres de véu, a grupos de indianos a andar em pose, a negros rapazes africanos, loiros de origens desconhecidas, e os evidentes chineses, japoneses e coreanos.
A origem pouco importa, a etnia menos ainda. O problema é a transformação que o ambiente do lugar sofre com tamanha quantidade de gente — e pessoas em geral interessadas só nas fotos para o Instagram e em souvenirs baratos.
Eu me senti mais numa espécie de parque temático da Disneylândia do que numa histórica cidade austríaca.


Uma breve nota acerca do “sobreturismo”
Eis o chamado “sobreturismo” — quando a quantidade de pessoas visitando chega a prejudicar a experiência da visita, além de poder causar outros danos ao patrimônio natural ou sociocultural.
É um problema em muitas partes da Europa e do mundo. Por exemplo, a substituição das padarias da esquina (e seus afins) por lojas para turistas em todo o centro de Amsterdã foi considerado uma forma de sobreturismo, que a cidade agora tenta rever com proibições e normas.
Mais perto de casa, é o que também me parece estar acontecendo a Fernando de Noronha no Brasil.
Hallstatt tem um cenário lindo, mas está algo estragada pelo turismo em massa. Muita gente, mesmo com a pandemia. Turistas por toda parte o dia inteiro. Todas as lojas são de souvenir ou outras coisas para turista. Ou seja, não resta mais nada autêntico no comércio local — só lojas para visitantes.

Curiosamente, aqui em Hallstatt isso me perturbou mais que em Veneza. Do ponto de vista do visitante, em Veneza ou Amsterdã você já sabe que vai encontrar um monte de gente. E multidão por multidão, já peguei muito maiores na Índia ou no Carnaval no Brasil.
O problema é Hallstatt ser o típico lugar onde uma apreciação maior requer certa quietude, para você respirar aquela autenticidade, sentir aquele quieto entorno natural, e o que de repente vê é você no meio de milhares de outros visitantes comendo hambúrguer.
Visitando assim mesmo
Eu não vou aqui “moralizar” a coisa, a dizer se você deveria vir ou não. Só quero relatar o ambiente do lugar como ele é — não como as fotos de divulgação sugerem.
Francamente, acho que as pessoas deveriam se distribuir mais pelos tantos lugares atraentes que há, seja nesta região ou no planeta. Enquanto tantos se amontoam aqui em Hallstatt, outros belos recantos da região — como Steyr ou Bad Ischl — seguem pouco conhecidos e relativamente vazios. (As páginas que mostram Hallstatt deveriam mostrar também os demais lugares da Áustria.)
Por isso eu gosto especialmente de mostrar os cantos pouco conhecidos. Mas, às vezes, a gente vem conferir também de perto os que viram moda.
E o que eu vi?



Hallstatt fica numa espécie de encosta, o casario a elevar-se com o relevo diante do lago. Você pode caminhar até a sua borda, como fazem tantos para ter a vista do todo.
Há basicamente uma única rua, que ora margeia o Hallstätter See (o lago), e ora adentra como via principal de vilarejo.



A área de Hallstatt já é habitada desde a pré-história, passando pelos romanos e pelo medievo com exploração das minas de sal desta região. Há aqui um pequeno museu onde você pode ver objetos milenares e conhecer mais desse passado. A partir do século XIX, fez-se a primeira estrada e começaram a vir aqui pintores e visitantes que buscavam repousar. Foi a época em que se recomendavam as montanhas para sanar problemas de saúde.
Esta é a região da chamada Paisagem Cultural de Hallstatt-Dachstein / Salzkammergut, que a UNESCO reconhece como patrimônio mundial da humanidade. Este vilarejo em si é apenas uma das joias da coroa. (Talvez a mais bela, mas não a única. Mostrei Bad Ischl aqui pertinho e ainda mostrarei outras partes.)


A tarde caía. O movimento nas ruas começava, finalmente, a ficar mais rarefeito. Via-se um tanto melhor a beleza embora a atmosfera fosse ainda aquela de “depois de festa”.



A fome apertava, e nós cogitamos jantar aqui antes de mudarmos de ideia.
Não vou surpreender ninguém ao dizer que os preços são notavelmente altos (bem mais que em Salzburgo), com pratos principais na casa de 20-30 euros em alguns lugares.
Boa parte das mesas já estavam reservadas, sobretudo aquelas com vista para o lago e nos restaurantes vinculados a hotéis.
O serviço tampouco foi uma Brastemp. Pelo contrário, deixou de ser o serviço atencioso que experimentei noutros lugares do interior da Áustria e passou àquele serviço agitado (e por vezes rude) de quem está pouco aí para você, já que há tantos outros.

É bonita, é bonita e é bonita.
Lembrou-me Frozen? Não. Talvez no inverno lembrasse. Todavia a recomendação, se você é fã, é visitar o Nærøyfjord na Noruega, que realmente inspirou a obram, e que eu já mostrei aqui no inverno e no verão no roteiro Norway in a Nutshell.
A Hallstatt vale a pena vir por ela própria. Recomendo optar pela baixa estação, fora dos meses entre maio a setembro, nos quais há mais gente. (Se eu achei o lugar visitado demais pelo turismo de massa com as fronteiras da Europa ainda fechadas, imagine quando elas estão plenamente abertas.)
Aos gestores austríacos fica a tarefa de lidar com os efeitos perniciosos do sobreturismo — desde o lixo acumulado à transformação de tudo em pousada e loja de souvenir, à deterioração da atmosfera do próprio lugar, de uma paisagem cultural autêntica a um mero cenário fotogênico de filme sem nunca ter sido.

Fica a critério de cada um vir aqui ou não. Como sempre, conto o que vi, o que senti, e o que achei. Daí cada um faz a sua própria avaliação.
Tomávamos rumo, seguindo agora ao Vale Gosau nesta região. Como eu sempre digo, há sempre outras belezas a conhecer além daquelas que as mídias divulgam. Vejo vocês lá.
Uuhhhhhhh, que fofura. Parece saída de um filme de época, ou um presépio, ou feita de chocolate como nas histórias infantis. Linda. Com verdes colinas, com águas lindas , com belo aspecto, e bela vegetação.
Suas casinhas, de formosa arquitetura, com românticos e floridos balcões, suas ruazinhas também floridas, são encantadoras, fofas.
A cidadezinha é um encanto.
Pena pelo excesso de turistas, que quebra, um pouco o encanto, a graça, a paz, o clima, do lugar. Tulmutua. E deve atrapalhar os moradores.
De toda forma, com ou sem turista, ela é uma gracinha. Coisa de cinema.