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Suécia

Visitando Birka, antigo povoado Viking na Suécia

Os suecos são descendentes dos Vikings, assim como os dinamarqueses, noruegueses e islandeses. Disso a maioria das pessoas sabe. As línguas desses países desenvolveram-se do antigo idioma nórdico medieval, sendo o islandês a mais próxima da língua antiga.

Aí me perguntam: mas onde exatamente viviam os Vikings, onde estão suas cidades, seus templos a Odin, Thor & cia?

Não se sabe ao certo como os seus templos eram, nem os seus cultos — apesar de a ficção dar asas à imaginação e propor coisas nem sempre baseadas na História. 

As pedras rúnicas são, como o próprio nome já dá a entender, rochas talhadas. Mas as edificações todas outras eram em madeira, quando não com paredes de adobe. Isso significa que não resistiram ao tempo, mas se sabe mais ou menos onde algumas delas ficavam.

Homem numa casa Viking com fogueira em Birka
Réplica do que teria sido o interior de uma casa Viking, com uma fogueira no centro para aquecer, algumas velas, e ali um homem a amolar sua faca.
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Os Vikings eram pobres, apesar da sua fama. Suas casas eram de madeira e adobe (isto é, paredes feitas de argila, palha, e lama seca).

Bem-vindos a Birka

Birka foi o mais importante e o mais conhecido assentamento Viking no que é hoje a Suécia. Eles viviam em comunidades pequenas, de agricultores e pescadores, e a vida portanto era mais rural que urbana. Porém, Birka — como um grande centro comercial para a época — foi uma exceção.

Birka floresceu por 200 anos, entre aproximadamente 750 d.C. e 975 d.C. Estima-se que aqui viviam entre 500 e 1.000 pessoas, o que não era muito se comparado a cidades da Europa mais urbanizada (Paris à época possuía entre 20-30 mil habitantes, Roma 50 mil, e Constantinopla quase 1 milhão de pessoas, seguindo as estimativas). Mas era uma aglomeração e tanto para esta sociedade pouco populosa e eminentemente rural dos Vikings.

Estamos 30 Km a oeste de Estocolmo, capital sueca que à época ainda não existia. Birka ficava numa ilha do Lago Mälaren, um vasto lago de mais de 100 Km conectado tanto a outros corpos d’água no interior da Suécia quanto ao Mar Báltico a leste, o que fazia dele, portanto, um ponto estratégico para a naval sociedade Viking.

Perto daqui — numa outra ilha deste lago, ainda que não exatamente em Birka — está por exemplo o morrete onde teria sido enterrado Biorno “Costado de Ferro” (Bjǫrn Járnsíða ou Bjorn Ironside), o famoso Viking que se dizia ser invulnerável devido a uma poção mágica que sua mãe lhe deu na infância. Ele teria vivido por aqui no século IX.

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As praias rochosas do Lago Mälaren, num dia nublado e algo chuvoso de verão. (Sim, no verão, como as plantas ali verdes não deixam mentir.)

Visitando Birka hoje — logística, o que esperar, e os preços

Birka, eu preciso dizer, é um sítio arqueológico reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Mundial da Humanidade pela sua herança descoberta com escavações, mas do ponto de vista do visitante, o interesse aqui é ligeiramente outro.

Esqueça, por ora, ruínas de pedra amplas como Pompeia ou Éfeso. Não é o que você verá aqui. As escavações, via de regra, não são abertas ao público geral — e revelam mais objetos e ossos que grande casario a ver ou fotografar.

O que os suecos fizeram, porém, foi uma reconstituição de partes do que teria sido o povoado de Birka, com seu casario de madeira, barcos de pesca, etc. E pessoas vestidas como à época, que não são atores mas andam naquela indumentária, e fazem um tour com você (incluso no preço da visita) explicando como a vida ali funcionava. Há também um pequeno museu, um restaurante, e uma cafeteria.

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Restaurante no centro de visitantes em Birka, todo em madeira e decorado com escudos redondos de época. Come-se, aqui, comida típica sueca.

Era um dia de verão pouco típico quando eu vim cá. Nuvens cinzentas, chuvisco, e temperatura baixa.

A Suécia não é gelo o ano inteiro — os verões esquentam, com quase 30 graus nos idos de junho e julho, mas aí pode começar a chover regularmente. Foi o caso que eu aconteci de agendar minha vinda cá com uma amiga sueca e, bem no dia, choveu.

Serviu para me mostrar que nem tudo era sol na vida daquele tempo. As paisagens ganharam outra vida, e ficaram com um ar quase sóbrio como se uma voz fosse ecoar do céu e falar comigo.

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Respingado na ilha, com seus campos e rochas na paisagem.
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Um ar meio Tristão & Isolda nestes campos nórdicos neste dia de nuvens.

A forma mais fácil de você vir aqui é a partir de Estocolmo, uma vinda que você adquire online num pacote que já inclui os traslados de 2h de barco até Birka, a entrada no museu, e um tour guiado pela área da ilha.

Este passeio só está disponível entre maio e setembro, até mesmo porque no inverno este lago congela e, portanto, não é navegável. Na alta estação (meados de junho a fins de agosto), ele está disponível diariamente, e no mais apenas entre quinta-feira e domingo. 

Você pode sempre obter todas as informações atualizadas no site oficial da atração, e adquire seus tickets-combo aqui por 500 coroas suecas (cerca de 50 euros) com a companhia Stromma, que opera os barcos de ida e vinda. Não é barato, mas a verdade é que aqui pelos Países Nórdicos pouca coisa é barata. 

A isso você precisará ainda acrescer o almoço, que não está incluído, e que sai na faixa de 15-20 euros. Nada o impede de trazer o seu próprio lanche, se você quiser economizar; mas, podendo, vale a pena comer algo típico daqui, naquele ambiente quase de taverna medieval.

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Eles conversando.

A experiência e a visita

Às docas de Klara Mälarstrand, perto da prefeitura de Estocolmo, eu me encontrei com a minha amiga Susanna já praticamente à fila para entrar na embarcação naquele fim de manhã. Cinzenta a manhã, eu silenciosamente indignado que o dia anterior havia sido de sol e justo hoje o tempo mudava da água para o vinho. Ou do vinho para a água.

Normalmente, há toda uma área aberta de cadeiras no topo do barco, onde se vai tomando um sol e apreciando a vista, mas que hoje estavam sendo evitadas. Abandonamos todos os assentos plásticos molhados lá fora, ao que a vista de Estocolmo aos poucos se distanciava e nos sentávamos ao abrigo dos chuviscos.

Há todo um espaço interno, aquecido e com cafeteria a bordo. Você não vai esta viagem num drakkar Viking de época.

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Sempre há os corajosos.
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Aos curiosos, o espaço interno do navio que o leva a Birka é assim.
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A cafeteria. Sempre aproveito para frisar que, na Suécia, o café costuma ser free refill (ou seja, você pode recarregar o seu copo e, basicamente, tomar o quanto quiser). Bons hábitos desenvolvidos aqui na era pós-Viking.

Quando, afinal, podemos deixar de chamar os nórdicos de Vikings? Quando é que a História propriamente Viking termina?

Termina nos idos do ano 1000, com a conversão destes nórdicos ao cristianismo. É claro que não ocorreu do dia para a noite, e essa é uma data aproximada.

Da perspectiva britânica — eles que cunharam essa visão toda que seria passada para o mundo dos nórdicos enquanto Vikings, e que nos seria retransmitida também pelos norte-americanos — a Era Viking começa com o ataque ao mosteiro na ilha de Lindisfarne em 793, e termina com a expulsão dos dinamarqueses da Inglaterra em 1066. 

Mas já havia saques e invasões Vikings antes de 793 nos Países Bálticos, assim como continuaram a haver século XI adentro mesmo após a liberação da Inglaterra. Não sejamos anglocêntricos. De qualquer maneira, conforme o século XI se esvaía, os nórdicos se transformavam cada vez mais em reinos cristãos à moda dos outros na Europa, e menos bandos de saqueadores aventureiros pagãos.

Birka foi o último dos vilarejos Vikings suecos antes da conversão.

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Uma cruz nórdica ali posta no alto do rochedo no século XIX.

Nós desembarcamos, duas horas depois de zarpar de Estocolmo, no que era ainda um chão enlameado, e com uma chuva que apertou.

Eu faço ideia de como não era a vida sem confortos daquele tempo, e algumas coisas aqui em Birka me daria uma visão aproximada do que imaginar.

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Bom dia pra você que também veio à Idade Média.
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Réplicas dos barcos pesqueiros de época em Birka.
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No interior de uma casa Viking reconstruída, uma mulher a fiar e o fogo aceso. Notam-se o chão de terra batida e as paredes de adobe.
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No museu em Birka, uma maquete mostra um pouco do que a arqueologia sugere ter sido a vida aqui nos idos de 750-950.

O interior do museu foi aonde fomos de imediato, para nos abrigarmos da chuva. Ele é um amplo galpão de madeira — com aquele cheiro de madeira — subdividido em seções, e com uma lojinha e banheiros.

Você ali vê objetos de época, vestimentas, e maquetes mostrando como era a estrutura da cidade.

À época, ao menos a partir dos idos do ano 800, já começavam a vir aqui missionários cristãos a tentar converter os Vikings — e são deles os relatos medievais sobre este lugar, já que os Vikings praticamente não escreviam.

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Réplica de moeda árabe encontrada aqui em Birka. (A original fica exposta por detrás do vidro, mas eles circulam réplicas que você pode pegar nas mãos para sentir como era.)
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Como seria a cidade com os barcos chegando e o casario na beira do lago. Lá atrás, através da janela, o lago de verdade.
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As casas.

Logo iríamos pessoalmente ver a reconstrução em tamanho real dessas casas aqui em Birka, como vos mostrei.

Madeira, chão de terra, paredes de adobe, e palha no teto. Um fogo no centro. (Que essas casas queimavam com relativa frequência não vai surpreender ninguém.)

Os funcionários caracterizados não são atores nem interpretam papeis, mas estão prontos para explicar-lhe como eram aspectos da vida na época. É um tanto como no Parque Skansen em Estocolmo, que reproduz ambientes autênticos e a vida da Suécia dos idos de 1500-1900. Aqui em Birka, obviamente, é um período mais antigo. 

Já o restaurante — aonde iríamos em seguida finalmente almoçar — reproduzia o interior das tavernas da época. Armas de ferro um tanto rústicas como machados e serras decoravam as paredes, assim como escudos redondos e o ocasional chifre de rena. Velas iluminavam o ambiente interno. 

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O interior do restaurante atual em Birka.
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Havia gente vendendo nacos de porco assado na fogueira do lado de fora, mas optamos por comer do lado de dentro. O cardápio é bastante moderno: limões são da China, e foram trazidos pelos árabes à Europa na Idade Média, mas não fazia parte da dieta do norte europeu. Já as batatas são das Américas, e só apareceriam por cá a partir do século XVI. O peixe é o que há de característico há muitos séculos nestas bandas.
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As mulheres gerenciando o restaurante de época em Birka.

E as mulheres Viking, a propósito?

Há alguns anos, o noticiário de curiosidades históricas ficou repleto de informações sobre a descoberta de túmulos de mulheres nórdicas guerreiras.

Algumas das principais dessas descobertas se deram aqui em Birka. Em 2017, confirmou-se com análise osteológica e de DNA que havia, sim, guerreiras enterradas com suas armas, a ratificar os relatos de época sobre alguma presença feminina entre os Vikings.

Não é que metade dos guerreiros fossem mulheres, como alguns meios chegaram a alardear.

A sociedade Viking era patriarcal, as chefias eram em geral masculinas como em outras partes da Europa à época, mas é verdade que ocasionalmente havia mulheres combatendo entre os homens. Não dá para falar em equidade de gênero, mas acontecia.

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A imagem é ilustrativa, mas os arqueólogos conseguiram definir que a mulher guerreira encontrada aqui em Birka tinha 1,73m, entre 35 e 40 anos, e foi enterrada acompanhada de armas em meados do século X.

Enfim, após o almoço e o museu, fomos caminhar pela ilha e subir àquela cruz no alto, que mostrei antes. A cruz nórdica foi ali instalada no século XIX onde era o ponto alto de Birka, de onde até hoje se podem ver os caminhos d’água que levam a Estocolmo, a sul ou a oeste dentro da Suécia.

O chão de rochas e limo sob a chuva fazia-o escorregadio. (Eu quase tomei uma bela queda em Birka.) No mais, são aqueles bucólicos campos molhados. Nem sempre deveria fazer sol no bucolismo — às vezes é este som do seu sapato por sobre o capim encharcado e o cheiro de plantas molhadas misturado ao de estrume no ar.

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Os campos molhados de Birka. Hoje, ainda se criam ovelhas aqui.
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A subida lisa para o monumento no alto, uma cruz ali posta em 1834 em homenagem ao missionário cristão Ansgar (801-865), que teria vindo a Birka mil anos antes no seu apogeu.
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A chamada Cruz de Ansgar homenageia o missionário germânico do século IX que quis expandir o cristianismo cá ao norte da Europa. Ele chegou a estabelecer uma comunidade cristã aqui em Birka, mas que não durou muito, e ele foi expulso.

Se você está aí pensando “Nossa, que milagre ainda deixaram ele vivo, e estabelecer uma comunidade aqui…!“, isso é porque você não está levando em conta as razões políticas para certos atos de tolerância religiosa aqui na Europa.

A maior parte dos povos no norte e leste europeu adotariam o cristianismo entre os idos de 900-1350 menos por uma questão intelectual e muito mais por pragmatismo. Faziam comércio, alianças, e portanto fazia sentido adotar o mesmo costume religioso que seus pares mais ricos na Inglaterra, na França e na Germânia.

O mesmo ocorreu ao islã, disseminado entre aqueles que comerciavam com os árabes na costa leste da África ou Sudeste Asiático durante a Idade Média.

Olaf Scotking of Sweden coin c 1030
Olov Skötkonung, o primeiro rei sueco a se converter ao cristianismo, numa moeda de 1030.

Ansgar viraria arcebispo em Hamburgo na atual Alemanha, e voltaria ainda aqui uma segunda vez para tentar restabelecer sua comunidade cristã, sem sucesso.

A Suécia se tornaria formalmente cristã a partir do reinado de Olov Skötkonung (980-1022). Perceba-se que coincide com o declínio aqui de Birka, que seria aos poucos eclipsada por Sigtuna, um povoado mais a leste e constituído já como uma vila cristã. De certa forma, seria a semente para a ascensão de Estocolmo depois como capital. 

A Suécia mudaria bastante após 1000 anos de História, abraçando entre outras tendências o cristianismo e demais mores da Europa mais a sul com seus reis, nobreza, e campesinato. Fica, porém, o legado.

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Em Birka.
Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

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