Paris está de volta. Não que sua estrutura física tivesse ido a algum lugar, mas é que a capital francesa não é apenas o seu (vasto) legado histórico e cultural. É também a vivacidade de suas ruas, o jeito das pessoas, o seu espírito urbano muito particular. Paris é praticamente uma filosofia de vida e uma forma de ser.
Neste outono, após um longo e tenebroso inverno sob a pandemia, a energia das ruas voltou.
Falo em pós-pandemia porque, embora a moléstia siga firme noutras partes do mundo, aqui já é praticamente game over para a maior disrupção dos sistemas humanos do século XXI. Há ainda obrigatoriedade de usar máscaras nos ambientes fechados e de mostrar o pass sanitaire (comprovante de vacinação ou resultado negativo de teste de COVID-19) para restaurantes e demais atrações, mas isso já não impede as pessoas de aproveitarem a vida. E, não, não é um “novo normal” que vá ficar para sempre: em 2022 estas exigências já devem desaparecer.
Abaixo, trato um pouco sobre essas exigências ainda em vigor, e sobre como obter o passe francês a partir do brasileiro — coisas que as pessoas desejosas de (re)ver Paris estão perguntando. E, em seguida, mergulhemos na cidade que reencontrei neste outubro vermelho de folhas em cor.

A vida em Paris sob os fins da pandemia
Sim, a pandemia ainda está no ar ao que faço esta visita e vos escrevo, mas já não mais impede os franceses — nem turistas — de reclamar de volta sua cidade.

Exigem-se máscaras em todos os ambientes internos. No caso de restaurantes, trens de longa distância (TGV), e atrações turísticas em geral (como museus, Versalhes, etc.), é requerido o chamado “passe sanitário” nominal da pessoa. Ele contém um certificado de vacinação completa (por ora sem data de validade) ou resultado negativo de teste realizado nas últimas 72h.
A saber, vários restaurantes fazem vista grossa e “se esquecem” de exigir o passe de quem entra — ainda que os adesivos na porta falando da sua importância estejam lá para mostrar a fidelidade à lei.
Há também lojas que limitam o número total de pessoas que podem estar no seu interior ao mesmo tempo, mas já são poucas ainda fazendo isso.
No transporte público onde as pessoas se espremem nas horas de pico, a solicitação para distanciamento social é uma piada de mal gosto. Assim como em boa parte das atrações turísticas mais cobiçadas, onde os visitantes se aglomeram feito em Carnaval de rua.
Muita coisa é para francês ver.

Aberta para brasileiros? Certificado do SUS é aceito?
Sim e sim são as respostas, mas com algumas ressalvas.
A França foi dos primeiros países na Europa a reabrir para turistas de qualquer lugar do mundo, contanto que com o ciclo vacinal completo. Isso significa 7 dias após a segunda dose ou a partir de 28 dias no caso da vacina de dose única.
A questão é que, dentre as vacinas aplicadas no Brasil, a França reconhece a Pfizer, a Janssen e a AstraZeneca (qualquer variedade desta), mas não a CoronaVac. No caso de quem tomou duas doses da CoronaVac, a regra agora é que para ser aceito é preciso complementá-las como uma dose de reforço da Pfizer ou da Moderna.
As regras são sempre atualizadas aqui neste portal. Se você se enquadra nas exigências, pode então solicitar uma conversão do seu certificado do SUS para um certificado francês válido por toda a Europa. Tem os mesmos poderes de um certificado de alguém que se vacinou na França. No caso de estudantes indo para universidades francesas, há um processo separado por este outro link.

Leva cerca de 1 mês para ficar pronta a conversão após a sua solicitação. Eles no site sugerem ser menos, mas não se iluda muito. Demora até para darem início ao processamento (você pode rastrear no sistema do site deles), mas daí quando processa já logo liberam, se estiver tudo correto. Serão exigidos:
- Foto da página de identificação do seu passaporte;
- Seu certificado de vacinação do SUS em inglês, emitido normalmente pelo site do Ministério da Saúde;
- Uma reserva de passagem aérea de ida e volta que inclua a França.
Se vale a pena ter esse trabalho ou não, aí depende de cada um. Tendo recebido uma das vacinas reconhecidas pela França e estando com os documentos em mãos, é mais simples do que parece. Em poucas horinhas você se debruça sobre o site e resolve tudo, daí é só esperar ficar pronto e partir para os croissants.

Paris no outono?
Paris no outono está longe de ser tão cantada em verso e prosa quanto, por exemplo, Paris na primavera, mas o período certamente merece atenção. Mais do que recebe dos líricos.
O outono em Paris, que vai de 21 de setembro a 22 de dezembro como no restante do hemisfério norte, tem uma elegância sui generis. Não é que a cidade fique toda em vermelho como se fosse o Canadá, nem que haja grande estrondo estético como o florescer das cerejeiras no Japão, mas há uma mudança de ares.
As grandes árvores que marcam alguns bulevares de Paris vão ficando marrons, suas folhas a cair pelo chão sendo levadas pelo vento. As pessoas vestem-se de modo mais quente, preparando-se para as manhãs geladinhas (6-10 graus) ou as noites — ainda que o alto dos dias siga cálido, nos seus 18-22 graus, sobretudo se houver sol. Mas nem o sol é ele o mesmo do verão e da primavera, é um sol amarelo-claro, meio tímido, que mais ilumina que esquenta.



Um périplo
Paris tem um milhão de partes, ou quantas você quiser, e um sem-fim de atrações. Nem quem mora na cidade as conhecem todas.
Minha manhã, porém, foi a de um glorioso dia de sol. Nem sempre é o caso, já que o outono é notório por suas chuvas ocasionais. Vai um pouco de sorte. Por isso também recomendo se deter aqui pelo menos uns dias, caso algum seja mais soturno — daqueles em que o outono mostra a sua face mais ríspida e expulsa as pessoas para o lado de dentro.
Eu estava perto da Ópera Garnier, teatro nacional inaugurado em 1875. O nome advém do arquiteto, Charles Garnier, que a fez no que é chamado de “arquitetura eclética” por misturar diversos estilos — embora os elementos neoclássicos sejam claros, incluso nas imagens que adoram sua frente a remontar figuras da mitologia greco-romana.
Neste dia, as pessoas pareciam aglomerar-se ali aos seus degraus, ao que um músico destes de rua tocava, aproveitando do sol antes que ele fosse embora este ano.



É manhã, eu queria estar do lado de fora sob o sol, e ver as pessoas trafegando em Paris — agora de modos cada vez mais diversos. O reinado dos carros aqui está com os dias contados, pois há outra revolução em curso.
A prefeita Anne Hidalgo, no poder de 2014 a 2021, famosamente instituiu os chamados dias “Paris respira” (Journée Paris Respire), quando o centro da cidade fica livre de carros aos domingos. Muitos estacionamentos viraram jardins ou assentos de cafeteria no centro, e há um número crescente de vias para bicicletas e patinetes elétricos.
Aliás, fique de olho ao caminhar, pois embora os carros continuem a ser campeões em matéria de “tomar espaço nas ruas”, as pessoas de patinete às vezes passam voando.



Não é todo mundo que tem por hábito sair para tomar café na rua. No Brasil, por exemplo, eu diria que — agora quem precisa sair para trabalhar muito cedo — o hábito é bem mais o de tomar café em casa antes de sair que o de deixar para tomar café na rua. O almoço é a que me parece a refeição por excelência a se fazer na rua no Brasil.
Já aqui na França, há quem almoce na rua, mas hiper comum é tomar um café — malgradamente ainda acompanhado de um cigarro ou muitos aqui na França — numa dessas mesas de calçada aí acima e, em seguida, ir fazer um piquenique no parque como almoço.
Eu daqui caminharia entre a Ópera Garnier e o famoso Jardim das Tulherias, já às vizinhanças do Louvre, onde múltiplos jovens descobriam seus sanduíches no guardanapo para comê-los sob o sol, numa cadeira ou, onde possível, sentados na grama.
Misturavam-se ali também os vários turistas e ciganas oportunistas a tentar dar o velho golpe do “abaixo-assinado para crianças deficientes”, a extrair doações dos turistas incautos. Já caí nele há muito tempo atrás aqui na França (ainda contarei o “causo”); não mais.




Aqui, nesta época, faz um pouco aquele clima quando há certo calor sob o sol e certo frio sob a sombra. É curioso.
Logo ali adiante está o Museu do Louvre, que já mostrei em detalhes neste outro post em Paris, e que vos recordo que era um palácio real antes de ser museu.
Diante de mim, o Arco do Triunfo do Carrossel (l’Arc du Triomphe du Carrousel), de 1808, não confundir com o mais famoso Arco do Triunfo que fica na avenida Champs-Élysées, com o dobro do tamanho e completado apenas em 1836. Ambos celebram as vitórias napoleônicas em estilo romano antigo, como que a fazer dele um novo César.

A saber, o arco recebe este nome por ficar na Praça do Carrossel (Place du Carrousel), que por sua vez é assim chamada — desde 1662 — porque aqui se davam desfiles militares equestres, sob Luís XIV.
O brinquedo carrossel recebe esse nome precisamente por refazer de forma lúdica tais desfiles de cavaleiros.

Virei para o rio Sena, seguindo um entregador de Uber eats que ia rápido na bicicleta por entre os arcos da rua.
Aqui, os entregadores de comida são quase todos africanos, árabes ou indianos. Entregadores quase todos pretos entregando a consumidores quase todos brancos. Resquícios de outras eras, coloniais, que teimam não serem deixadas pra trás.
O rio Sena, por sua vez, estava lindo — algo esverdeado. Cada vez que eu volto cá a Paris, ele parece melhor.


Do outro lado, deparei-me com algo que nem sabia estar lá: a casa onde faleceu Voltaire (1694-1778), um dos maiores pensadores franceses do século XVIII.
Voltaire era apelido. Seu nome civil era François-Marie Arouet. Foi grande escritor, pensador e crítico. Suas críticas ao Antigo Regime, pré-revolução, rendeu-lhe duas condenações à prisão e uma ao exílio — o qual passou na Inglaterra.
Curiosamente, transformaram esta casa onde ele morreu não em museu, mas em restaurante.
Em verdade, talvez seja porque ele pouco viveu aqui. Retornou a Paris em fevereiro de 1778 após 25 anos fora da cidade onde nasceu, e em maio do mesmo ano, faleceria.

Segui meu caminho, agora nesta outra margem do rio Sena.
Detive-me para comer algo já no avançar de meados da tarde, tomei um sorvete, e circulei pelo já animado sixième — como é apelidado o sexto arrondissement ou distrito de Paris.





Eu estava ali de volta ao Sena, naquela hora da tarde que carinhosamente chamamos em português de “tardinha” — para a qual não conheço boa tradução em outros idiomas. O sol começava aos poucos a cair por detrás dos prédios de época, embora ainda raiasse.
Perto de mim, logo do outro lado naquela ilhota do Sena que é coração de Paris, a Catedral de Notre-Dame. Queimada pelo incêndio de 2019, ela segue inacessível ao público. (Se você gostaria de vê-la antes do ocorrido, veja meu post anterior em visita a ela aqui em Paris.)
Ela segue sob obras e com previsão de reabrir ao público em 2024, ainda em tempo dos Jogos Olímpicos de Paris, previstos para julho daquele ano.



Hora de cruzar mais uma vez o rio Sena, saindo agora da ilhota onde fica a Catedral de Notre-Dame, e adentrar o movimentado — e hipster — distrito do Marais. É de onde vem a referência na música infantil “pobre pobre pobre de Marais Marais Marais…“.
A vizinhança era a preferida da aristocracia francesa antes da revolução. Depois, acabou se tornando bairro judeu, gueto, e abandonado ficou até ser reconstituído como área artística, dos cafés da última moda, e do que alguns na França apelidam de bobô (para bourgeois-bohème, ou seja, aqueles boêmios com dinheiro, os alternativos de classe alta, ou simplesmente burgueses-boêmios numa tradução literal). Misturam-se hoje aos muitos turistas — como eu — que andam por aqui.
Logo de cara, você se dá com a imponente prefeitura de Paris, um imponente edifício reformado nos fins do século XIX — após ter sido queimado pela Comuna de Paris (uma insurreição estilo Diretas Já) em 1871. Já não é de hoje que os franceses queimam as coisas quando se revoltam.





Filmes como Meia-Noite em Paris (2011) mentem muito acerca de como é a noite na cidade. Fazem uma limpeza étnica na cidade, nos reinos da fantasia e da imaginação. (O que, sabemos, quase sempre é um acompanhante da negligência que experimentam certos grupos na vida real.)
A Paris de verdade, à noite, está repleta de todas as cores. Mas, nas ruas nas altas, talvez os tons mais escuros sobressaiam. Se, aqui, à noite os gatos são pardos, não é pela noite, mas pela cor dos gatos mesmo.

Tomar o metrô, sobretudo nas altas horas, é como um passeio no Senegal. Figuras cansadas, alguns já a cochilar, ao que senhoras pesadas e por vezes estafadas distraem-se ao celular. Algumas em trajes mui coloridos trazem agora esta riqueza da África Ocidental à França.
Isto tudo é Paris no outono, esta estação que traz o frio a uns e o friozinho a outros. Uma época bela, sem dúvida. Época para vir ver a cidade na sua inteireza que tem hoje.

(Você pode ler outras das minhas andanças por Paris em postagens anteriores. Pelas atrações mais famosas, no mausoléu de Napoleão, numa visita realista a Montmartre, no Museu do Louvre e Musée d’Orsay, e por algumas das principais igrejas de Paris — inclusa aí Notre-Dame antes do incêndio.)
Ah!… Paris!.. Toujour Paris!… que faz o coração bater mais rápido e arranca do peito suspiros de amor e ou saudades!… Encantadora sempre. Com cheiro de liberdade, de livre pensar e viver. Bela, cativante, libertária, provocante, gostosa de ver e de estar. Eterna.
Que bela que se encontra nesse outono, meu amigo viajante. Linda e soberba como sempre. Radiante de vida. É uma festa para os olhos, a alma e o coração.
Linda postagem. Encantadora Paris.
Obrigada pelo presente. Ver Paris, em qualquer estação, é um presente para a alma da sua amiga aqui. J’aime Paris. Merci.
Valeu.